1 Amélia Kauper, anciã, estava em sua tapera, nos arredores de Chesapeake Bay, no interior de Maryland, quando Craig Peter, um de seus muitos sobrinhos, foi observar-lhe a situação.
2 — Seu tio James, — dizia ela ao parente, referindo-se ao marido desencarnado, — desde que se fez médium, num templo espírita, deu aos necessitados tudo quanto pôde. Não deixou dívidas, mas, depois do funeral, vim a saber que a nossa própria casa se achava hipotecada e fui constrangida, por isso, a entregar todos os nossos recursos aos credores…
3 — A senhora está arruinada, tia? — Perguntou o moço.
— Estou com a roupa do corpo… — Esclareceu a velhinha.
4 E designando antigo móvel:
— Mas, graças a Deus, tenho o meu tesouro no cofre.
5 O rapaz que conhecera os tios nos bons tempos, quando possuíam eles preciosas reservas petrolíferas no Texas, pensou um minuto e deliberou, de súbito, que a tia o acompanhasse.
6 No dia imediato, a viúva Kauper, depois de entregar enorme mala ao sobrinho, entrou no jipe, carregando pequeno baú, carinhosamente.
7 Então, começou para ela uma vida nova.
8 Craig, que detinha sítio próspero na Virgínia, chamou Edward, seu irmão mais velho, cujas terras se confinavam com as dele, trocaram ideias confidencialmente e concluíram que a estreita caixa de lata de que a tia jamais se distanciava deveria conter joias riquíssimas… E combinaram entre si guardar a anciã, cuidadosamente.
9 Vieram familiares de longe, disputando a convivência da senhora Kauper, mas Craig e Edward alegavam que “tia Amélia” estava fatigada, que os médicos não lhe permitiam maior esforço…
10 Habitualmente à noite, um ou o outro espiavam a velhinha, pelo buraco da fechadura, e viam-na, segurando a vela acesa, a debruçar-se sobre o baú aberto, decerto fitando, através dos óculos, aquilo a que ela chamava “minha riqueza” ou “meu tesouro”.
11 Assim viveu, ainda por mais nove anos, requestada por toda a família e tratada com respeitosa atenção por ambos os sobrinhos que a mantinham, interessados…
12 Quando a morte quebrou semelhante situação, conduzindo a viúva Kauper na direção de vida melhor, Craig e Edward trancaram-se no quarto que ela deixara, apossando-se do cobiçado baú; no entanto, ao abri-lo apenas encontraram dentro dele um antigo exemplar do Evangelho e, sobre o ensebado volume, o seguinte bilhete que lhes era dirigido pela tia desencarnada:
— Meus filhos, Deus os recompense pela caridade para comigo, mas tomem cuidado com a vida na Terra…
13 E com a sua longa experiência do mundo, a velhinha terminava com o versículo número dez do capítulo seis da Primeira Epístola do Apóstolo Paulo a Timóteo:
“…Porque a paixão pelo dinheiro é a raiz de todos os males e, nessa cobiça, alguns se desviaram da fé e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.”
Hilário Silva
(Nova Iorque, N.I., EUA, 10, julho, 1965.)