1 Não se pode negar o sentimento de veneração que envolve a nobre figura de Ismael, guia espiritual do Brasil. A responsabilidade que detém, na condição de mentor da egrégia Federação Espírita Brasileira — FEB — suscita, da parte da comunidade espírita nacional, um profundo respeito, aliado a um imenso carinho e uma suave ternura.
Certa vez, indagaram a Chico:
— Como se processam os encontros, nas Esferas resplandecentes da Espiritualidade, de Emmanuel com Ismael? Qual a postura do admirável Espírito do ex-senador romano, diante da também luminosa entidade a quem confiou Jesus os destinos do Brasil?
Resposta do querido médium, curta, serena e firme: — De joelhos!
Doutrina, sim!
2 Em 1949, transferi residência de Aracaju para Belo Horizonte, por injunção de saúde. A capital mineira ainda não iniciara o surto de desenvolvimento que a elevaria à categoria de terceira capital brasileira, em volume populacional. Na época, era a sexta, tendo à frente Salvador, Recife e Porto Alegre.
Em fase de adaptação climatológica, social e doutrinária, tínhamos, eu e minha família, um futuro de incertezas. Havíamos recebido um convite para integrar uma obra educacional, que o professor Rubens Costa Romanelli pretendia construir no município de Esmeraldas, com o apoio do confrade José de Lima Géo, já desencarnado.
Vacilávamos: aceitaríamos ou não o convite?
Num final de semana em Pedro Leopoldo, num passeio com outros companheiros, ouvíamos a palavra singela e carinhosa de Chico Xavier, em casa de sua querida irmã Luiza. Com a costumeira serenidade, em determinado momento, voltou-se para mim e disse:
— Peralva, vejo ao seu lado um moço louro, de olhos azuis,
Muito simpático! Diz chamar-se Lívio Pereira da Silva e haver militado no Espiritismo, em Sergipe. Pede-me para lhe dizer o seguinte: “Fala com o Peralva que a vocação dele é para o trabalho da Doutrina. A água, até alcançar o oceano, percorre quilômetros e quilômetros, correndo sobre obstáculos Com o espírito humano acontece o mesmo. Para conseguir o oceano da bondade divina, tem que lutar, vencer obstáculos, contornar dificuldades, a exemplo da correnteza”.
Ali estava, por abençoada luz para o meu espírito, que vacilava na tomada de decisão, a resposta — de aceitar ou não o convite, ficar em Belo Horizonte ou seguir para o interior.
Imediatamente, procurei o professor Romanelli para agradecer-lhe a gentileza do convite e dizer-lhe que optamos por permanecer na cidade, nos serviços doutrinário-evangélicos.
Materializações I
3 O episódio a que estávamos presentes ocorreu no começo da década de 1950.
O conhecido médium Peixotinho, de Macaé, Rio de Janeiro, estivera em Belo Horizonte e noutras cidades mineiras para realizar, com objetivo curativo, magníficas sessões de materialização.
Chico Xavier e outros companheiros animaram-se frente ao maravilhoso fenômeno e, utilizando suas próprias faculdades de efeitos físicos, promoveram algumas sessões.
Espíritos altamente iluminados, e alguns menos, materializaram-se, conversaram conosco. O entusiasmo, embora comedido, nos dominava, sobremaneira.
A imortalidade da alma ali estava demonstrada, patente, indiscutível! Emocionada, uma mãe reviu e falou com a filha envolta em roupagem de luz.
Já era bem tarde, Chico ainda estava na cabine, quando materializou-se uma entidade, cujo porte e luminosidade demonstraram-nos grande superioridade. A porta por onde adentrou o recinto evidenciou-lhe a estatura elevada.
Profundo silêncio se fez, embora sussurros fizessem-se ouvir:
— Emmanuel?!?
Ali estava o abnegado servidor de Cristo, o ex-senador romano. Sua voz ecoou forte, inesquecível:
— “Amigos, a materialização é fenômeno que pode deslumbrar alguns companheiros e até beneficiá-los com a cura física. Todavia, o livro é chuva que fertiliza lavouras imensas, alcançando milhões de almas. Rogo aos amigos a suspensão, a partir desse momento, destas reuniões”.
E a partir daquele dia, Chico — a disciplina em pessoa nunca mais as realizou, servindo-se de sua faculdade mediúnica de efeitos físicos. Sessões de materialização, nunca mais!
