Apenas dois meses após seu ingresso na Academia da Força Aérea de Pirassununga, São Paulo, na condição de soldado no Quadro de Infantaria de Guarda, o jovem Paulo Eduardo, de 19 anos, sofreu trágico acidente, com o disparo de sua arma, quando estava no serviço do dia.
Tal disparo, ocorrido na manhã de 26 de setembro de 1978, foi fatal, havendo desenlace imediato.
A dor dos seus pais foi imensa — “o maior golpe de nossa vida”, na expressão de seu progenitor, — acentuada com a interpretação de uma autoridade da Academia, na fase inicial das investigações, em face do acontecimento: suicídio.
A suspeita de suicídio nunca convenceu a família, pois, por mais buscasse a causa do possível ato extremado, não se encontravam razões que o justificassem a contento.
Mas, cinco meses após a tragédia, o próprio jovem, em Espírito, veio esclarecer a todos, com expressivos detalhes alinhados em longa carta psicografada em Uberaba, a 03 de março de 1979, afirmando, categórico, no início da mesma: “Não me acovardaria a ponto de eliminar o meu próprio corpo”.
1 Querida mãezinha Mirtes, meu querido pai, peço para que me abençoem.
2 Sou trazido até aqui por meu avô José Teixeira. Estou constrangido pela inadaptação. O ambiente é de amigos; entretanto, não estou sabendo como escrever. Ainda assim, é preciso tentar.
3 Desejo comunicar aos pais queridos que eu seria incapaz de atirar contra mim próprio. Aprendi, desde cedo, o respeito às Leis de Deus e semelhante gesto estaria incompatibilizado com a minha formação.
4 Sempre os vi lutando dignamente para criar-nos com segurança e encaminhar-nos para a vida reta, o exemplo é uma voz que fala em silêncio por dentro do coração.
5 Não me acovardaria a ponto de eliminar o meu próprio corpo. Lutas de rapaz, rixas com namoradas, conflitos íntimos ou desajustes passageiros no trato com os meus companheiros não me fariam pensar nisso. 6 Claro que em matéria de juventude, os namorados sempre cultivam alguma pequena queixa para discussão de encontros e bilhetes. Saí de Santa Rosa em paz com todos. Nossa Ivana sempre soube conversar comigo na altura da jovem correta e compreensiva.
7 Ouvi os apontamentos de muita gente que me acreditou suicida, porque nem sempre fui alegre ou extrovertido. Sempre me empenhei a pensar e a passar longos minutos comigo mesmo, confrontando assuntos e situações.
8 Até o problema de nossa querida amiga Dona Maria veio à tona dos comentários. É verdade que o atropelamento se verificara tempos antes, mas em meu íntimo, ao refletir na ocorrência, concluía, de minha parte, que me cabia viver e viver fazendo todo o bem ao meu alcance para substituir aquela criatura que atravessara os melhores tempos da vida, auxiliando e abençoando a quem dela precisasse. No peito de moço, lastimava, como é justo, haver sido instrumento para a provação que vitimou nossa querida amiga; isso, no entanto, era comigo um compromisso de viver trabalhando mais.
9 Não me queixo dos amigos e conhecidos que me supuseram capaz de destruir o corpo que Deus me concedera, mas tranquilamente respondo que o engano de muitos resultou simplesmente de uma suposição sem conteúdo de realidade.
10 Tomara os meus encargos no plantão com segurança e comecei a limpar as unhas com a ponta da arma; inadvertidamente, embora apoiasse essa mesma arma na mureta existente no local, meus dedos se movimentaram sem que a minha consciência tomasse sentido exato dessa operação, quase que mecânica para mim, e detonei sem querer o projétil que me alcançou a base do tórax, impondo-me a desencarnação instantânea.
11 Creiam os pais queridos que não mais controlei qualquer ação de meu veículo físico e, conquanto, por alguns momentos rápidos, intentasse falar sem poder, um sono pesado me selou a vida intracraniana e ignoro se dormi, ou se desapareci de mim próprio por tempo que ainda não sei precisar.
12 Despertando em organização de socorro, cheguei a pensar que me achasse no Hospital Santo André, em Santa Rosa, talvez conduzido pela família, mas foi o meu avô José Teixeira quem me chamou à realidade, que tive de aceitar a contragosto.
13 Não só meu avô Teixeira, mas também minha avó-bisavó Ana e outros familiares me auxiliaram com carinho e segurança. Um médico que me disse ser amigo do Dr. Guido Maestrello me tratou com bondade e, muito pouco a pouco, ando reconstituindo as minhas próprias forças.
14 Rogo à mãezinha Mirtes continuar com as orações em meu benefício. Rogo a todos os nossos para que não se aflijam. Tudo passa com o bálsamo da proteção de Deus.
