59 — Ingresso no Espiritismo
P — Nosso caríssimo Chico Xavier diz no prefácio do livro “Parnaso de Além-Túmulo” que você e sua família eram católicos até 1927. Se voltaram para a doutrina espírita com a cura de uma das suas irmãs que sofrera um processo obsessivo; podemos saber qual delas e que notícias nos dá a seu respeito?
R — Trata-se de nossa irmã Maria da Conceição Xavier que é hoje mãe de numerosa família e reside na cidade mineira de Sabará, nas vizinhanças de Belo Horizonte.
P — De família católica e praticante, na ocasião do catolicismo você viu os Espíritos também na igreja?
R — Sim. Sempre que frequentava os ofícios religiosos chegava a identificar a presença de entidades espirituais e dava disso conhecimento aos sacerdotes amigos que me ouviam na confissão, que naquele tempo era largamente praticada e que nós todos observávamos com muita fidelidade à fé cristã. Isso para eles não era novidade porquanto muitas vezes me perquiriam a palavra e o raciocínio, indagando se eu dizia a verdade ou se estava sendo vítima de alucinação, o que hoje considero muito natural.
P — Quando foi que Emmanuel se apresentou em sua vida mediúnica? Ele disse que se encarnaria neste final de milênio?
R — Ele nos visitou de maneira franca e visível em dezembro de 1931.
Desde lá até agora, precisamente há 40 anos, ele tem sido o instrutor e o mentor de nossas tarefas espirituais; ele afirma que, indiscutivelmente voltará à reencarnação mas não diz exatamente o momento preciso em que isso se verificará.
Entretanto, pelas palavras dele, admitimos que ele estará regressando ao nosso meio de Espíritos encarnados, no fim do presente século, provavelmente, na última década. [Obs. Vide nota sobre a reencarnação de Emmanuel]
P — Acha que Emmanuel tem sido para você o amparo que o professor representa em si para o aluno?
R — Sem dúvida. Certa feita um amigo convidou a minha atenção para a biografia de Helen Keller, a nossa grande cidadã mundial, atualmente desencarnada, que era muda, surda e cega e, segundo a biografia dela própria, era ela uma criatura que, por falta de comunicação com o próximo, se tornara talvez muito agressiva.
Desde, porém, a ocasião em que tomou os serviços da professora que a educou, tornou-se uma pessoa diferente.
Considero que até 1931 a minha capacidade de comunicação com o próximo seria muito difícil, mas durante quarenta anos o espírito de Emmanuel tem tido muita caridade e misericórdia para comigo, e transformando-me de algum modo; ainda não me converti, do animal desconhecido que sempre fui numa criatura mais ou menos humana, mas confesso que o nosso grande benfeitor vem conseguindo melhorar o meu padrão espiritual. Por isso mesmo, devo declarar, de público, que devo a Deus e a ele, o esforço que vou fazendo, através do tempo, a fim de humanizar-me.
P — Quanto ao estudo, que dizem os nossos Benfeitores Espirituais?
R — Os amigos espirituais nos informam que o estudo deve ser para nós uma obrigação, em qualquer idade ou circunstância da vida.
Muitas vezes, quando na infância ou na juventude, somos constrangidos a estudar e sentimos muita dificuldade em observar as disciplinas estabelecidas, seja por nossos pais ou professores, tutores ou amigos.
Às vezes, fugimos de aula, desertamos do dever estudantil, mas com o tempo, se observarmos a vida dentro da realidade que lhe é própria, quando entramos na condição de adultos, somos induzidos a estudar voluntariamente porque sabemos que o estudo é luz no coração e no espírito.
Na ignorância não conseguiríamos, como não conseguiremos, enxergar o caminho real que Deus traçou a cada um de nós na Terra.
Todos nós, sejamos crianças ou jovens, adultos ou já muitíssimo maduros, devemos estudar sempre.
P — Desejará você contar-nos alguma coisa de sua experiência, ao contato de Emmanuel, a respeito da atitude que devemos assumir perante as nossas próprias doenças?
R — Ele, tanto quanto outros amigos espirituais, nos ensinam que devemos receber as provações orgânicas com muita serenidade. Aliás, nesse sentido dentro da própria Igreja Católica, que todos consideramos como sendo a autoridade maternal em nossa civilização, dispomos do exemplo dos santos que nos auxiliam a considerar a moléstia como agente de purificação da alma.
