Tarefas mediúnicas
1 — Após 50 anos de trabalho mediúnico, como você vê sua tarefa e do grupo de Espíritos comandados por Emmanuel, para o desenvolvimento do Espiritismo?
R — De mim mesmo, sinceramente, não saberia responder a sua pergunta, porque nunca senti o trabalho dos Amigos Espirituais, por meu intermédio, como algo meu, e sim deles mesmos, os autores desencarnados que produziram as páginas mediúnicas a que nos referimos. Em meu trabalho, reconheço-me na condição da planta que obedece ao pomicultor sem capacidade para avaliar o que produz e que entrega à apreciação ou ao consumo dos outros.
Pureza doutrinária
2 — Você acha que a defesa da pureza doutrinária seja um perigo para a evolução das ideias espíritas, prejudicando novas contribuições para nosso entendimento?
R — Pessoalmente creio que devemos cultivar o patrimônio da Codificação Kardequiana e defendê-lo, assumindo atitudes francamente espíritas-cristãs, mas, a meu ver, deveremos criar caminhos de encontro com os nossos irmãos de outros setores do mundo cristão, sem comprometer-nos em qualquer perda de substância ou de altura, no campo doutrinário de nossos princípios libertadores. Emmanuel sempre nos diz que nos achamos num caminho de trabalho pela confraternização e valorização de cada criatura em si, motivo pelo qual admito que o diálogo entre nós, os cristãos de qualquer procedência é sempre necessário e construtivo.
A vida é mais importante do que a verdade
3 — Certa vez você nos disse, transmitindo ao que nos parece, recado de André Luiz, que “a vida é mais importante do que a verdade”. (Ent) Entretanto Jesus afirmou: “conhecereis a verdade e a verdade vos fará livres”. Como situar o problema da vida nesse contexto?
R — Jesus realmente nos disse: “conhecereis a verdade e a verdade vos fará livres” ( † ) mas não nos disse quando a conheceremos, porque, na realidade, esse conhecimento tão somente será adquirido por nós, vivendo a vida que a Divina Providência nos concedeu. Nesse sentido, creio não seja difícil reconhecer que a vida precede o conhecer, porquanto só a experiência nos propicia o conhecimento real.
Paralisação do trabalho mediúnico
4 — Em torno de seu trabalho mediúnico cresceu vigorosa unidade de pensamento espírita, a ponto de, sem qualquer bajulação, poder ser afirmado que passou a ser um padrão de aferição. Como o Plano espiritual encara uma eventual paralisação, no futuro, desse trabalho que abriu novas perspectivas para nosso movimento?
R — Não posso imaginar-me como peça essencial nesse trabalho a que você se refere. Sou apenas médium e os médiuns estarão sempre em serviço da vida comunitária, em qualquer parte do mundo. A paralisação, a que você se reporta, a meu ver, nunca surgirá, porque a Doutrina Espírita não é uma revelação estanque e sim uma oficina dinâmica de progresso e aperfeiçoamento geral.
Depoimento pessoal: privilégios
5 — Gostaríamos de um depoimento pessoal seu, acerca das dificuldades que enfrentou nesses 50 anos de mediunidade. Isso porque, muitas vezes, julga-se que um médium como você, um líder ou dirigente, é um ser privilegiado, que não suporta dores e aborrecimentos. Suas palavras poderão ajudar a muitos a suportar pequenos problemas em benefício da causa e de si mesmos.
R — Nunca me identifiquei na condição de um ser privilegiado. Perdi minha mãe aos cinco janeiros de idade. Fui entregue a um lar estranho ao que me vira nascer, onde, felizmente, apanhei muitas surras. Comecei a trabalhar aos dez anos de idade, numa fábrica de tecidos, onde estive quatro anos. Adoecendo dos pulmões por excesso de pó, ao respirar com meu corpo ainda frágil, passei imediatamente a servir na condição de caixeiro, num pequeno armazém, onde dividia o trabalho entre as vendas e os cuidados com a horta dos proprietários, num esquema de horários que ia das sete da manhã às nove da noite. Em 1931, entrei para o Ministério da Agricultura ao qual servi por trinta e dois anos consecutivos. Adoeci dos olhos, igualmente em 1931 e perdi totalmente a visão do olho esquerdo, há quarenta e seis anos. Já passei por cinco operações cirúrgicas de grande risco; sempre lutei com doenças e conflitos em meu corpo e em minha mente e, por fim, sou agora portador de um perigoso processo de angina, com crises periódicas que me levam a moderar todos os meus hábitos. Com tantos problemas que vão me ajudando a viver e a compreender a vida, não sei que privilégio a mediunidade teria trazido, em meu favor. Digo assim porque se completo agora 50 anos sucessivos de tarefas mediúnicas ativas, também completei quarenta anos de trabalho profissional intenso, em 1961, de cuja aposentadoria trouxe a consciência de não haver faltado com as minhas obrigações. E pode crer você que falando a nosso Emmanuel sobre isso, ele me disse não ver qualquer vantagem a meu favor, porque apenas tenho procurado cumprir o meu dever e reconheço, de minha parte, que os meus deveres são imperfeitamente cumpridos.
Técnica de comunicação dos Espíritos
6 — Emmanuel e André Luiz, mais especificamente, têm desenvolvido uma técnica de comunicação escrita, que nós outros, empenhados na divulgação doutrinária, julgamos altamente inovadora. Representa uma antecipação do futuro da comunicação humana. Poderia pedir a André Luiz que sintetizasse sua concepção da forma mais efetiva para transmitir uma ideia?
R — Se André Luiz nos responder, escreverei os apontamentos que ele nos possa dar. De mim mesmo, nada posso dizer sobre a sua indagação estruturada com palavras tão belas e tão expressivas. Se os nossos amigos Emmanuel e André Luiz nos trouxeram uma técnica de divulgação da nossa Doutrina assim tão nobremente inovadora, de minha parte fico muito satisfeito e reconheço que o mérito disso pertence a eles. Isso digo porque, em mim e para mim a inovação que devo fazer em minha própria alma tem sido duramente difícil e sou sempre um Chico Xavier lutando para criar um Chico Xavier renovado em Jesus e que, pelo que vejo, está muito longe ainda de aparecer como espero e preciso.
[11] Entrevista concedida ao jornal Espiritismo e Unificação, de Santos/SP, com respostas do médium por escrito, e divulgada na sua edição de junho de 1977, com o título: “Sou sempre um Chico Xavier lutando para criar um Chico Xavier renovado em Jesus”.