1.
Na noite imediata, atendendo-nos a solicitação, Clarêncio conduziu-nos
ao domicílio do ferroviário, para observações.
2 Penetramos respeitosamente
o quarto em que Odila nos recebeu, contente e gentil.
Tudo lhe parecia desdobrar-se com segurança.
Júlio dormia.
3 Não mais acordara, informou
a guardiã, feliz. Tinha a impressão de que o reencarnante desaparecia
pouco a pouco, na constituição orgânica de Zulmira, como se a futura
mãezinha fosse um filtro miraculoso a absorvê-lo.
4 A genitora desencarnada
mostrava-se satisfeita e esperançosa. Preferia ver o filhinho confiado
ao sono profundo. As aflições e os gemidos dele lhe haviam dilacerado
o coração.
O renascimento, por esse motivo, representava uma bênção para as inquietantes responsabilidades maternais de que se via detentora.
5 Observamos que Júlio se
caracterizava por enorme diferença.
O corpo sutil do menino denotava espantosa transformação. Adelgaçara-se de maneira surpreendente.
6 Tive a ideia de
que ele e Zulmira, alma com alma, se fundiam um no outro. A moça ganhara
em plenitude física e vivacidade espiritual quanto perdia o menino na
apresentação exterior. Júlio adormecera aliviado, ao passo que a jovem
senhora demonstrava admirável despertamento para a vida. 7
A segunda esposa de Amaro modificara-se de modo sensível. Como as pessoas
felicitadas por novos títulos de confiança no trabalho, revelava-se
mais alegre e mais cônscia das obrigações que lhe competiam.
8 A transfusão fluídica era
ali evidente.
O organismo materno assemelhava-se a um alambique destinado a sutilizar as energias do reencarnante para restituí-las, decerto, a ele mesmo, na formação do novo envoltório.
2. Registando-nos o assombro, o instrutor explicou com a sua habitual gentileza:
2 — A reencarnação,
tanto quanto a desencarnação, é um choque biológico dos mais apreciáveis.
3 Unido à matriz geradora
do santuário materno, em busca de nova forma, o perispírito sofre a
influência de fortes correntes eletromagnéticas, que lhe impõem a redução
automática. 4 Constituído
à base de princípios químicos semelhantes, em suas propriedades, ao
hidrogênio, a se expressarem através de moléculas significativamente
distanciadas umas das outras, quando ligado ao centro genésico feminino
experimenta expressiva contração, à maneira do indumento de carne sob
carga elétrica de elevado poder. 5
Observa-se, então, a redução volumétrica do veículo sutil pela diminuição
dos espaços inter-moleculares. Toda matéria que não serve ao trabalho
fundamental de refundição da forma é devolvida ao Plano etereal, oferecendo-nos
o perispírito esse aspecto de desgaste ou de maior fluidez.
6 — Quer dizer então…
— Aventurou Hilário, em sua curiosidade construtiva.
— Quero dizer que os princípios organogênicos essenciais do perispírito de Júlio já se encontram reduzidos na intimidade do altar materno, e, à maneira de um ímã, vão aglutinando sobre si os recursos de formação do novo vestuário de carne que lhe será o vaso próximo de manifestação.
7 — E a forma a rarefazer-se
sob nossos olhos? — Inquiriu meu colega, espantado.
— Está em ativo processo de dissolução.
8 E, com a bela serenidade
que lhe assinala o espírito, continuou elucidando:
— Também o corpo físico parece dormir na desencarnação, quando, na realidade, começa a restituir as unidades químicas que o compõem à Natureza que lhos emprestou a título precário, apenas com a diferença de que a alma desencarnada, ainda mesmo quando em deploráveis condições de sofrimento e inferioridade, avança para a libertação relativa, ao passo que, em nos reencarnando, sofremos o processo de volta às teias da matéria densa, não obstante orientados por nobres objetivos de evolução.
3. É por isso que, conduzidos à reconstituição orgânica, revivemos, nos primeiros tempos da organização fetal, embora apressadamente, todo o nosso pretérito biológico. Cada ser que retoma o envoltório físico revive, automaticamente, na reconstrução da forma em que se exprimirá na Terra, todo o passado que lhe diz respeito, estacionando na mais alta configuração típica que já conquistou, para o trabalho que lhe compete, de acordo com o degrau evolutivo em que se encontra.
2 A maneira simples pela qual
Clarêncio esflorava problemas tão complexos, induzia-nos a sublimados
pensamentos, quanto à magnitude das Leis Universais.
3 Ali, diante de um caso comum
de reencarnação, auxiliado apenas pelas nossas preces no culto à fraternidade,
obtínhamos vastas elucidações sobre o plano geral da existência.
4. Inspirado talvez na mesma faixa de reflexões que me preocupavam o espírito, Hilário inquiriu:
2 — Os princípios que analisamos
funcionam em igualdade de circunstâncias para os animais?
— Como não? — Replicou o nosso orientador, paciente, — todos nos achamos
na grande marcha de crescimento para a imortalidade. 3
Nas linhas infinitas do instinto, da inteligência, da razão e da sublimação,
permanecemos todos vinculados à lei do renascimento como inalienável
condição de progresso. 4
Atacamos experiências múltiplas e recapitulamo-las, tantas vezes quantas
se fizerem necessárias, na grande jornada para Deus. 5
Crisálidas de inteligência nos setores mais obscuros da Natureza evolvem
para o plano das inteligências fragmentárias, onde se localizam os animais
de ordem superior que, por sua vez, se dirigem para o reino da consciência
humana, tanto quanto os homens, pouco a pouco, se encaminham para as
gloriosas Esferas dos anjos.
