1 No primeiro domingo de maio, o grupo mostrava-se a postos, na hora prevista.
2 Achavam-se presentes não apenas Dona Romualda e Milota, que voltavam aos estudos, mas também Dona Matilde, uma senhora simpática que as seguia.
3 Explicara Dona Romualda que ela e a filha, extremamente beneficiadas na semana anterior, não hesitavam em trazer Dona Matilde às orações, para que se reconfortasse, porquanto a estimada senhora, além de haver perdido o único filhinho, vitimado por insidiosa moléstia, lutava imensamente no lar, com a presença de sofredora irmã obsidiada.
Prece inicial
2 Ante a quietude do recinto, Veloso orou com o habitual sentimento:
2 — Cristo, Senhor Nosso, agora que começamos a ver, em espírito, guia-nos no caminho da verdade para que a sombra da ilusão não mais nos envolva.
3 Inclina-nos para o bem de que necessitamos, e faze-nos conhecer os teus desígnios, a fim de que abracemos na vida o que seja melhor para nós. Assim seja.
Leitura
3 Concluída a prece, Veloso passou o Novo Testamento às mãos de Milota, que, após abri-lo, fez a reentrega do livro em que o orientador, depois de atento exame, leu o versículo 15, do capítulo 4, da Carta do Apóstolo Paulo aos Efésios:
“Antes, seguindo a verdade em caridade, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo.” ( † )
2 Indicando Marta para a continuidade da tarefa, passou a ler em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, entre as “Instruções dos Espíritos”, no capítulo IX, a mensagem sob o título “A Paciência”, assinada por “Um Espírito Amigo”.
Comentário
4 O diretor da reunião passou a elucidar:
2 — Analisemos a mensagem que estamos recebendo em nossas preces de hoje.
O Apóstolo Paulo recomenda-nos “seguir a verdade em caridade”, para que venhamos a crescer no entendimento de Jesus, e “O Evangelho segundo o Espiritismo”, na advertência da Esfera Superior, assevera-nos que “a paciência também é uma caridade”, e que nos cabe praticá-la, em obediência aos ensinos do Mestre.
3 Quero crer que, na essência, estamos sendo prevenidos contra qualquer manifestação de crítica em nosso caminho.
4 Que os outros possuem defeitos, tanto quanto os temos, é inegável. Mas, perdermos tempo na fixação deles, esquecendo que a vida evolui com a bênção de Deus, é futilidade e perturbação.
5 Maledicência não resolve problema algum. Além disso, é sempre um corredor para a vala das trevas.
6 Destacando os males alheios, olvidamos aqueles que são nossos.
7 E, censurando, adotamos invariavelmente, perante a pessoa reprovada, a posição desagradável do aguilhão que lhe agita, no corpo, a parte ulcerada, sem dar-lhe remédio.
8 A crítica é semelhante à soda cáustica sobre a ferida ou ao petróleo no incêndio.
9 Só a loucura utilizaria uma e outro, à guisa de bálsamo para sanar uma chaga ou à feição da água para extinguir o fogo.
10 A palavra maliciosa não ajuda nem mesmo aos nossos irmãos caídos no crime, visto que a acusação apenas lhes agrava o desprezo para consigo próprios e a revolta para com os outros.
11 Quem faz a crítica de alguém, adotando semelhante procedimento, decerto indica a si mesmo para fazer algo melhor que o criticado.
12 Ora, como fazer é mais importante que falar, faça o melhor quem se disponha à reprovação.
13 Sabemos que as ideias são corporificadas em obras, por nós mesmos.
14 Se temos, portanto, que condenar esse ou aquele companheiro de trabalho ou de luta, ao invés de amargurá-lo ou complicá-lo, usando irritação e azedume, ajudemo-lo com o nosso próprio exemplo.
15 Se uma criatura de nossas relações parece preguiçosa, não precisamos atrair-lhe a antipatia, ironizando-lhe a conduta.
16 Trabalhemos nós mesmos, de maneira a acordá-la silenciosamente para o serviço.
17 Surgindo viciado esse ou aquele amigo, não é justo que lhe busquemos a aversão com palavras cruéis, mas sim que lhe doemos, na demonstração de nossos exemplos, uma ideia nova da vida, para que se restaure.
18 E não nos esqueçamos de que, às vezes, tudo resulta de mera suposição, porquanto, em muitos sucessos, o que se nos afigura preguiça ou viciação pode ser doença ainda oculta.