15 Se os meus superiores em Pirassununga puderem atender a solicitação dos queridos pais, estudando a posição que descrevo, para suprimirem a sentença de suicídio sobre meu nome, ficarei satisfeito; mas se isso não for possível, rogo para que não se preocupem. Jesus sabe a verdade e a minha consciência está tranquila. E vivam fortes e felizes, é o que peço aos pais queridos, aos quais a Divina Providência me confiou.
16 Recordem o Jorge e os outros corações de filhos abençoados, os meus irmãos que esperam tanto da assistência de casa, e fiquem asserenados em nossa fé em Deus.
17 Espero melhorar-me para trabalhar e servir, nas tarefas do bem aos outros. Meu avô acredita que estou caminhando para a restauração total e tenho a esperança de ser útil a todos.
18 Peço à nossa estimada Ivana para esquecer qualquer inquietação a meu respeito. Desejo vê-la forte e feliz.
19 Querida mãezinha e meu querido pai, desculpem-me pelos contratempos involuntários que lhes dei. Confiemos em Deus.
20 Agradeço ao nosso amigo Dodô pela presença junto de nós. E agradeço a quantos nos auxiliam aqui, esperando haver esclarecido o que houve naquela manhã de setembro passado.
21 Agora peço para que me lembrem sempre, não na morte e sim na vida, porque a morte é apenas uma transferência de habitação, sem ser alteração em nós.
22 Muitas lembranças para os irmãos queridos, ao mesmo tempo que entrego aos queridos pais, aqui presentes, todo o respeitoso amor e todo o coração do filho sempre grato,
Paulo Eduardo
Paulo Eduardo Teixeira da Silva.
Notas e Identificações
1 - Mãezinha Mirtes, querido pai — Seus pais: Mirthes Cassemiro Teixeira da Silva e Waldemar Teixeira da Silva, residentes à Rua Condessa Filomena Matarazzo, 46, na cidade paulista de Santa Rosa de Viterbo.
2 - Avô José Teixeira — Avô paterno, desencarnado em Cajuru, SP, a 20/3/1977.
3 - Ivana — Na época, namorada de Paulo Eduardo.
4 - Amiga Dona Maria — Amiga da família Teixeira da Silva, desencarnada em 14/6/1977, vítima de atropelamento com bicicleta, numa costumeira brincadeira de cercar Paulo Eduardo.
5 - Avó-bisavó Ana — Bisavó paterna, desencarnada há muitos anos.
6 - Médico amigo do Dr. Guido Maestrello — Conforme informações de velhos moradores da cidade seria o Dr. Constâncio Martins Sampaio, desencarnado há muitos anos.
7 - Dr. Guido Maestrello — Desencarnado há mais de 50 anos, foi Prefeito Municipal de Santa Rosa de Viterbo. Uma das praças da cidade tem o seu nome.
8 - “Se os meus superiores em Pirassununga puderem atender a solicitação dos queridos pais, para suprimirem a sentença de suicídio sobre o meu nome, ficarei satisfeito”; — Após o recebimento desta carta mediúnica, o pai de Paulo Eduardo voltou à Academia da Força Aérea, recebendo a grata informação de que, no parecer final da investigação do caso, não foi mantida a hipótese inicial de suicídio. Foi-lhe mostrada, então, a documentação e o Sr. Waldemar anotou o seguinte texto final da mesma: “(…) falecimento do S2 Q IG 78 0413 453 PAULO EDUARDO TEIXEIRA DA SILVA, ocorrido no dia 26 Setembro 78, vítima de acidente com arma de fogo. Pirassununga, 16 de outubro de 1978.” Observa-se que esta conclusão foi lavrada bem antes da carta mediúnica, datada de 03/3/1979, fato que, evidentemente, não havia chegado ao conhecimento do jovem desencarnado, ainda convalescente (Meu avô acredita que estou caminhando para a restauração total) e muito ligado mentalmente aos familiares queridos, atormentados pela suspeita de suicídio, levantada de início.
9 - “Jorge e os outros corações de filhos abençoados, os meus irmãos” — Jorge é o irmão mais velho.
10 - Amigo Dodô — Salvador Barbosa, residente em Santa Rosa de Viterbo, amigo dos pais de Paulo Eduardo, que os acompanhou a Uberaba.
11 - Paulo Eduardo Teixeira da Silva — Nasceu em Santa Rosa de Viterbo, a 11/7/1959. Seu pai informou-nos que ele foi um bom filho, sempre obediente e carinhoso. Praticava vários esportes, tendo participado da preliminar da Corrida de S. Silvestre, no ano de 1977, na Capital paulista, junto com seu irmão Jorge. Quando desencarnou, estava inscrito no curso de sargento especialista em Guaratinguetá, SP.
Hércio Marcos C. Arantes