Muita gente pergunta a razão de tantas mensagens mediúnicas de Chico Xavier, ao invés de Livros de ensaio e estudo ou mesmo de relatos espirituais em forma de romances. Este livro responde a essas perguntas. O leitor pode ver nas suas páginas que essas mensagens são, na verdade, apartes do Além nos diálogos da Terra. Estamos vivendo um período de transição da vida terrena e os diálogos dos homens se multiplicam, angustiados e ansiosos, por toda parte. Milhares de pessoas levam esses diálogos às reuniões de Uberaba, onde Chico Xavier recebe e atende, em sessões públicas, a todos os visitantes.
A técnica dessas reuniões é precisamente a do diálogo, e isso muito antes que a expressão se generalizasse em nosso tempo. Os visitantes, procedentes de todo o País e às vezes mesmo do exterior, lotam a sala de reuniões. Em torno à mesa central agrupam-se as pessoas escolhidas para falar sobre o tema da noite, que resulta da abertura ao acaso de “O Evangelho Segundo o Espiritismo” ou de “O Livro dos Espíritos”, ambos de Allan Kardec. O tema recai sempre no assunto principal que está sendo discutido por grupos de visitantes.
Temos assim o diálogo informal que precede o início dos trabalhos mediúnicos e logo mais o diálogo formal, disciplinado através de exposições às vezes demoradas e minuciosas, a cargo dos visitantes escolhidos para falar. Enquanto isso, entrando o debate pela madrugada afora, Chico Xavier responde psicograficamente, numa sala ao lado, às numerosas cartas de consulta que lhe são enviadas. Não pode, pois, participar do diálogo. Mas, finda a tarefa de responder aos consulentes, o médium vem para a mesa e recebe a mensagem da noite. Essa mensagem é sempre o aparte do Além nos diálogos da Terra, ali verificados.
Pelos próprios relatos do médium, junto à apresentação de cada mensagem, os leitores podem ver toda a mecânica desse curioso processo. As mensagens, portanto, atendem aos pedidos do público. Muitas vezes o pedido não é apenas indireto, decorrente do trato de determinado tema, mas direto e insistente, formulado mentalmente por grupos de visitantes. São numerosos os casos dessa natureza que aparecem nas páginas deste livro. Como se vê, não raro costumamos acusar os Espíritos de procedimento exigido por nós mesmos. As mensagens não são dadas arbitrariamente, elaboradas à maneira de trabalhos literários, por livre iniciativa dos Espíritos. São determinadas pelas súplicas dos homens.
Faltava um volume como este, na obra de Chico Xavier, para documentar esse processo. Vemos que os próprios poetas se reúnem para atender a pedidos dos visitantes, deixando de compor seus poemas sobre motivos de sua preferência para os fazerem na forma caridosa de respostas aos consulentes. São muitas as perguntas dos homens, revelando a angústia e a inquietação que lavram na Terra. E para atender a essa exigência do momento os Espíritos se transformam em serviçais da caridade.
É por isso também que as mensagens psicográficas de Chico Xavier não cansam o público. Sendo pedidas por este, correspondem ao seu desejo de esclarecimento de problemas diversos. É claro que os consulentes de Uberaba não falam apenas por si mesmos. Suas perguntas, seus diálogos na sala de reuniões traduzem a inquietação de centenas e milhares de pessoas que não podem estar presentes no momento. As respostas dos Espíritos atingem a todos esses contingentes de interrogantes, que literalmente devoram as mensagens publicadas.
Muitos médiuns procuram imitar o trabalho de Chico Xavier que sem querer fez escola no meio espírita. Mas não conseguem o mesmo interesse do público porque lhes faltam os elementos básicos da inquirição espontânea e do prestígio pessoal de Chico, prestígio esse conquistado em quarenta anos de abnegação e humildade. O interesse crescente do público pelas mensagens e por toda a obra de Chico Xavier provém, paradoxalmente, do desinteresse absoluto do trabalho do médium. Se ele se fechasse no seu interesse pessoal ou no interesse particular deste ou daquele Espírito comunicante, tentando fazer uma obra excepcional, seria nivelado aos demais.
Não queremos com isso negar valor ao trabalho de tantos e tantos médiuns abnegados que se empenham no Brasil e no Mundo ao serviço do esclarecimento espiritual. Mas é importante assinalar as razões objetivas da preferência do público. Por outro lado, é útil notar que à maioria dos médiuns falta o espírito de abnegação, e portanto de desinteresse pessoal, que norteia a atividade mediúnica de Chico Xavier. Trata-se, pois, de uma questão de autenticidade. O famoso médium de Pedro Leopoldo jamais procurou intencionalmente a fama que o cerca. Desde o início do seu trabalho mediúnico até hoje, quando o seu nome é proclamado por toda parte e as maiores homenagens públicas e oficiais lhe são prestadas, Chico Xavier se conserva na posição do servidor humilde que conhece a sua condição humana e não quer, de maneira alguma, enfeitá-la com disfarces de superioridade espiritual.
Esse exemplo de conduta mediúnica e espírita não deve ser ocultado, pois a vaidade humana é mais voraz do que se imagina e tem devorado muitas vocações missionárias. No plano do espírito há dois tipos distintos de sucessos: o legítimo e natural que não é procurado e não se efetiva por meio de concessões ao público, e o ilegítimo e artificial que nasce das concessões ardilosas mas tem a duração fugaz das fantasias. Chico Xavier atende ao público para esclarecê-lo, pondo-se sempre a serviço dos Espíritos orientadores, mas não lhe faz concessões ao gosto pelo maravilhoso. Sua atitude permanente entre os homens é a de um homem normal no exercício da mediunidade de serviço.