19 Nós, os cristãos, não vemos Jesus exercendo a função de crítico em hora alguma. Aliás, empenhou-se em mostrar as qualidades nobres de todas as criaturas que lhe desfrutaram a convivência, aproveitando-as, sem se deter no que haviam sido, para ajudá-las a se encontrarem, como deviam ser. E, por fim, achou mais justo concretizar os seus princípios de perfeição na renúncia suprema, que clamar, ante o povo, contra os juízes de sua causa.
20 É indispensável satisfazer à sábia fórmula do Evangelho, buscando “seguir a verdade em caridade”, porque a verdade, sem amor para com o próximo, é como luz que cega ou braseiro que requeima.
21 Xingamentos, maldições, pragas, desesperos e exigências não auxiliam. Servem apenas à intolerância e à separação que, em muitos casos, precedem a enfermidade e o crime.
22 Cultivemos o bom exemplo. Nele deixou-nos o Cristo a única solução para os problemas de soerguimento e conduta.
23 Quanto mais unidos a Jesus, mais ampla se nos fará a integração espontânea na caridade, em cujo clima toda censura desaparece.
Conversação
5 Veloso fez o sinal característico de quem havia terminado e já se inclinavam todos à conversação, quando um pássaro irrompeu no aposento, entrando pela janela escancarada.
2 Houve surpresa.
Lina deslocou-se, à pressa, com o evidente intuito de aprisioná-lo.
3 O pai adiantou-se, porém, e explicou:
— Ajudemos a pobre ave. Deve sentir-se desorientada na volta ao ninho.
Dito isso, abriu uma outra janela, que se encontrava cerrada.
Volteando no aposento, revelava-se o passarinho assustadiço e cansado.
Após o auxílio de Veloso, que o seguia de pé, ganhou o espaço livre e desapareceu.
Os presentes sorriram, aliviados, e o entendimento da noite começou:
4 VELOSO (Dirigindo-se a Lina) — Observou, minha filha? A ave repentinamente encarcerada suspirava pela liberdade. Não seria caridoso detê-la.
CLÁUDIO — É como se um de nós estivesse perdido, a distância de nossa casa, não é, papai? Naturalmente que o senhor e mãezinha ficariam ansiosos à nossa espera…
VELOSO — Isso mesmo, meu filho.
5 LINA (Como querendo modificar o ambiente em que se via reprovada) — Papai, hoje tenho um assunto em que preciso muito de seus conselhos.
VELOSO — Diga, filha. Estamos aqui para ouvir-nos uns aos outros.
6 LINA — Tia Júlia e Sílvia zombam de nós, quando o senhor está ausente. Dizem que Espiritismo é ilusão e que nós não devemos crer na comunicação dos que “morreram”…
D. ZILDA — Vocês estão rixando em matéria de religião?
LINA — Nós não, mãezinha. Elas é que se riem de nós.
7 VELOSO — Filha, ainda hoje, o nosso tema foi a caridade para com todos. Júlia e Sílvia não estão podendo compreender-nos. Isso, no entanto, indica que nos cabe compreendê-las ainda mais. A Doutrina Espírita confirma o Evangelho de Nosso Senhor. E ninguém poderá negar, em sã consciência, que Jesus voltou do túmulo pela ressurreição, a conversar com os discípulos e a orientá-los. Mas discutir, quase sempre, é instalar a irritação na própria alma. Nós, os espíritas, segundo creio, devemos responder aos que nos critiquem, mesmo aos mais amados, com os nossos próprios exemplos. Calemo-nos, fazendo o melhor ao nosso alcance, em favor dos que nos cercam. Nossa Doutrina necessita ser lida e conhecida, antes de tudo, em nossos atos.
8 CLÁUDIO — Quem sabe tia Júlia e Sílvia virão a receber algum conselho de vovó Rosália? Ela estará conosco, no domingo próximo, que será Dia das Mães, e, como é velha, poderá falar sem que elas se riam…
VELOSO — Filho, não diga que vovó é velha. A palavra “velho”, em nos referindo às pessoas, é vocábulo descaridoso. Há criaturas que, mostrando longa experiência no corpo, revelam consigo maior mocidade que a dos jovens; porquanto, a mocidade, acima de tudo, é um estado da alma. Quando afirmamos que alguém está velho, insinuamos que está gasto e imprestável e essa não é definição que se faça para quem quer que seja…
9 D. ZILDA — A observação é muito oportuna. Aliás, não se pode olvidar que os meninos e moços de hoje serão as pessoas amadurecidas de amanhã.
