Em residência modesta de Jardinópolis, São Paulo, D. Olga fazia o almoço domingueiro, aparentemente calma, mas em seu interior, angústia crescente dominava-lhe o ser. Seu filho Toninho, embora com 27 anos, nunca havia passado uma noite fora do lar. Na véspera, participou de um baile na cidade de Pontal e o seu regresso era aguardado para aquela madrugada.
As horas passavam e Toninho não chegava. Com o pressentimento de que algo anormal havia ocorrido, D. Olga não continha mais as lágrimas. Embora se esforçando para afastar ideias negativas, revelava na face profunda preocupação.
Por volta das 11 horas, a família recebeu triste notícia: aproximadamente, às 6:30 horas, ao cruzar a ponte sobre o Rio Pardo, o Passat de Toninho mergulhou nas águas do rio.
Além do sofrimento da separação de um ente muito amado, uma dúvida angustiante passou a ferir toda a família: teria havido homicídio? Isso porque, quando o corpo foi encontrado, faltava-lhe parte da roupa. Esta dúvida só pôde ser desfeita um ano depois, quando o próprio Toninho, em Espírito, pelo médium Chico Xavier, esclareceu: “Ninguém me agrediu em caminho. (…) Se peças de roupa me faltavam, qual me fazem perceber nas recordações que me apresentam, isso se deve decerto à movimentação das águas.”
MENSAGEM n
“Sempre que isso me faz possível corro aos seus braços, fazendo-me a sua criança de novo.”
1 Querida mamãe Olga n e meu pai, abençoem-me.
2 Se lágrimas de alegria servem por letras, é com elas que lhes escrevo esta carta, de modo a rogar-lhes paciência e resignação.
3 Vejo convosco a tia Nazira e o tio Rubens, n e rogo a eles igualmente me abençoarem.
4 Mãezinha querida, não chore mais com tanta angústia, Deus é verdade e amor que nunca desaparecem, e temos Deus para abençoar como sendo nosso refúgio em nossas dores. 5 A nossa fé, por aqui, quando a gente se reconhece despojado de tudo aquilo que supúnhamos nos pertencer, é muita bênção em forma de armadura invencível, por dentro da qual a nossa alma consegue resistir a qualquer espécie de sofrimento.
6 Se me lembro das alegrias de nossa casa! E como! Sempre que isso se me faz possível corro aos seus braços, fazendo-me a sua criança de novo ou me dirijo para a Visconde do Rio Branco, em nossa querida cidade de Jardinópolis, para me harmonizar com as preces da tia Nazira, a outra mãe que o seu carinho me ensinou a encontrar.
7 Mamãe, eu sei que muitas versões apareceram para justificar a minha liberação da vida física; entretanto, posso afiançar ao seu amor, tanto quanto em meu coração confirmo isso a meu pai: ninguém me agrediu em caminho. 8 Acontece que eu trazia sem perceber, na sensibilidade que era muita, as coronárias doentes, e as coronárias não resistiram à emoção que me tomou de assalto, ao ver que o carro me arrastava para as águas do rio. 9 O motor do peito silenciou de repente e, em meio da turvação de sentidos em que me vi, encontrei a presença da vovó Chamma n que me pedia orar e repousar — duas atitudes que se me faziam impraticáveis. 10 Ela, porém, deve ter atendido por mim a essas obrigações, porque um torpor estranho me acalmou de estalo e não mais me senti perdido nas águas de que não conseguira escapar pela impossibilidade total de assumir qualquer movimento contrário ao abatimento que me invadiu corpo e alma… 11 Acordar do sono a que me entreguei por influência da bondade de minha avó, foi uma surpresa que não conseguiria expor com palavras. 12 Posso dizer apenas que a sua face estava colada à minha face e chorávamos juntos, em vista de uma separação que eu não entendia. Se lhes via o rosto no meu, como compreender qualquer minuto de distância?
13 Foi minha avó Chamma e meu avô Antônio n os dois benfeitores, que me explicaram, aos poucos, o que sucedera: perdera o corpo físico de modo igual à perda do carro e devia conformar-me.