O livro, no entanto, como chuva abençoada, continua fertilizando a lavoura do coração humano, trazendo paz, reconforto e esclarecimento a milhões de criaturas. n
Materializações II
Arnaldo Rocha
4 Há fatos, questões e ocorrências que me deixam perplexo! Há uma planificação no mundo dos espíritos, para determinadas tarefas a serem executadas no plano físico que, por vezes, acredito tratar-se de casualidade que se encaixa. Vejamos, por exemplo:
Alguns amigos conversavam em casa de André. Falava-se sobre materializações de espíritos, tratamentos, cirurgias e aplicação de elementos espirituais em enfermos físicos. n
Veio-me a ideia de consultar Chico sobre se ele desejava prestar-se a uma experiência. O bondoso amigo, com o espírito de renúncia e abnegação que lhe é próprio, concordou.
No dia marcado, cuidados tomados, conscientizados das responsabilidades, oramos e aguardamos os resultados. Que foram simplesmente além de nossa expectativa!
Nas primeiras sessões, nossos amigos da Vida Maior que se materializavam eram opacos, como nós mesmos. Depois, caros leitores, ficavam lindos de se ver! Completamente, feericamente iluminados! Alguns apresentavam um tom de azul celeste, outros, azul anil. A iluminação vinha de dentro, como se cada um possuísse milhares de lâmpadas, numa maravilhosa luminescência.
Registramos a cor dos cabelos e das roupas. Às vezes, cada qual apresentava um timbre, estilo, modulação e musicalidade totalmente peculiares.
Até hoje, após tantos anos já passados, lamento o não ter uma filmadora para eternizar aqueles momentos. Entretanto, tínhamos conosco um artista, o Jô — Joaquim Alves — da FEESP — Federação Espírita de São Paulo — que executou belíssimos desenhos de algumas aparições: de Alvina, Meimei e Emmanuel!
É difícil para mim classificar a mais bela reunião presenciada, mas a materialização de minha mãe, Maria José de São Domingos Ramalho Rocha, deixou-me grandes marcas de emoção.
Em vida física, tratava-nos carinhosamente chamando-nos de “vidrinhos de cheiro” e, quando suplicávamos a bênção, estendia a mão e a pousava em nossas cabeças. Foi como voltar no tempo, pois tudo isso ela reprisou durante o fenômeno. E algo incrível! Mamãe fazia uso de rapé. Quando lhe indaguei se ainda continuava com tal hábito, respondeu: — “Não, meu filho, isso era aí, mas trouxe a tabaqueira!!!” E no-la mostrou. n
Geralmente, estas reuniões processavam-se em casa de André. Ficávamos na sala, que era ligada a uma área de circulação por um corredor de 4 a 5 metros, no interior da casa. Nosso querido Chico deitava-se num quarto, no fim desta área.
Uma noite, sentimos um delicioso perfume. Intimamente, achei que era o mesmo que Meimei costumava usar. Surpreendi-me quando percebi que o corredor ia se iluminando aos poucos, como se alguém caminhasse por ele portando uma lanterna. Subitamente, a luminosidade extinguiu-se.
Momentos depois, a sala iluminou-se novamente. No centro dela, havia como que uma estátua luminescente. Um véu cobria-lhe o rosto. Ergueu ambos os braços e, elegantemente, etereamente, o retirou, passando as mãos pela cabeça, fazendo cair uma cascata de lindos cabelos pretos, até a cintura. Era Meimei!
Olhou-me, cumprimentou-me e dirigiu-se até onde eu estava sentado. Sua roupagem era de um tecido leve e transparente. Estava linda e donairosa! Levantei-me para abraçá-la e senti o bater de seu coração espiritual. Beijamo-nos fraternalmente e ela acariciou o meu rosto e brincou com minhas orelhas, como não podia deixar de ser. Ao elogiar sua beleza, a fragrância que emanava, a elegância dos trajes, em sua tênue feminilidade, disse-me:
— “Ora, Meimei, aqui também nos preocupamos com a apresentação pessoal! A ajuda aos nossos semelhantes, o trabalho fraterno fazem-nos mais belos e, afinal de contas, eu sou uma mulher! Preparei-me para você, seu moço! Não iria gostar de uma Meimei feia!”