VELOSO — Sim, o tempo é instrutor da vida para todos. Mas, voltemo-nos para nossas visitas. Dona Romualda trouxe-nos Dona Matilde. Procuremos ouvi-las.
10 D. ROMUALDA — Nossa Matilde tem uma irmã bastante obsidiada.
D. MATILDE — É minha irmã Iracema. Há dois meses grita sem cessar, atacada por Espíritos turbulentos e viciosos… Soube que os prezados amigos mantêm aqui esta reunião espírita e decidi-me a rogar-lhes cooperação…
VELOSO — Sim, podemos incluir nossa irmã enferma em nossas preces.
11 D. ROMUALDA — Mas, não podemos fazer aqui alguma doutrinação direta, atraindo os obsessores? Matilde é médium e serviria na posição de instrumento…
VELOSO — Decerto, há que considerar algum engano… O culto do Evangelho no lar não inclui o tratamento dos desencarnados infelizes. Essa tarefa permanece mais sob a responsabilidade dos nossos templos.
12 D. ROMUALDA — Então não se justifica o socorro aos Espíritos infelizes, acaso existentes em nosso ambiente doméstico…
VELOSO — De modo algum. Indiscutivelmente, se o problema surge no ambiente familiar, é claro o impositivo de fazer-se o possível no amparo aos sofredores dessa espécie; contudo, a própria vida nos ensina que a delinquência pode ser interpretada por enfermidade da alma, e, assim, os delinquentes devem ser internados em lugar adequado ao tratamento preciso. Insistir pela manifestação dos Espíritos conturbados, no culto evangélico mais íntimo, seria o mesmo que buscar pessoas desorientadas na praça pública a fim de tumultuar-nos serviço tão grave.
13 D. MATILDE — Sua opinião é respeitável… Mas, sou médium escrevente e ficaria confortada se pudesse aproveitar a oportunidade, pelo menos para receber, se possível, a palavra de Jorge, meu irmão há tempos desencarnado, que me vem amparando, de mais perto. Trata-se de um mentor esclarecido…
14 VELOSO — Nesse caso, a argumentação é diferente. O amigo espiritual que nos ajude é sempre visita estimável. A educação não pode cerrar as portas a quantos lhe possam acender novas luzes. Ao término de nossa reunião, esperaremos a palavra do benfeitor a que se reporta.
D. ROMUALDA — As explicações são muito lógicas.
15 D. ZILDA — Não podemos esquecer igualmente que, em nossas tarefas evangélicas do lar, os vários irmãos desencarnados sofredores, que porventura nos acompanhem, ouvem palavras de consolação e absorvem ideias renovadoras.
16 D. ROMUALDA (Designando Dona Matilde que chora em silêncio) — Além das muitas provações em casa, Matilde acaba de perder um filhinho devorado pelo câncer… Menino de apenas alguns meses de idade…
D. MATILDE — Meu pobre David! Desencarnar canceroso aos dez meses!… (Dirigindo-se ao diretor da reunião) — Que opinião a sua, irmão Veloso? Teria sido um fim de prova?
17 VELOSO (Após meditar alguns instantes) — Tivemos um caso semelhante em nosso templo espírita, há precisamente dois meses. Confortando o pai sofredor, um amigo espiritual explicou-nos que o pequenino havia perpetrado o suicídio, em existência anterior. Depois de vasto período de agonia purgativa, nas Esferas inferiores, reencarnou-se com as sequelas da tortura que infligira a si próprio, a projetar no corpo tenro os desajustamentos de que se fazia portador. Quanto ao pequeno David, em que órgão se lhe manifestou a enfermidade?
D. MATILDE — Nos intestinos.
VELOSO — É possível tenha ele usado violento corrosivo na existência última, adquirindo grande perturbação no corpo espiritual.
18 D. ROMUALDA — Como vemos, a Doutrina Espírita pede estudo para que venhamos a entender os nossos problemas.
19 D. ZILDA — O que mais lamento é a minha dificuldade para ler. Trabalho num estabelecimento escolar e lido com crianças durante o dia inteiro. Entretanto, se procuro ler esse ou aquele volume que não se refira à escola, começo imediatamente a cochilar. É um sono terrível…
D. ROMUALDA — De qualquer modo, no entanto, precisamos conhecer e confrontar, porque a vida, em si mesma, é um grande livro sem letras, em que as lições são as nossas próprias experiências.
VELOSO — Dona Romualda está certa. Todo dia é ocasião de aprender.