14 Creia, mãezinha, que lutei muito contra a realidade, incapaz de aceitá-la, até que as suas próprias vozes dentro de mim como que me informavam, sem querer, que eu era um filho ausente, como acontecera ao nosso querido Júlio César. n O pranto da tia Nazira foi outra alavanca da verdade a me impelir para o aceite do meu novo modo de ser e aqui estou para afirmar-lhes que me sinto melhor e mais forte.
15 A única sombra que ainda vagueava entre nós, à maneira de uma nuvem, era a dúvida quanto à realidade de minha despedida da veste física. Agora, peço-lhe para que não insista em pesquisas capazes de ferir a alguém. 16 Se peças de roupa me faltavam, qual me fazem perceber nas recordações que me apresentam, isso se deve decerto à movimentação das águas, porque, em verdade, o carinho de vovó me arrebatou ao quadro final de minhas experiências. 17 Creio que a roupa estragada, que eu deixara à mercê da corrente estreita do riacho, deve ter permanecido várias horas ao sabor das circunstâncias.
18 Aí na Terra, querida mãezinha, as criaturas raramente acreditam que os mais jovens trazem consigo as mesmas deficiências físicas dos mais idosos; e nisso a pessoa é apanhada de surpresa com o impacto da desencarnação que ninguém consegue imaginar esteja assim tão próxima. 19 Aliás, o seu coração materno adivinhava que eu não conseguia adaptar-me à felicidade dos mais moços, porque dentro de mim estava a certeza de que o meu tempo na Terra seria curto. n Perdoem-me se fui assim quase inadaptado, embora no fundo a confiança em Deus me fizesse viver num estado claro e belo de otimismo e de alegria.
20 Agora, com o nosso querido Júlio, posso trabalhar com mais segurança em auxílio de nossa casa e peço o seu carinho, tanto quanto rogo à tia Nazira nos apoiar com fé viva de que não houve e nem há separação no sentido de ausência.
21 Agradeço por todas as bênçãos que me enviaram de casa em forma de preces e lembranças. Aqui, espero crescer em conhecimento para ser mais útil.
22 Agradeço à irmã Stella Mellin, n de cujas reuniões recebi muito amparo.
23 Lembrando quanto devo à dedicação de meu pai e de todos os nossos familiares queridos, peço, querida mãezinha Olga, para que sua alma querida me guarde o coração para sempre, este coração de filho que presentemente está aprendendo a consagrar-lhe um amor que é cada vez mais amor. Sempre seu filho
Toninho
Antônio Jabur Neto. n
NOTAS E IDENTIFICAÇÕES
1 — Psicografia de F. C. Xavier, em reunião pública do Grupo Espírita da Prece, Uberaba, MG, 5/10/1979.
2 — Mamãe Olga e meu pai — Olga Corrêa Jabur e José Jabur.
3 — Tia Nazira e tio Rubens — Nazira Jabur Caleiro e Rubens Caleiro, tios paternos, presentes à reunião.
4 — Vovó Chamma — Chamma Jabur, avó paterna, desencarnada em 1976.
5 — Avô Antônio — Antônio Jabur, avô paterno, desencarnado em 1971.
6 — Júlio César — Júlio César Jabur, irmão desencarnado aos 17 anos, em 1976.
7 — O seu coração materno adivinhava que eu não conseguia adaptar-me à felicidade dos mais moços, porque dentro de mim estava a certeza de que o meu tempo na Terra seria curto. — D. Olga sempre insistia para que ele passeasse e se distraísse mais, pressentindo uma existência curta para seu filho.
8 — Agradeço à irmã Stella Mellin, de cujas reuniões recebi muito amparo. — Após a desencarnação de Toninho, D. Olga passou a frequentar reuniões doutrinárias do Lar Espírita Cristão, à Rua Rio Formoso, 411, em Ribeirão Preto, SP, dirigidas por Stella Mellin. Na época, foram feitas preces e reuniões especiais pelo seu filho.
9 — Antônio Jabur Neto — Era chamado Toninho, pelos íntimos. Além de professor primário, formou-se em inglês e artes plásticas. Na ocasião do acidente, lecionava inglês em Pontal e exercia o cargo de inspetor da Febem, na unidade de Ribeirão Preto. Desencarnou a 10/9/1978.
10 — Agradecemos à confreira Hilda Fontoura Nami, residente em Ribeirão Preto, pela entrevista realizada com a família Jabur, a nosso pedido, o que nos permitiu organizar este Capítulo.