Se aceitamos compulsoriamente a enfermidade como sendo uma prova que não merecemos; se nos desesperamos; se nos entregamos à impaciência, criamos uma espécie de taxa de aflição improdutiva sobre a inquietação que a doença nos traga.
A moléstia, sem paciência de nossa parte, se torna muito mais grave e, às vezes, muito mais intolerável, de vez que passamos a complicar e a obscurecer o ambiente assistencial em que nos encontremos, junto da família ou fora dela.
Com isso criamos, também, muita dificuldade para os médicos, convidados a auxiliar-nos, porquanto em qualquer quadro de desesperação, estabelecemos tempestades magnéticas no campo pessoal da nossa própria apresentação agindo em prejuízo de nós mesmos. Quando vier a dor de cabeça, seja ela acompanhada de outra qualquer dor, considerando-se a dor de cabeça por dissabores quaisquer, peçamos a Deus coragem para suportá-la e, para isso, temos a oração que nos ajuda a restabelecer o próprio equilíbrio.
P — Qual a sua missão pessoal?
R — Devo dizer ao nosso caro entrevistador Silveira Lima que eu não posso atribuir a mim determinada tarefa, pois reconheço a minha insignificância e, a bem dizer, o meu nada.
Costumo dizer que devo ter o apelido de Chico, em meu nome individual para lembrar-me de que a minha posição é realmente a posição de criatura que de si própria nada vale, ou pouco vale.
Compreendo a tarefa dos Espíritos, por meu intermédio, assim como se eu fosse um arbusto de qualidade muito inferior e o jardineiro ou floricultor interferisse trazendo, por exemplo, sobre mim num fenômeno de enxertia, uma árvore de natureza superior para que essa árvore produza frutos dos quais essa mesma árvore nobre seja mensageira.
Eu estou então, como o arbusto que não sabe, de si mesmo, o que vem a ser em si e por si.
Os livros que foram produzidos por nosso intermédio serão naturalmente frutos dessa árvore colocada sobre a minha vida sem que eu a merecesse.
Assim não compreendo como é que os bons Espíritos me suportam, tanto quanto, fico perguntando, como é que tanta gente boa, incluindo o nosso caro Silveira Lima, me possam tolerar com tanta bondade.
P — Chico Xavier qual é a sua idade?
R — 61 anos.
P — A velhice o preocupa?
R — Não, absolutamente. Cada idade tem a sua beleza.
P — Ama a vida?
R — Imensamente. Acho que a vida é um dom de Deus e se nós descobrirmos, se procuramos descobrir a vontade de Deus, vamos ver que a Bondade de Deus está em toda a parte e não temos motivo nenhum, em tempo algum, de acalentar qualquer desânimo no coração porque Deus como que nos manda, a cada manhã, o sorriso maravilhoso do sol como a dizer que espera por nós, que nos tolera, que nos ama, que nos descerrará novos caminhos, que a vida é boa e bela, que devemos agradecer, cada dia mais, o dom de viver e o dom de amar aqueles e aquilo que nós amamos, sejam nossos pais, esposa, esposo, filhos, amigos, parentes, companheiros, tarefas e ideais.
A vida está repleta da beleza de Deus e por isso não nos será lícito entregar o coração ao desespero, porque a vida vem de Deus, tal qual o sol maravilhoso nos ilumina.
P — Como encara a morte?
R — Naturalmente que somos humanos e a despedida de um ente amado, mormente quando esse ente amado vai adquirir nova forma, de um modo geral se tornando invisível ao nosso olhar comum, a nossa dor é imensa.
Quando vemos partir, por exemplo, um filho para uma terra distante, quando sofremos a prova da separação de ente querido, mesmo na Terra, sofremos compreensivelmente, de vez que o amor vem de Deus e quando amamos, queremos perto de nós a criatura querida.
Ainda sabendo que a morte vem de Deus, quando nós não a provocamos, não podemos, por enquanto, na Terra receber a morte com alegria porque ninguém recebe um adeus com felicidade, mas podemos receber a separação com fé em Deus, entendendo que um dia nos reencontramos todos numa vida maior e essa esperança deve aquecer-nos o coração.