Lembramo-nos da aparição de Kate King, quando dos trabalhos do sábio e estudioso Willian Crookes, na qual seus filhos estavam presentes. A bondosa amiga espiritual abraçava as crianças, chorando, e deixava como lembranças pedaços de seu vestido. O Sr. Crookes mostrou-lhe que estragara toda a roupa, a qual ela reconstituiu, sorrindo, somente com o afago de suas mãos.
Meimei despediu-se, deixando também comigo um pequeno pedaço de sua vestimenta divina. Recordação de amor que trarei no coração para todo o sempre.
A materialização de Emmanuel foi magnífica!
Emmanuel é um belíssimo tipo de homem. Atlético, alto, provavelmente 1 metro e 90 centímetros de altura. Sua voz clara, forte baritonada, suave mas enérgica, impressionou-me muito. O andar e os gestos elegantes, simples, porém aristocráticos. No grande e largo tórax havia um luzeiro multicolorido. Na mão direita, erguida, trazia uma tocha luminescente e sua presença sempre irradiava paz, harmonia, beleza e felicidade.
Apesar de toda a minha tristeza, foi muito oportuna sua proibição. Tive imenso dó ao ver o estado de exaustão que acometia Chico. Ficava pálido, abatido, exangue, banhado em suor.
Depois destas tarefas, nunca mais me interessei por tais experiências. Acredito que tudo que poderia ver, observar e aprender nesse campo, foi-me concedido.
Os amigos de Jesus
5 Pedro Leopoldo, primeiros anos de 1950. O Centro Espírita Luiz Gonzaga estava repleto, inclusive de caravanas de outras cidades e outros estados. Na mesa de atividades, já composta, Dr. Rômulo Joviano, Lico, Sr. Barbosa e Zeca aguardavam Chico para o início da reunião.
O medianeiro, cercado de gente por todos os lados, caminhava vagarosamente em direção à mesa, atendendo, falando e orientando quem necessitava de auxílio.
Uma senhora, identificando-se como sendo de Salvador, Bahia, com o semblante expressando aflição, aproximou-se e disse:
— Chico, preciso de sua orientação. Sou médium de incorporação, mas só se comunicam por meu intermédio Espíritos sofredores, que gritam, choram, fazem barulho! Sou criticada por alguns companheiros! Já não suporto mais este sofrimento! Algumas vezes, penso em abandonar o trabalho mediúnico. O que me diz, Chico?
— Minha irmã, você deve considerar-se muito feliz, porque Jesus também viveu com sofredores de todos os matizes. Você, portanto, está em boa companhia — na companhia de Jesus!
A fisionomia da visitante iluminou-se de alegria, de esperança e entusiasmo cristãos. E enquanto Chico se afastava calmamente em direção à mesa, para iniciar as tarefas, ela falou-lhe:
— Deus lhe pague, Chico, pela orientação. Volto para a Bahia renovada por suas palavras, disposta a prosseguir na atividade, oferecendo meus dons mediúnicos aos sofredores, aos amigos de Jesus!…
Jamais nos esquecemos da lição. De quando em quando, menciono-a em palestras doutrinárias e sempre surge um companheiro a dizer que o ensinamento lhe fora proveitoso, pois vivenciava o mesmo problema.
Dor de cabeça
6 Era uma sexta-feira. Muita gente aglomerava-se em volta de Chico. Zeca Machado tomava providências para o início da reunião. O irmão Barbosa postou-se à cabeceira da mesa, Lico, Dr. Rômulo e outros dirigentes do “Luiz Gonzaga” puseram-se a postos.
Chico, de pé, abraçava um, dirigia a palavra a outro.
Aproximou-se dele uma jovem senhora, reclamando de forte dor de cabeça. Chico a ouviu atentamente e convidou-a a sentar-se na assistência para participar do encontro.
A palestra transcorreu normalmente, com os colaboradores dando sua parcela de cooperação nos comentários.
Depois da meia-noite, finda a reunião a senhora que reclamara da dor de cabeça achegou-se ao médium, com a fisionomia radiante e feliz. A dor de cabeça cessara nos primeiros minutos das tarefas. Chico sorriu docemente, despedindo-se dela com carinho.