20 D. ZILDA (Fixando carinhosamente Lina, e Marta, depois de pequeno intervalo em que Dona Matilde enxuga as lágrimas) — Tenho hoje uma comunicação para o grupo. Marta anunciou no culto da semana passada que Lina passou a auxiliá-la espontaneamente. Acontece que, com isso, Marta agora vem cooperando com mais tempo e carinho nos serviços da casa. A providência aliviou-me bastante e, podendo dispor assim de novos recursos, dediquei-me a nova tarefa. (E abrindo pequeno pacote que trouxera para a mesa) — Com possibilidades novas, fiz nesta semana um enxoval para bebê, que ofereceremos, em nome do nosso culto evangélico, a alguma de nossas irmãs em necessidades maiores e que esteja aguardando a hora divina da maternidade.
LINA — Oh! mãezinha!…
MARTA — Que peças lindas!
CLÁUDIO — Tudo tão bonito!…
21 VELOSO — Estou feliz, vendo nossa casa começando a produzir o bem para os outros, sem prejuízo do orçamento doméstico. Disse-nos o Apóstolo que a fé sem obras é morta. ( † ) Do ponto de vista do Evangelho, tudo segue melhorando, quando sentimos necessidade de auxiliar com desinteresse. Anotamos hoje um ensinamento edificante. O Evangelho ajudou nossa Lina a cumprir o próprio dever. O Evangelho e Lina cooperaram com Marta, a fim de que esta pudesse fazer um pouco a mais em seu trabalho e, agora, o Evangelho, Lina e Marta auxiliaram nossa Zilda a socorrer, em nome de nosso conjunto, a outro lar em lutas maiores que as nossas. Agradeçamos a Deus semelhantes bênçãos!…
Nota semanal
6 O silêncio envolveu a assembleia, prenunciando o encerramento, e Veloso tomou a palavra, sorrindo:
— Já que nossa Zilda experimenta cansaço, relatarei aqui um episódio curioso que me foi narrado por um amigo. Poderemos denominá-lo:
O SUSTENTO DO CORPO E DO ESPÍRITO
7 Certo aprendiz, em conversa com o professor, queixou-se de grande incapacidade para reter as lições.
Sentia-se sonolento, desmemoriado…
2 Ao cabo de alguns instantes de leitura, esquecia de todo os textos mais importantes, ainda mesmo os que se referissem às suas mais prementes necessidades.
Que fazer para evitar a perturbação?
3 Travou-se então entre os dois o seguinte diálogo:
— Meu filho, quando tens sede, foges do copo d’água?
— Impossível. Morreria torturado.
4 — Quando nu, abandonas a veste?
— De modo algum. Não dispenso o agasalho.
5 — Esqueces de levar o alimento à boca, ao te apresentarem a refeição?
— Nunca. Como poderia andar sem comer?
6 — Pois também não podes viver sem educação, — concluiu o orientador. — Lembra-te dessa verdade e estarás acordado para os ensinamentos de nossos mestres.
7 O mentor do grupo esboçou silencioso gesto de bom humor e salientou:
— Nossa alma precisa estudar e conhecer, tanto quanto nosso corpo necessita de respirar e nutrir-se.
Encerramento
8 Veloso pediu aos circunstantes alguns minutos de silêncio para que Dona Matilde pudesse funcionar como médium de instrução e consolo.
2 Atendida a solicitação, a senhora amiga disse assinalar a presença do irmão desencarnado, a que se referira, e, tomando do lápis, psicografou-lhe a seguinte mensagem:
3 Meus irmãos,
Deus seja louvado!
A Terra é nossa escola e a dor é nossa lição.
Tende paciência para que o aprendizado não se perca.
Não podemos olvidar que o fardo das provas corresponde sempre às nossas forças.
Matilde, guardemos esperança.
Nosso David permanece sob a assistência de abnegados Benfeitores da Vida Maior e nossa irmãzinha doente nunca esteve desamparada.
Os Mensageiros Divinos estão a postos.
Confiemos em Deus.
Jorge
4 Veloso, satisfeito, destacou a importância dos conselhos recebidos e orou, encerrando a reunião:
— Amado Jesus, procurando-te a luz divina no Evangelho que nos deixaste, queremos ser mais úteis. Agradecemos, Senhor, o amparo que nos dispensas e contamos com o teu auxílio para que sejamos amanhã melhores que hoje. Assim seja.
5 Lina e Cláudio serviram a água fluidificada aos presentes e, enquanto se comentava, em torno, a excelência da palavra do Cristo aos corações, Dona Romualda pedia a Dona Zilda algumas instruções sobre a melhor maneira de instituir o culto do Evangelho em sua própria casa.
Meimei