Da renúncia
A única dádiva n
1 Conta-se que Simão Pedro estava cansado, depois de vinte dias junto do povo.
Banhara feridentos, alimentara mulheres e crianças esquálidas, e, em vez de receber a aprovação do povo, recolhia insultos velados, aqui e ali…
2 Após três semanas consecutivas de luta, fatigara-se e preferira isolar-se entre alcaparreiras amigas.
Por isso mesmo, no crepúsculo anilado, estava, ele só, diante das águas, a refletir…
3 Aproxima-se alguém, contudo…
Por mais busque esconder-se, sente-se procurado.
4 É o próprio Cristo.
— Que fazes, Pedro? — Diz-lhe o Senhor.
— Penso, Mestre.
5 E o diálogo prolongou-se.
— Estás triste?
— Muito triste.
— Porquê?
— Chamam-me ladrão.
— Mas se a consciência te não acusa, que tem isso?
6 — Sinto-me desditoso. Em nome do amor que me ensinas, alivio os enfermos e ajudo aos necessitados. Entretanto, injuriam-me. Dizem por aí que furto, que exploro a confiança do povo… Ainda ontem, distribuía os velhos mantos que nos foram cedidos pela casa de Carpo, entre os doentes chegados de Jope… Alegou alguém, inconsideradamente, que surrupiei a maior parte… Estou exausto, Mestre. Vinte dias de multidão pesam muito mais que vinte anos de serviço na barca…
7 — Pedro, que deste aos necessitados nestes últimos vinte dias?
— Moedas, túnicas, mantos, unguentos, trigo, peixe…
8 — De onde chegaram as moedas?
— Das mãos de Joana, a mulher de Cusa.
9 — As túnicas?
— Da casa de Zobalan, o curtidor.
10 — Os mantos?
— Da residência de Carpo, o romano que decidiu amparar-nos.
11 — Os unguentos?
— Do lar de Zebedeu, que os fabrica.
12 — O trigo?
— Da seara de Zaqueu, que se lembra de nós…
13 — E os peixes?
— Da nossa pesca.
14 — Então, Pedro?
— Que devo entender, Senhor?
— Que apenas entregamos aquilo que nos foi ofertado para distribuirmos, em favor dos que necessitam. A Divina Bondade conjuga as circunstâncias e confia-nos de um modo ou de outro os elementos que devamos movimentar nas obras do bem… Disseste servir em nome do amor…
— Sim, Mestre …
— Recorda, então, que o amor não relaciona calúnias, nem conta sarcasmos.
15 O discípulo, entremostrando súbita renovação mental, não respondeu.
Jesus abraçou-o e disse apenas:
— Pedro, todos os bens da vida podem ser transmitidos de sítio a sítio e de mão em mão… Ninguém pode dar, em essência, esse ou aquele patrimônio do mundo, senão o próprio Criador, que nos empresta os recursos por Ele gerados na Criação… E, se algo podemos dar de nós, o amor é a única dádiva que podemos fazer, sofrendo e renunciando por amar..
16 O apóstolo compreendeu e beijou as mãos que o tocavam de leve.
Em seguida, puseram-se ambos a falar alegremente sobre as tarefas esperadas para o dia seguinte.
Irmão X
(Humberto de Campos)
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Um gesto de caridade,
Na dor de momento incerto,
Recorda a bênção do orvalho
Amenizando o deserto. ( † )
Eugênio Rubião
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O ponto alto do amor
Em tudo se mostra nisso:
Entendimento e bondade
Com tradução em serviço. ( † )
Álvaro Novaes
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Benfeitor — é o que ajuda e passa.
Amigo — é o que ampara em silêncio. ( † )
André Luiz
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[1] Esta mensagem foi publicada originalmente em 1964 pela FEB e é a 13ª lição do
livro “Contos desta e doutra vida.”