Instantes depois, explicou:
— Emmanuel me disse que aquela senhora teve uma discussão muito forte com o marido, chegando quase a ser agredida fisicamente. O marido desejou dar-lhe uma bofetada e não o fez por um recato natural. Contudo agrediu-a vibracionalmente, provocando uma concentração de fluidos deletérios que lhe invadiram o aparelho auditivo, causando a dor de cabeça. Tão logo começou a reunião, Dr. Bezerra colocou a mão sobre sua cabeça e vi sair de dentro de seu ouvido um cordão fluídico escuro, negro, que produzia a dor. Eu estava psicografando mas, orientado por Emmanuel, pude acompanhar todo o fenômeno.
Encapuzados
7 Este fato ocorreu também em Pedro Leopoldo e Chico sempre o contava, nos poucos e raros intervalos de suas atividades.
Ele estava em casa, quando Emmanuel avisou-o que receberia algumas visitas. Que ficasse atento e vigilante.
Chico ficou de sobreaviso e, momentos depois, um grupo de Espíritos, encapuzados, adentrou o quarto, maltratando-o com palavras. Emmanuel, sempre ao seu lado, aconselhou-lhe calma e humildade.
Um dos Espíritos adiantou-se e Chico pode ver-lhe os olhos agudos e penetrantes. Dirigiu-lhe palavras ofensivas, enquanto que o bondoso medianeiro pedia-lhe caridade, explicando ser uma pessoa que necessitava trabalhar e que era muito carente espiritualmente.
O Espírito agressor, que agia como chefe da falange, parou, olhou para Chico e disse-lhe:
— “Você é um toleirão. Com você não adianta”.
E convocando os companheiros:
— “Vamo-nos embora daqui.”
Uma outra visita
8 De outra feita, um grupo de Espíritos penetrou em seu quarto, fazendo ameaças, nas quais ele devia abandonar o Espiritismo e outras tantas.
Emmanuel vigilante como sempre, apareceu e recomendou a Chico humildade e delicadeza, aconselhando-o a olhar para os pés dos visitantes.
Chico obedeceu e surpreendeu-se!
Aqueles Espíritos de bom aspecto pessoal, tinham pés caprinos!
Cirurgias e carma
9 Há uns trinta anos, aproximadamente, um pequeno grupamento de companheiros, dentre eles Chico Xavier, comentava problemas relacionados a imperativos cármicos, determinantes de inibições suavizadas ou corrigidas pela medicina moderna.
A questão gravitava em torno do seguinte: como conciliar os recursos da medicina terrestre, especialmente na área da cirurgia, com a correção de anomalias orgânicas em criaturas em processos de resgates cármicos?
Chico explicou:
— Não importa que a cirurgia faça desaparecer anomalias inibidoras ou deformantes de implementos somáticos. O perispírito conservará a deficiência, que vai se projetar para reencarnações futuras, a não ser que o Espírito devedor se reajuste com a Lei da Justiça, cobrindo com o amor a “multidão de pecados”, ( † ) segundo o Evangelho. A cirurgia corrige transitoriamente as deficiências físicas. O amor, trabalhando nos tecidos sutis da alma, purifica e redime para a Eternidade.
Pretos velhos
10 A conversa corria animada, com aquele toque de alegria cristã, pura e singela de que se impregnam os ambientes onde Chico se faz presente.
Alguém comentara sobre a presença de vultos destacados da sociedade em núcleos de Umbanda, via de regra respeitosos e genuflexos.
Componentes das mais altas camadas sociais, especialmente do Rio de Janeiro, civis ou militares, acorriam a esses locais de fraternidade e amor, ávidos por uma palavra amiga, um conselho, uma orientação.