Cabe-nos superar o sofrimento da morte fazendo por aquele, ou aquela, que partem, aquilo que eles estimariam continuar fazendo, nunca entregar-nos ao choro improdutivo, ao luto que nada produz, mas, sim, prosseguir na tarefa daqueles nossos entes amados que partiram, unindo a eles o nosso pensamento e carinho através do espírito de serviço, reconhecendo que eles continuam vivendo e, naturalmente, nos agradecerão a conformidade e o concurso amigo que lhes possamos oferecer para que a vida deles na Terra seja devidamente complementada.
P — Chico Xavier, teria coragem de mudar-se de Uberaba?
R — Para dizer a verdade, abrindo o coração, não teria a coragem de fazer isso.
Quero muito bem a terra que me deu berço, a terra que me corporificou na atual reencarnação. Quero muito bem a Pedro Leopoldo, mas integrei-me de tal forma com o espírito da cidade de Uberaba, com a generosidade do povo uberabense, com a bondade e a ternura humana de nossa gente de Uberaba, que muitas vezes, quando familiares meus insistem no meu regresso ou quando amigos nossos me convidam para a residência noutras terras, não me sinto bem ao pensar que eu poderia aceitar semelhante transformação. Em razão disso, peço licença para dizer aqui aos presentes: vocês são tão bons, vocês são tão generosos em Uberaba onde integramos todos numa só família de Cristo, sejamos católicos, agnósticos evangélicos ou espíritas que imaginar o meu afastamento de vocês é quase impossível.
Só se Deus me impusesse uma provação muito grande… Mas, a realidade é que, de nenhum modo, desejo sair daqui.
P — Meu caro Chico Xavier, como está seu estado de saúde?
R — Felizmente muito bem.
P — Descreva como passa o dia.
R — Naturalmente às 7 horas da manhã devo estar de pé para trabalhar, senão a minha vida fica muito para trás, quanto ao cumprimento dos meus deveres.
P — Uma pessoa como você, tão respeitada, tão querida, tão expressiva, tão humana, acredita ter inimigos?
R — Não. Eu creio que existem pessoas que depois de me conhecerem as deficiências, fraquezas, dificuldades e problemas, fazem um retrato diferente a meu respeito.
Isso é muito justo porque de fato eu não mereço a consideração que os amigos me atribuem e compreendo os que passam a diminuir o apreço que me dedicavam, mas isso não diminui o meu amor por todos eles e sei também que, mais tarde, nos harmonizaremos em tudo.
Há pessoas que nos fazem o retrato com pinceladas de ouro e luz, entretanto, quando veem que não demonstramos as qualidades que imaginam em nós modificam-se um tanto, mas isso é temporário.
Da minha parte, não tenho inimigos.
P — Alguma passagem da senhora sua mãe?
R — Minha mãe, de que me recordo haver perdido a presença física desde os cinco anos de idade, cultivava a oração com assiduidade e nos educou no espírito da prece. Era muito católica e reunia-nos todas as noites, para criarmos o hábito da confiança em Deus.
Quando nossa mãe partiu para a vida espiritual, nos entregou a determinados amigos; éramos nove crianças.
Perguntei nessa ocasião, à ela se estava mesmo dispondo de mim, se estava me entregando a alguém porque não nos amasse… Não compreendia que ela estava morrendo.
Minha mãe respondeu que não, que nos queria muito mas, que estava para sair de casa a fim de fazer um tratamento; naturalmente, que não me falou a verdade, compadecida que se achava de mim, evitando que eu tivesse um contato muito violenta com a morte.
Ela me disse que ia sair de casa e que voltaria para nos retomar em seu cuidado; e que eu ficasse com essa pessoa nossa amiga — uma senhora de muita intimidade dela — e acrescentou que voltaria.
Se ela dissesse que não voltaria mais eu não acreditava; para mim minha mãe tinha sempre a última palavra, era sempre a pessoa da verdade.
No outro dia, morreu. E, no meu espírito de criança, acreditei que ela ia fazer um tratamento e que deveria ficar com essa senhora a que me referi.
Era ela uma dama de grande bondade, mas um pouco nervosa, às vezes difícil. Todos os dias tinha uma crise e, nessas crises devia eu receber uma surra, e, às vezes três; mas eu creio que tudo isso foi bom para mim.
Começava a ficar desesperado, quando ela começou a sair de casa para passear… Então, a sós, eu corria para debaixo da bananeira para rezar, como minha mãe nos havia ensinado; eu dizia: meu Deus, ela é doente assim porque ela não reza…
Certa feita, eram mais ou menos 6 horas da tarde, quando eu ouvi aquele barulho no meio das folhas; e vi a minha mãe ali comigo.