6 O instrutor, entretanto,
voltou-se para o leito em que mãe e filho jaziam, intimamente associados,
e sentenciou:
— Preocupemo-nos, porém, com o serviço da hora presente. Estudemos o caso sob nossa observação para que o nosso dever de solidariedade seja bem cumprido.
O apontamento reajustou-nos.
5. Hilário que, tanto quanto eu, se mostrava interessado em aproveitar a lição, fixando o quadro sob nossos olhos, pediu uma explicação tão simples quanto possível acerca da comunhão fisiopsíquica de Zulmira e Júlio naquele instante, ao que Clarêncio respondeu, após refletir alguns momentos:
— Imaginemos um pêssego amadurecido, lançado à cova escura, a fim de renascer. Decomposto em sua estrutura, restituirá aos reservatórios da Natureza todos os elementos da polpa e dos demais envoltórios que lhe revestem os princípios vitais, reduzindo-se no imo do solo ao embrião minúsculo que se transformará, no espaço e no tempo, em novo pessegueiro.
6. O ensinamento não podia ser mais lógico, mais preciso.
2 — Então, por isso,
— acrescentou Hilário, estudioso, — é que as crianças desencarnadas
reclamam período de tempo mais ou menos longo para demonstrarem crescimento
mental, como ocorre na existência comum…
3 — Isso acontece
com a maioria, — informou o Ministro, — de vez que há exceções na regra.
Em muitas circunstâncias, semelhante imposição não existe. 4
Quando a mente já desenvolveu certas qualidades, aprimorando-se em mais
altos degraus de sublimação espiritual, pode arrojar de si mesma os
elementos indispensáveis à composição dos veículos de exteriorização
de que necessite em Planos que lhe sejam inferiores. Nesses casos, o
Espírito já domina plenamente as leis de aglutinação da matéria, no
campo de luta que nos é conhecido e, por esse motivo, governa o fenômeno
da própria reencarnação sem subordinar-se a ele.
7. Fitávamos o semblante calmo de Zulmira, que respirava serena, feliz.
2 — O problema de
Júlio, no entanto, — considerei, — afigura-se-nos bastante doloroso…
— Doloroso mas educativo, quanto o de milhares de criaturas, cada dia, na Terra,
— ponderou Clarêncio, imperturbável. — Nosso companheiro vencido e enfermo,
em razão de compromissos adquiridos na carne, na carne encontrará caminho
ao próprio reajuste.
3 — E a questão da
hereditariedade? — Indagou meu companheiro, reverente. — Júlio, perdendo
o corpo sutil em que chorava atormentado, ressurgirá na existência física
sem a moléstia que o apoquentava, por herdar fatalmente os característicos
biológicos dos pais?
4 O orientador sorriu, de
maneira expressiva, e asseverou:
— A hereditariedade, qual é aceita nos conhecimentos científicos do
mundo, tem os seus limites. 5
Filhos e pais, indubitavelmente, ainda mesmo quando se cataloguem distantes
uns dos outros, sob o ponto de vista moral, guardam sempre afinidade
magnética entre si; desse modo, os progenitores fornecem determinados
recursos ao Espírito reencarnante, mas esses recursos estão condicionados
às necessidades da alma que lhes aproveita a cooperação, porque, no
fundo, somos herdeiros de nós mesmos. 6
Assimilamos as energias de nossos pais terrestres, na medida de nossas
qualidades boas ou más, para o destino enobrecido ou torturado a que
fazemos jus, pelas nossas conquistas ou débitos que voltam à Terra conosco,
emergindo de nossas anteriores experiências.
7 — Somos então levados
a crer que Júlio transportará consigo a enfermidade que sofria em nosso
Plano, à maneira de alguém que, em se mudando de domicílio, não modifica
o quadro orgânico… — Observou Hilário, com sensatez.
8 — Isso mesmo, —
elucidou o Ministro, satisfeito, — o problema é de natureza espiritual.
Durante a gravidez de Zulmira, a mente de Júlio permanecerá associada
à mente materna, influenciando, como é justo, a formação do embrião.
9 Todo o cosmo celular
do novo organismo estará impregnado pelas forças do pensamento enfermiço
de nosso irmão que regressa ao mundo. Assim sendo, Júlio renascerá com
as deficiências de que ainda é portador, embora favorecido pelo material
genético que recolherá dos pais, nos limites da lei de herança, para
a constituição do novo envoltório.
10 Depois de breve pausa, concluiu:
— Como vemos, na mente reside o comando. A consciência traça o destino, o corpo reflete a alma. Toda agregação de matéria obedece a impulsos do Espírito. Nossos pensamentos fabricam as formas de que nos utilizamos na vida.
11 Calou-se o instrutor.
Odila tomou a palavra comentando as suas esperanças para o futuro.
12 Conversamos de novo, animadamente.
E, logo após, uma prece do Ministro encerrava para nós a deliciosa reunião.
André Luiz