Chico tomou a palavra:
— Geralmente, essas pessoas de elevada posição social procuram humildemente os pretos velhos, como se estivessem pedindo perdão pelo mal que lhes fizeram no passado, na posição de grandes latifundiários, de senhores feudais. No íntimo da consciência, pesa-lhes o haver sido, em sua grande maioria, impiedosos com os irmãos procedentes da África distante. Explica-se aí a posição de humildade com que se apresentam ante o preto velho, que lhes dirige a palavra sempre consoladora e repleta de sabedoria. São os verdugos de ontem na bênção do arrependimento de hoje! Descansam a consciência pesada diante do carinho dos generosos pretos velhos!…
Zeca Machado
11 José Flaviano Machado, o inesquecível Zeca Machado, foi companheiro dedicado e operoso de Chico, por quem nutria profunda amizade, nas atividades do Centro Espírita Luiz Gonzaga. Era ele quem comentava o Evangelho e inúmeras questões de “O Livro dos Espíritos” e aplicava passes, em sala própria, durante as dissertações que compunham as reuniões públicas, sendo ainda amigo carinhoso de quantos o procuravam na cidade de Pedro Leopoldo. Ele e Chico tinham o hábito de, após os encontros de segundas e sextas-feiras, ficar em deliciosa e quase interminável conversa, noite a dentro, em meio às ruas. Zeca Machado nunca demonstrava a menor pressa em despedir-se. Assim, iam ficando horas e mais horas na quietude das madrugadas. E Chico pensou: — “Qualquer noite dessas, vou ficar com o Zeca o tempo que ele quiser, só pra ver o que acontecerá!”
E se bem pensou, melhor fez.
Tempos depois, após a reunião, lá estavam os dois, como sempre, nas silenciosas ruas da pequena cidade. As horas passavam, a madrugada chegava de mansinho. Os poucos notívagos procuravam suas casas, pois os galos já cantavam nos quintais. E os dois conversando, conversando. Chico, com sua mineira simplicidade, deixava o Zeca falar à vontade.
A certa altura, o querido Zeca Machado olhou espantado para o horizonte ao longe e comentou:
— Muito estranha, Chico, aquela claridade ali, atrás das árvore.s! Que será?!?
E o amado Chico, com um plácido sorriso, lhe respondeu: — Não é nada não, meu nego! É mesmo o dia que está amanhecendo! A claridade é do sol, que já nasceu!…
E soltou uma de suas despretensiosas gargalhadas, ante a surpresa do amigo.
Sereno, paciente, dotado de incomparável senso de humor, assim é o nosso Chico, que sabe, como poucos, apreciar e divertir-se com situações como esta.
Um encontro com Zeca na Espiritualidade
12 Uberaba, 9 de agosto de 1964.
Querida Zilica, Deus a abençoe.
Estou lhe escrevendo para narrar a visão que tive com Zeca. Peço-lhe perdão se reavivo seu sofrimento ao pensar na separação, mas consolei-me tanto com o que vi e, tanta esperança me veio ao coração ao vê-lo, que não vacilei em enviar-lhe estas notícias, escritas às pressas, sem nenhuma outra preocupação senão a de transmitir-lhe as novas.
Abraços do menor servidor,
Chico
“Na noite de 30 para 31 de julho de 1964, deitei-me às 23 horas e me vi perfeitamente fora do corpo. Estava lúcido, a ponto de vê-lo estendido sobre a cama, sem que me sentisse intimamente interessado em verificar de que modo me enlaçava nele, fenômeno esse que muitas vezes me ocorre, mas não sempre.
Dr. Bezerra de Menezes estava ao meu lado, comunicando estar disposto a levar-me ao encontro de Zeca. Senti uma alegria e uma surpresa que palavra alguma consegue descrever.
Dr. Bezerra tomou-me pela mão, como um pai ao filho. Entramos num veículo, que não saberia descrever, porque eu me achava mais contente em estar com ele e mais contente ainda em rever Zeca que interessado em analisar a máquina que nos conduziria.
Depois de pequeno espaço de tempo, chegamos a Pedro Leopoldo, à frente de sua casa, Zilica. Percebi nitidamente que era madrugada. Olhei o céu estrelado, pensei nas noites em que ficara ao lado de Zeca e de outros amigos em nossas tarefas de assistência e, ansioso por revê-lo, em minha plena consciência, senti uma emoção no peito, como se minha alegria fosse dor, em que a saudade e o contentamento já não fossem sensações que a gente experimenta na Terra. Comecei a chorar de dor, de felicidade, mas Dr. Bezerra de Menezes alertou que, se eu quisesse ver o amigo, enxugasse os olhos e tivesse calma. Procurei refazer-me como um aluno que se envergonha de não estar correspondendo à expectativa do professor. Então, seguimos eu e Dr. Bezerra para a frente.
Passamos por sua casa e, seguindo o orientador, reconheci que ele me levava para a sede do Grupo Scheila.
Entramos. Na pequena construção, várias pessoas — Espíritos amigos — trabalhavam, porém Dr. Bezerra aconselhou-me a não dar atenção a eles e, sim, a Zeca, para que eu pudesse guardar na memória tudo que ele me dissesse.
