1. Nas paragens da erraticidade nem todos os lugares são estâncias de repouso, de aprendizagem ou bem estar. Há regiões obscuras, atopetadas de amargores, formadas pelas consciências polutas que as povoam.
2 Confrangente é a situação das almas sofredoras, que a esses ambientes se destinam, porque viverão com o fruto amargo das sementes que espalharam nos dias de sua temporária vida.
2. Tive ensejo de visitar alguns desses núcleos de prantos incontáveis e amaríssimos; e neles encontrei alguns de meus antigos conhecidos na Terra. Quão dolorosos são os dias que ali pesadamente transcorrem!
2 É, ainda, às impressões arraigadas do corpo físico que se devem esses agrupamentos, onde pululam padeceres de toda espécie, mas que existem sob as determinações de uma lei natural, reguladora dos problemas das compensações.
3. Um Espírito pode beneficiar-se com o que lhe provém do exterior, mas o seu verdadeiro mundo é aquele criado por seus pensamentos, atos e aspirações.
2 O pensamento é tudo.
3 Todas as construções terrenas, todos os portentos, que aí atestam o progresso, são obras do ideal. Nações, cidades, leis, são as exteriorizações dos pensamentos. Também eles são a fonte causal das manifestações do Espírito em outros Planos, onde todas as formas, muitíssimo diferenciadas embora, atestam o ascendente da alma, sua inteligência e seu poder.
4. Nos Planos da erraticidade existem, pois, lugares especificados, onde se aliam os seres cujas mentes se afinam pelo mesmo diapasão. 2 Vivem ali os que se apegaram em excesso às futilidades terrestres, sentindo-lhes desconsoladamente a ausência; os que colocaram acima de tudo as preocupações do egoísmo e da avareza; criando com suas ideias fixas todo um mundo de moedas e de valores fictícios, obsedados pela visão do ouro.
3 No mundo, aqueles que demasiadamente se entregaram aos gozos carnais, somente encontrando nisso o único objetivo da existência, vivem com os reflexos das suas desvairadas paixões, e todos os quadros formados pelas vibrações dessas mentes inferiores e enfraquecidas caracterizam-se por suas densas trevas.
5. Em alguns agrupamentos desses Espíritos, o sentimento de queda é tão pronunciado entre eles que, segundo as crenças que trouxeram de um inferno abrasador, organiza-se em seu derredor todo um amontoado de labaredas apavorantes. 2 Daí provém certas visões mediúnicas na história dos povos, que aludem a panoramas infernais, causa dos temas expostos em muitas oleografias católicas.
3 Amargosas são as desditas dessas pobres criaturas, que não souberam conduzir-se nos labirintos das necessárias provações terrenas, contraindo pesados débitos, cujo penoso resgate lhes acarretará um penoso futuro.
6. Suas exclamações pungiam minhalma, enchendo-a de sofrimentos aspérrimos.
— “Oh! Deus de misericórdia infinita, por que humilhais com tanta dureza o meu Espírito culpado? Que me valeram os títulos da Terra, suas honrarias e distinções? Não já reconheci toda a enormidade dos meus desvios, Senhor?”
Exprobrações como estas eram misturadas com gritos e blasfêmias, ao lado de soluços e de muitas lágrimas.
7. Inquiri, então, ao meu esclarecido mentor sobre a causa desses sofrimentos.
— “Estas regiões, — disse-me ele, — são as que mais se avizinham da Terra e, justamente, sob o que determina o sagrado estatuto da compensação, porque essas atmosferas pestilentas refletem os sentimentos que lá predominam.
2 A inveja, a avareza, a ambição, o sensualismo, campeiam livremente. Todos os seres, que aqui se amontoam, desvairadamente, podem descer até os lugares onde anteriormente viveram apegados a tudo quanto constitui o substractum dos seus prazeres.
3 Não souberam vibrar com os ideais da alma e não quiseram abandonar as ilusões de seus dias terrenos.
4 Vivem com a sua própria angústia, acalentando desejos inqualificáveis.
5 Quanto ao possível perdão de Deus, não se justifica; assim como os insultos e os blasfemos dos homens não o atingem, o Poder Criador não se poderia pessoalizar para conceder beneplácitos.
6 A lei de Deus é sempre o Amor. Amor é a luz que envolve o universo, é o éter vivificador, é a afeição dos Espíritos dedicados, é a alegria dos bons, é a luta que aperfeiçoa.
7 A alma culpada pode, pela súplica, pelos desejos reiterados, reorganizar o seu mundo interior, equilibrá-lo para a obtenção de maior força aos novos propósitos de regeneração e aperfeiçoamento, captando assim, nesse Amor Universal, os elementos do seu triunfo na luta, 8 mas a prece não afasta do caminho aquilo que ela própria buscou com seus pensamentos e atos.”
8. A convite do meu solícito mentor, procurei colocar-me em relação direta com aquelas mentalidades que se debatiam nos sofrimentos.
2 Ah! Vi, então, o deserto em que se experimentam os que viveram na Terra para o seu gozo apenas… 3 Os lagos de sangue em que se asfixiavam os antigos dominadores, responsáveis pela eclosão das mais horrorosas lutas fratricidas. As lágrimas pungentes derramadas pelos traidores, que sacrificaram com suas perfídias os corações sensíveis. 4 Ouvi o gemido de todos quantos haviam prevaricado, fugindo criminosamente ao cumprimento de seus deveres.
5 Senti que o pranto minava dos meus olhos e um mal-estar inexplicável atacou-me; todavia o meu companheiro espiritual arrancou-me dessa penosa impressão, convidando-me para uma rogativa, que elevamos sentidamente a todas as forças benéficas do Universo para que assistissem aquelas almas flageladas nos padecimentos a que tinham feito jus, derramando sobre elas os eflúvios da paz e da resignação, nas suas provas redentoras.
9. Nesse instante em que pedíamos com fervor, vi que um foco de luz atravessava a pesada atmosfera, banhando aquelas frontes imersas no martírio. Nenhuma delas percebeu aquele clarão; somente em alguns notei o eflorescimento de uma estranha ansiedade que representava ligeiro alívio ao mesmo tempo…
2 Escutei, em seguida, o meu guia dizer:
— “Vamos, filha! A nossa prece foi ouvida. Se os sofredores não conseguiram receber seus benefícios imediatamente, pelo estado de dor e de endurecimento em que se encontram, basta, para a nossa alegria, que algumas dessas almas vagamente tenham sentido o sagrado influxo dos nossos apelos; 3 porque hoje, nesses corações que experimentaram o anseio da felicidade e da perfeição, plantamos com as nossas rogativas sinceras os lírios perfumados da paz e da esperança.”
Maria João de Deus