1 Martim Gouveia, moço ainda, afeiçoara-se a pilhar residências incautas, subtraindo o que pudesse, sem nunca ter caído nas mãos das autoridades.
Naquela noite namorara atentamente uma casa fechada qual se ninguém residisse ali.
Pé-ante-pé galgou o muro do quintal e forçou a porta dos fundos.
Abriu-a com habilidade, penetrando na moradia.
Passou pela cozinha e ganhou o interior.
2 Procurou um dos quartos onde esperava encontrar valores maiores e empurrou, de leve a porta.
Nisso, contudo, ouviu respiração estertorosa.
Julgando ser alguém que dormia ressonando, avançou mais ainda.
Admirado, vê então um vulto que se esparrama num leito.
O intruso leva a mão ao punhal.
Mas ouve a voz fraca e entrecortada de um homem deitado que o vislumbra no lusco-fusco.
3 O desconhecido alonga os braços e fala sob forte emoção:
— Oh! Graças a Deus! Você escutou os meus gemidos, meu filho? Foram os Espíritos! Você é um enviado dos Mensageiros Divinos!…
Martim, surpreso, abandona a ideia da arma.
Adianta-se para o velhinho que pode agora distinguir sob a luz mortiça do luar através da vidraça.
4 O ancião repete maravilhado:
— Oh! Graças a Deus! Meu filho, preciso muito de você… Sou paralítico e sem ninguém… Não tenho forças para gritar… Há muito tempo não recebo visitas. Você me ouviu!…
5 Depois de pequena pausa continuou:
— Busque um remédio… Sinto muita falta de ar… Leia algo que me conforte… Para não morrer sozinho… Você é um enviado dos Espíritos…
E por que o enfermo lhe estendesse um livro, Martim, condoído, acendeu a luz e dispôs-se a ler, emocionado…
Era um exemplar de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, ensebado de suor e de lágrimas.
6 O hóspede imprevisto leu e leu, até alta madrugada e, desde aquele instante, desistiu de assaltos e furtos, cuidando do velhinho, administrando-lhe remédios, prestando-lhe assistência e lendo com ele os livros espíritas da sua predileção.
Após cinco meses, o doente desencarnou em clima de paz, deixando-lhe a casa e os bens como herança e a alma renovada pelo exemplo de fé nos Espíritos Bons.
Hilário Silva