Zeca estava sentado numa cadeira, sem o paletó — percebia-se que estava bem à vontade. Quando deu com os olhos em mim, notei que a mesma surpresa o dominava, mas, instintivamente — auxiliado magneticamente por Dr. Bezerra, sem que o soubesse — conteve-se e cumprimentou-me sorrindo, com alguma tristeza, mas sorrindo valorosamente.
Sem que Dr. Bezerra me explicasse a conduta que deveria ter, por minhas experiências anteriores, reconheci que deveria proceder com muita discrição e prudência. Não abracei Zeca, como queria, porque sabia que o contato de meus braços o faria sofrer. E pelo seu olhar, concluí que também não me abraçava pela mesma razão.
Disse a ele que me achava fora do corpo, conscientemente, sob a proteção dos bons Espíritos e que desejava expressar-Lhe o carinho de todos nós, seus amigos chocados com sua ausência.
Sentei-me quase junto dele, em outra cadeira. Ele pronunciou palavras de agradecimento e igual carinho. Perguntei-lhe se estava ciente do que havia acontecido. Sorriu-me com o otimismo que nós tão bem conhecemos e afirmou que sim, que sabia de tudo.
— “Chico, você não pode nem imaginar! Eu saí do corpo com violência, assim como uma pessoa que recebe um tiro!… Você já pensou, que coisa esquisita? Como devemos estar preparados!… E por mais que a gente se prepare, a surpresa ainda é grande!”
Entabulamos conversação, que eu percebi estar sob o controle de amigos espirituais, para que ele não tivesse choques. Informou-me que estava ali, no Grupo, em refazimento, e que ainda não tinha se afastado do ambiente das orações e tarefas espirituais para ser preparado, a fim de acompanhar os benfeitores que o assistiam na mudança de plano. Afirmou também estar em plena consciência de tudo e que, dia a dia, notava-se mais leve, de corpo espiritual menos denso, de modo a poder respirar em outra atmosfera.
Perguntei se estava enxergando os Espíritos em tarefas de auxílio e ele informou-me que apenas sentia a presença deles pelo tato, pelas emoções da alma e pelos ouvidos, mas que através dos olhos ainda não. Precisava adestrar mais firmemente os olhos para isso. Indaguei se ele sabia me explicar melhor o assunto, e ele me disse que ouvira a voz de D. Georgina, recomendando calma, que somente as pessoas que ficam acamadas, em maiores dificuldades do corpo, antes da desencarnação, é que podem desfrutar imediatamente de todos os sentidos físicos e espirituais. Sua visão espiritual deveria ser restaurada devagar.
Disse que ninguém no mundo pode avaliar o que seja a alegria de reencontrar os entes queridos depois da morte e o que seja a dor de deixá-los. Que ele não sabia explicar o que era a felicidade de ouvir D. Georgina e sentir as mãos dela o auxiliando, como quando era criança! E nem como explicar o sofrimento de separar-se de você e dos filhos, mas podia afirmar que os amigos espirituais davam-lhe a certeza de que, muito em breve, estaria em espírito junto de você e dos filhinhos, como sempre, para encorajá-los e estar com eles.
Disse estar em orações constantes, rogando a Jesus forças para restaurar-se depressa e sustentar a esposa querida em suas tarefas, sem interromper a união santa em que vocês sempre viveram.
Conversamos muito sobre as sensações e esperanças que estava experimentando. Ele, entusiasmado, me contava tudo o que acontecia e ouvia, desde a separação do corpo. Zeca, em tudo o que me dizia, não estava alegre, nem triste. Estava sereno e nós dois entremeamos a conversa de notas pessoais, discretamente, acerca disso ou daquilo, como sempre ocorria ao trocarmos impressões.
Ele não via o Dr. Bezerra. Este me fez um sinal, como a dizer que meu tempo estava terminado.
