Preâmbulo
No exato momento em que as forças vivas da família brasileira lembram o aniversário de cinquenta anos de labor mediúnico do nosso querido médium espírita Francisco Cândido Xavier a se verificar em julho próximo, é justo que recordemos nosso encontro com o citado médium, em termos doutrinários e isto no mês próximo passado.
Procuraremos registrar aqui, com a maior fidelidade possível, o conteúdo desse encontro, o diálogo que mantivemos, com vistas ao mais perfeito conhecimento por parte de quantos se interessam pelo assunto, assumindo nós, todavia, a responsabilidade do pensamento traduzido, a fim de evitar aborrecimentos ao nosso querido médium.
Inicialmente, nosso encontro foi uma resposta satisfatória a uma carta que lhe endereçamos em que fazíamos uma apreciação crítica do movimento espírita em geral e do de unificação em particular, confiando-lhe, assim, as nossas preocupações doutrinárias.
Suas palavras ainda ressoam em nossa acústica doutrinária, convidando-nos a uma meditação séria em torno do Espiritismo que revive o Cristianismo primitivo em sua simplicidade e que tem na máxima “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” ( † ) a sua expressão máxima.
— Jarbas, amigo, precisamos conversar desapaixonadamente sobre o nosso movimento. É preciso que nós, os espíritas, compreendamos que não podemos nos distanciar do povo. É preciso fugir da tendência à “elitização” no seio do movimento espírita. É necessário que os dirigentes espíritas, principalmente os ligados aos órgãos unificadores compreendam e sintam que o Espiritismo veio para o povo e com ele dialogar. É indispensável que estudemos a Doutrina Espírita junto com as massas, que amemos a todos os companheiros, mas sobretudo, aos espíritas mais humildes social e intelectualmente falando e deles nos aproximarmos com real espírito de compreensão e fraternidade. Se não nos precavermos, daqui a pouco estaremos em nossas casas espíritas apenas falando e explicando o Evangelho do Cristo, às pessoas laureadas por títulos acadêmicos ou intelectuais e confrades de posição social mais elevada. Mais do que justo evitarmos isso, (repetiu várias vezes) a “elitização” no Espiritismo isto é, a formação do “espírito de cúpula”, com evocação de infalibilidade, em nossas organizações.
— Então, caro Chico, o problema não é de direção ou, melhor diríamos, de administração espírita?
— Não, o problema não é de direção ou administração em si, pois, precisamos administrar até a nós mesmos, mas a maneira como a conduzem, isto é, a falta de maior aproximação com irmãos socialmente menos favorecidos, que equivale à ausência de amor, presente no excesso de rigorismo, de suposta pureza doutrinária, de formalismo por parte daqueles que são responsáveis pelas nossas instituições; é a preocupação excessiva com a parte material das instituições, com a manutenção, por exemplo, de sócios contribuintes ao invés de sócios ou companheiros ligados pelos laços do trabalho, da responsabilidade, da fraternidade legítima; é a preocupação com o patrimônio material ao invés do espiritual e doutrinário; é a preocupação de inverter o processo de maior difusão do Espiritismo fazendo-o partir de cima para baixo, da elite intelectualizada para as massas, exigindo-se dos companheiros em dificuldades materiais ou espirituais uma elevação ou um crescimento, sem apoio dos que foram chamados pela Doutrina Espírita a fim de ampará-los na formação gradativa.
Naquele instante, recordamos que Allan Kardec deixou bem claro na Introdução ao Livro dos Espíritos que o caminho da Nova Revelação seria de baixo para cima, das massas para a elite, porque “quando as ideias espíritas forem aceitas pelas massas, os sábios se renderão à evidência”.
Recordou, ainda, o dever imperioso de todos nós de evitar a deturpação da mensagem dos Espíritos, como aconteceu com o Cristianismo oficializado por Constantino. A Doutrina dos Espíritos veio para restaurar o Cristianismo mas, na sua feição evangélica primitiva, entendendo-se que em Espiritismo Evangélico é respeitar e auxiliar, amparar e elevar sempre, entendendo-se que os melhores e os mais cultos são indicados a se fazerem apoio de seus irmãos em condições difíceis para que se alteiem ao nível dos melhores e mais habilitados ao progresso.
Aí está a essência de nossa conversação.
Nesse sentido, ressaltou muito bem o nosso irmão Salvador Gentile em Anuário Espírita/1977:
“Por mais respeitáveis os títulos acadêmicos que detenhamos, não hesitemos em nos confundir na multidão para aprender a viver, com ela, a grande mensagem.”
Depois deste diálogo, penetramos mais profundamente nas palavras do Dr. Bezerra de Menezes em “Unificação, serviço urgente mas não apressado”:
“É indispensável manter o Espiritismo, qual foi entregue pelos mensageiros divinos a Allan Kardec, sem compromissos políticos, sem profissionalismo religioso, sem personalismos deprimentes, sem pruridos de conquista a poderes terrestres transitórios.
“Respeito a todas as criaturas, apreço a todas as autoridades, devotamento ao bem comum e instrução do povo, em todas as direções, sobre as verdades do espírito, imutáveis, eternas.
“Nada que lembre castas, discriminações, evidências individuais, injustificáveis, privilégios, imunidades, prioridades.
“Amor de Jesus sobre todos, verdade de Kardec para todos.”
Em essência esse pensamento é repetido pelo mesmo Espírito em mensagem que vai publicada noutro local de “O Triângulo Espírita”.
Emmanuel também é incisivo em “Aliança Espírita”:
Educarás ajudando e unirás compreendendo. Jesus não nos chamou para exercer a função de palmatórias na instituição universal do Evangelho, e, sim, foi categórico ao afirmar: “Os meus discípulos serão conhecidos por muitos se amarem”. ( † )
Cumpre-nos, dessa forma, meditar melhor a mensagem dos Espíritos, mas, sobretudo, aplicá-la em nosso movimento espírita, em nossas casas espíritas, e, principalmente, em nosso movimento de Unificação, aplicação esta que vem sendo a tônica de toda a vida de nosso médium Chico Xavier. Aliás, ninguém mais do que ele viveu e vive o verdadeiro sentido da unificação e que é o retrato acima.
[15] Entrevista concedida ao Dr. Jarbas Leone Varanda e publicada no jornal uberabense O Triângulo Espírita, de 20 de março de 1977, sob o título: “Um encontro fraterno e uma Mensagem aos espíritas brasileiros”.