Não havia dúvida nenhuma, porque eu não tinha ainda esse impacto da filosofia humana quanto a crerem ou não na vida imortal; eu acreditava em Deus e minha mãe disse que iria voltar. Revê-la para mim era a coisa mais natural.
Não contive a exclamação: Minha mãe, a senhora voltou, mas que alegria tão boa! Então a senhora vai me levar para casa?
Ela disse assim: “Ainda não posso… saí do hospital para vir ver você, não posso levá-lo agora, mas você tenha calma.”
Mas a senhora não sabe o que está acontecendo comigo?
“Sim, eu sei, eu sei que você está tomando muitas surras, mas você deve ter paciência porque isso é para seu bem, isso é para o seu benefício; você deve apanhar com muita calma.”
Quando essa senhora com quem passei a residir voltou do passeio eu disse, todo eufórico, depois do primeiro contato espiritual com minha mãe que ela havia voltado… Minha tutora admitiu que eu havia enlouquecido; sofri pancadas mais ainda; de modo que eu comecei a mentir. Mentia porque a verdade chocava a todos que me ouviam.
Então, tinha que viver assim na incompreensão familiar até que os padres me socorressem; muitos me socorreram, sou obrigado a confessar isso publicamente.
Um dos nossos amigos sacerdotes me disse: você procure um meio de ajustar-se com a vida porque você não é louco, o que está acontecendo com você é alguma coisa que não podemos de pronto entender.
Aconteceu, desde aí, muita coisa e se eu for falar, tomarei o tempo de nosso pessoal.
P — Pode citar algum fato que tenha causado a você lembrança inesquecível, nas reuniões espirituais que assistiu, antigamente, aqui em Uberaba?
R — Antigamente, antes de vir residir em Uberaba, assistia a uma reunião de materialização com o médium Garibaldi Cavalcanti, em companhia do Dr. Inácio Ferreira e de Dona Maria Modesto Cravo. Foi uma reunião muito expressiva e que me deixou uma impressão inolvidável, porque os Espíritos se materializavam no salão do Centro Espírita Uberabense e conversavam conosco, como pessoas humanas. Aquilo me confortou muito; naturalmente que sempre via e ouvia a sós, mas para os outros eu parecia sempre uma pessoa que prega mentiras e, naquela hora, todos viam — todos verificavam as realidades da sobrevivência.
P — Chico, agora uma mensagem aos jovens de Uberaba, do Triângulo Mineiro e do Brasil Central.
R — Eu creio que, para falar aos jovens, eu teria que estar naquela quadra da juventude, de modo que eu já estou mais ou menos fora de forma para falar aos jovens. Mas desejamos aos jovens muita felicidade, muito sucesso na vida.
Quando lemos revistas modernas, jornais da época e encontramos referências à mocidade transviada, isso nos espanta, porque, não temos semelhante problema. Temos aqui tantas meninas e tantos rapazes estudando, trabalhando e auxiliando na vida social, no mundo familiar, criando valores novos na arte, na cultura, no trabalho, em tudo aquilo que é utilidade à vida humana.
Esses jovens todos, nos dão tantos exemplos de bondade, de honestidade, de trabalho que, se posso enviar uma palavra aos jovens de Uberaba será essa apenas a que resuma as nossas felicitações a todos eles — essa mocidade laboriosa que nós acompanhamos todos os dias, em todas as praças e ruas de nossa cidade engrandecendo-as.
Quanto à outra juventude, vamos dizer, a outros grupos jovens do Brasil e do Mundo desejamos que nós possamos entrar em harmonia uns com os outros. Devemos saber que os jovens estão procurando um caminho de realização, tanto quanto nós outros, os adultos, precisamos de um caminho para harmonização com nossas próprias experiências, porquanto estamos todos na Terra, pela vontade de Deus para nos amarmos mutuamente, para nos querermos cada vez mais, mas nunca para usarmos de violência de uns com os outros.
Francisco Cândido Xavier
Emmanuel
[6] Entrevista realizada por Silveira Lima, na Rádio Sociedade do Triângulo Mineiro de Uberaba, Minas, na tarde de 5 de julho de 1971, por ocasião da entrega da “Palma de Ouro” ao médium Chico Xavier.