Perguntei se desejava algo de mim:
— “Chico, se puder, dê notícias minhas a Zilica. Sei que estamos juntos e que posso falar em nosso Grupo, mas desejo que conte a ela como está me vendo!… Diga a ela que Jesus não há de nos desamparar, que tenha fé e paciência. Que seja forte e que nossas tarefas continuem, é tudo que desejo de coração, porque se Zilica mantiver-se forte e animada, fortaleza e ânimo não me faltarão!… Fale com ela que confio em Deus, que confio nela e em nossos filhos… nossos filhos são bons e vão sustentar nossos ideais, todos serão trabalhadores de Jesus, como têm sido até hoje!… Peça a ela que os abençoe, seja qual for a crença em que estejam e confie neles sempre, como sempre confiei e confiarei! Dê também, Chico, meu abraço a todos os irmãos!…”
Vendo que nosso encontro realmente ia terminar, indaguei-lhe:
— Zeca, e pra mim? Que me fala você? Fale algo que me oriente, que me auxilie! Você está entre os bons espíritos, Zeca, e nós estamos na Terra! Fale algo para mim, que devo carregar minhas faltas e imperfeições, no corpo do mundo!…
Ele sorriu, me olhou, querendo-me abraçar, sem poder, e disse:
— “Chico, nós dois somos companheiros da mesma escola, alunos da mesma lição! Pelas poucas horas que tenho de experiência fora do corpo, digo-lhe que a maior felicidade de alguém é fazer o bem e sofrer com paciência por amor ao bem que Jesus nos ensinou a fazer aos outros! Compreenda sempre que a caridade é a linguagem pela qual as preces das pessoas são ouvidas, quando se dirigem a Deus!… Veja irmãos em todos os lugares, Chico. Nós todos somos filhos de Deus, sem diferenças de religião. Quanto mais se necessita, mais serviço nós devemos prestar. Não perca tempo se magoando! Ninguém ofende porque deseja, e quanto mais a criatura entra no conhecimento de Jesus mais tolerância e amor deve demonstrar! Não tenha medo, siga adiante, fazendo o melhor que puder! Logo que esteja em condições, estarei mais próximo de todos vocês. Confiemos em Jesus!”
Minha garganta estava embargada. Por mais que quisesse falar, não podia. Dr. Bezerra tomou-me pela mão novamente e saímos sem demora. Abracei o protetor querido, como a criança que procura proteção no peito de um pai, e chorei longamente. Vi que ele me conduzia ao corpo, em silêncio e, em poucos minutos, acordei, ou melhor, abri os olhos em meu corpo físico, continuando a chorar de alegria.
Permaneci deitado por mais de uma hora, refletindo na felicidade que a bondade de Deus havia-me permitido de rever Zeca, sob o amparo de Dr. Bezerra de Menezes.
Levantei-me, em seguida.
São quatro e meia da manhã. É o horário em que estou escrevendo estas notas, a fim de dar notícias delas a você, Zilica, e a Luiza, tão logo eu possa datilografar tudo o que está em minha memória.
31 de julho de 1964. n
Chico
[1] No momento em que publicamos estes apontamentos, mais de 361 livros constituíam a literatura psicográfica do médium mineiro, havendo outros 14 livros no prelo, em diversas editoras.
[2] Tenho um acervo muito bonito de experiências nesse campo. Certa vez, presenciei um fenômeno notável de desmaterialização parcial, quando Chico orava com um companheiro.
[3] Lembro-me da ocasião de aparições ocorridas após a materialização de mamãe: José Joaquim da Silva Xavier — Tiradentes. Nina Arueira. Etc.
[4] José Flaviano Machado, o Zeca, foi gerente da Cia. Industrial Belo Horizonte, em Pedro Leopoldo. Minas Gerais. Era o responsável pelos passes no Centro Espírita Luiz Gonzaga. Fundou o Centro Espírita Scheila. Foi um dos grandes amigos de Chico Xavier. Zeca desencarnou em julho de 1964. Sua esposa: Alzira Bahia Machado.
Adolfo Bezerra de Menezes nasceu no dia 29 de agosto de 1831 no Riacho do Sangue, na então Província do Ceará. Dedicando-se ao estudo da Doutrina Espírita foi, em sua época, um de seus maiores divulgadores, tendo sido vice-presidente e presidente da Federação Espírita Brasileira, onde desempenhou o papel relevante de assistência cultural e espiritual. Era conhecido em vida como o “Médico dos Pobres”. Desencarnou no dia 11 de abril de 1900, aos 69 anos de idade, no Rio de Janeiro.
D. Georgina Cândida Machado: mãe de Zeca. Desencarnou em Pedro Leopoldo em 27 de julho de 1936.