1 Conta-se que o Dr. Adolfo Bezerra de Menezes orientava, no Rio, uma reunião de estudos espíritas, com a palavra livre para todos os circunstantes, quando, após comentários diversos, perguntou se mais alguém desejava expressar-se nos temas da noite.
2 Foi então que renomado materialista, seu amigo pessoal, lhe dirigiu veemente provocação:
— Bezerra, continuo ateu e, não somente por meus colegas mas também por mim, venho convidá-lo a debate público, a fim provarmos a inexpugnabilidade do Materialismo contra as pretensões do Espiritismo. 3 E previno a você que o Materialismo já levantou extensa lista de médiuns fraudulentos; de chamados sensitivos que reconheceram os seus próprios enganos e desertaram das fileiras espíritas; dos que largaram em tempo o suposto desenvolvimento das forças psíquicas e fizeram declarações, quanto às mentiras piedosas de que se viram envoltos; dos ilusionistas que operam em nome de poderes imaginários da mente; 4 e, com essa relação, apresentaremos outro rol de nomes que o Materialismo já reuniu, os nomes dos experimentadores que demonstraram a inexistência da comunicação com os mortos; dos sábios que não puderam verificar as factícias ocorrências da mediunidade; dos observadores desencantados de qualquer testemunho da sobrevivência; e dos estudiosos ludibriados por vasta súcia de espertalhões… Esperamos que você e os espíritas aceitem o repto.
5 Bezerra concentrou-se em prece, alguns instantes, e, em seguida, respondeu, aliando energia e brandura:
— Aceitamos o desafio, mas tragam também ao debate aqueles que o Materialismo tenha soerguido moralmente no mundo;
6 os malfeitores que ele tenha regenerado para a dignidade humana;
7 os infelizes aos quais haja devolvido o ânimo de viver;
8 os doentes da alma que tenha arrebatado às fronteiras da loucura;
9 as vítimas de tentações escabrosas que haja restituído à paz do coração;
10 as mulheres infortunadas que terá arrancado ao desequilíbrio;
11 os irmãos desditosos de quem a morte roubou os entes mais caros, a cujo sentimento enregelado na dor terá estendido o calor da esperança;
12 as viúvas e os órfãos, cujas energias terá escorado para não desfalecerem de saudade, ante as cinzas do túmulo;
13 os caluniados aos quais terá ensinado o perdão das afrontas;
14 os que foram prejudicados por atos de selvageria social mascarados de legalidade, a quem haverá proporcionado sustentação para que olvidem os ultrajes recebidos;
15 os acusados injustamente, de cujo espírito rebelado terá subtraído o fel da revolta, substituindo-o pelo bálsamo da tolerância;
16 os companheiros da Humanidade que vieram do berço cegos ou mutilados, enfermos ou paralíticos, aos quais terá tranquilizado com princípios de justiça, para que aceitem pacificamente o quinhão de lágrimas que o mundo lhes reservou;
17 os pais incompreendidos a quem deu força e compreensão para abençoarem os filhos ingratos e os filhos abandonados por aqueles mesmos que lhes deram a existência, aos quais auxiliou para continuarem honrando e amando os pais insensíveis que os atiraram em desprezo e desvalimento;
18 os tristes que haja imunizado contra o suicídio;
19 os que foram perseguidos sem causa aparente, cujo pranto terá enxugado nas longas noites de solidão e vigília, afastando-os da vingança e da criminalidade;
20 os caídos de todas as procedências, a cujo martírio tenha ofertado apoio para que se levantem…
21 Nesse ponto da resposta, o velho lidador fez uma pausa, limpou as lágrimas que lhe deslizavam no rosto e terminou:
— Ah! meu amigo, meu amigo!… Se vocês puderem trazer um só dos desventurados do mundo, a quem o Materialismo terá dado socorro moral para que se liberte do cipoal do sofrimento, nós, os espíritas, aceitaremos o repto.
22 Profundo silêncio caiu na pequena assembleia, e, porque o autor da proposição baixasse a cabeça, Bezerra, em prece comovente, agradeceu a Deus as bênçãos da fé e encerrou a sessão.
Irmão X
(Humberto de Campos)