Tudo isso transparece das páginas deste livro, onde temos não só as mensagens psicográficas do médium mas também os trechos de suas cartas explicando as razões concretas das mensagens. Em nenhum momento o vemos assumir atitude de oráculo. Ele é sempre o médium, ou seja, o intermediário sem pretensões, procurando servir. É possível, dado o espírito de imitação que caracteriza o nosso estágio atual de evolução, que, depois deste livro, apareçam outros tentando imitá-lo. A oportunidade será boa para o público procurar exercitar o seu senso de discernimento, ainda tão precário, infelizmente, no meio espírita, onde os falsos profetas da Terra e da erraticidade e os pseudo-sábios conseguem desperta.r arrebatamentos de admiração.
Fazemos questão de acentuar esses problemas porque estamos numa hora decisiva da evolução humana e as f orças retrógradas procuram entravar o nosso avanço. Uma obra como esta. é oportunidade excelente para despertar os que se deixam embalar por ilusões. O Espiritismo veio fundamentar o novo mundo, a nova civilização que está surgindo na Terra. Por isso mesmo exige que estejamos alertas, despertos, de olhos abertos para a realidade. Já no advento do Cristianismo as coisas se passaram assim e podemos ver, nas epístolas, como os apóstolos tiveram de lutar contra as ilusões e as mentiras. Paulo não cessou de advertir contra as fábulas que muitos aceitavam em lugar da Verdade.
Este livro originou-se naturalmente da secção dominical “Chico Xavier Pede Licença — Um aparte do Além nos diálogos da Terra”, que o Diário de S. Paulo começou a publicar em 22 de Agosto de 1971. O material aqui encerrado vai dessa data a 21 de Maio de 1972. Sendo designado para editor dessa secção, procuramos dar-lhe o cunho jornalístico necessário, comentando na medida do possível as mensagens mediúnicas e juntando algumas notas explicativas de ocorrências e assuntos correlatos. Foi Emmanuel quem entendeu conveniente que aproveitássemos esse material para a publicação de um volume a duas mãos. De um lado a mão de Chico Xavier servindo aos Espíritos comunicantes, de outro lado a nossa mão no prosseguimento dos trabalhos de Irmão Saulo, pseudônimo de que nos temos servido para crônicas espíritas em jornais pro f anos e doutrinários.
Essa a razão por que o livro traz na capa e no frontispício os dois nomes: Francisco Cândido Xavier e J. Herculano Pires, e nas páginas de texto os nomes dos autores espirituais das mensagens e o do comentarista de imprensa. Alguns comentários foram acrescidos de novas informações para este volume, o que se pode ver especialmente na análise de uma trova de Auta de Souza que por sua importância poética deu muito pano para manga. A propósito, queremos lembrar que, no tocante às mensagens poéticas, procuramos comentá-las de maneira a esclarecer os enganos cometidos pelos críticos literários desconhecedores dos problemas mediúnicos. Em geral esses críticos tratam a poesia mediúnica sem atentar para a sua especificidade.
Nosso tirocínio nas lides literárias e jornalísticas, e particularmente na crítica literária, durante trinta anos, nos “Diários Associados” de São Paulo e em outros jornais e revistas da capital paulista, valeu-nos para tentar alguns esclarecimentos a respeito dos problemas da literatura mediúnica. O lugar não era apropriado a maiores incursões que pretendemos fazer mais tarde em obra especializada, mas talvez tenhamos conseguido prestar algum serviço nesse campo.
O poema “Brasil”, de Castro Alves, recebido por Chico Xavier ante as câmaras de televisão do Canal 4, em São Paulo, foi criticado pelo poeta Oliveira Ribeiro Neto, da Academia Paulista de Letras, a quem muito estimamos, como desprovido de conteúdo identificador. Procuramos demonstrar o contrário neste livro, através de análise rápida mas objetiva desse poema, em confronto com o poema de Castro Alves em vida, “O Livro e a América”. O soneto de Cyro Costa, “Segundo Milênio”, também recebido nas mesmas condições, foi divulgado com grave erro em todas as publicações nacionais, inclusive oficiais, o que deu motivo a assinalarmos valioso elemento de identificação do poeta, além dos naturalmente contidos no próprio soneto.
O fato poético mais importante ocorrido neste livro é a publicação de uma trova de Auta de Souza que destacamos para comentário mais longo. Estamos na era atômica e não é estranho que a menor composição poética tenha sido a mais explosiva. Acreditamos haver conseguido demonstrar que essa trova é uma espécie de moeda divina, com cara e coroa: o valor poético e o valor espiritual. Análises dessa natureza, embora feitas no improviso do comentário jornalístico e apesar de nossas deficiências pessoais, parece-nos de grande interesse para os que desejam encarar o problema com seriedade. O mesmo se dá no caso dos poemas de Maria Dolores, composições poéticas de um tipo especial, geralmente relegados pela crítica literária como de segunda importância, mas nas quais encontramos elementos estéticos e intencionais que merecem maior atenção do ponto de vista espiritual.
Nesta hora e,m que as pesquisas parapsicológicas e até mesmo as pesquisas físicas corroboram, no mundo inteiro, os princípios fundamentais da Doutrina Espírita, à revelia da vontade e da intenção dos pesquisadores, parece-nos de grande necessidade até mesmo as nossas desvaliosas tentativas de colocar o problema em evidência. Assim, esperamos ter cumprido o nosso dever, na medida de nossas possibilidades, procurando fazer jus à confiança de Emmanuel e de Chico Xavier. Quem dá o que pode não tem do que se envergonhar.
J. Herculano Pires