O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Cartas de uma morta — Maria João de Deus


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Reencontrando uma afeição do passado

(Sumário)

1. Muitos encarnados, que têm ouvido as diversas explanações quanto à vida dos Espíritos nos Planos da erraticidade, fazem uma falsa concepção do vocábulo, imaginando que a existência errática das entidades se processa por jornadas intermináveis, sem um objetivo definido, sem uma organização que regule o fenômeno das suas atividades nos Espaços.

2 Essa maneira de encarar a questão não é verdadeira, pois, a vida no Além, decorre em um ambiente que, pelas suas características fluídicas, escapa à vossa compreensão, já que, dentro do vosso meio de matéria muito condensada, vos faltam as leis da analogia para que possais estabelecer uma comparação.


E a vida prossegue sempre


2. Na vida do Espaço, ainda existe a matéria, porém em condições totalmente diversificadas, numa sutileza para nós inimaginável e constituindo verdadeira maravilha a sua adaptação à vontade dos Espíritos.

2 Lá, também, a sociedade se organiza, as suas leis predominam, as famílias se reúnem sob os imperativos das afinidades naturais, luta-se, estuda-se, no amálgama dos sentimentos que caracterizam o homem racional.

3 Em outras modalidades, pois, a vida prossegue e a única diferença é que a alma desencarnada não se vê tão compelida ao cansaço, em razão dos elementos da matéria rarefeita. 4 Isso quanto às regiões da erraticidade, porque nos outros orbes, a existência segue o seu curso, de acordo com as suas modalidades específicas submetendo-se o “Eu” a essas forças diversificadas, como, por exemplo, na Terra nos sujeitamos às suas leis físico-químicas.


Meus pulmões respiravam e meu coração pulsava


3. Em minha condição de alma pouco evolvida iniciei, pois, a vida de após a morte, nesse ambiente do Espaço, que descrevi nas páginas anteriores. 2 Decorrido o tempo inolvidável em que divisara a figura sublime daquele mentor espiritual, que viera caridosamente balsamizar as minhas feridas e as daqueles que formavam a grande turba de meus companheiros pela saudade e pelo sofrimento, embora me sentisse relativamente feliz, pressentia o coração pungido pela angústia da distância, que me separava do mundo que eu deixara. 3 Os laços afetivos, os hábitos, os pequeninos nadas de minha existência estavam inteiramente comigo…

4 Um dos meus primeiros pensamentos de estranheza foi o de compreender que havia morrido e, ao mesmo tempo, conservar o meu corpo, o qual, segundo o bom senso, fora entregue à Terra. 5 Constatei que os meus pulmões respiravam e o meu coração pulsava com absoluta normalidade.

6 Tais pensamentos afligiram-me. Preocupava-me, apenas, o isolamento em que me encontrava naquele ambiente, para o qual fora arrebatada sem um preparo prévio. 7 É verdade que me via envolvida numa onda de simpatia por parte de quantos se abeiravam de mim; todavia, a minha angustiosa estranheza crescia a ponto de me fazer chorar.


O guia invisível


4. Nesse ínterim, elevei fervorosamente a minha prece a Deus, ouvindo, em resposta, a voz de um ser que me elucidava:

2 — “Maria, minha filha, estás ingressando na existência real. Esquece tudo quanto se relaciona com os teus dias na Terra e busca atenuar a saudade que te calcina, porque as portas do teu lar terreno fecharam-se com os teus olhos.

3 “Por enquanto não me podes ver, porém, fui aquele que te orientou em meio dos labirintos do planeta que abandonaste. Eu era a voz que falava à tua consciência nos instantes difíceis e fui o Cireneu que te amparou nos amargos transes da morte! Acompanhei os teus passos quando te afastaste das trevas do sepulcro, e a minha mão estava unida à tua quando erravas na obscuridade da incompreensão.

4 “Desde o momento bendito que entendeste em verdade a tua situação, tenho espargido claridades sobre a tua razão e sobre a tua fé. 5 Fazes bem em te voltares para Deus nas tuas dolorosas conjeturas. Os pensamentos da criatura, concentrados nele, em seu poder misericordioso, organizam as faculdades espirituais, convergindo as suas possibilidades para maior potência do raciocínio e do sentimento, atributos sublimes da existência das almas. 6 O teu corpo, cuja organização te infunde a mais profunda estranheza, é o envoltório de matéria quintessenciada, que constitui o invólucro sutilíssimo do Espírito.

7 “Impressiona-te o fato de haveres abandonado a forma corporal, conservando outra idêntica; é que não foste bem esclarecida sobre o problema do organismo espiritual, que, tomando as células vivas no imenso laboratório das forças universais, compila o conjunto de elementos preciosos à tua tangibilidade no orbe terráqueo. 8 O teu corpo material constituía somente uma veste que se estragou na voragem do tempo. Considera essa verdade para que te escudes no necessário desapego das coisas mundanas.”


Os pais da Terra não são os criadores e sim os zeladores


5. — “E meus filhos?” — Inquiri mentalmente comovida, entre prantos.

2 — “Ah! compreendo, — murmurou o meu guia invisível, — as tuas hesitações e escrúpulos… Louvo a afetividade do teu coração amoroso e sensibilíssimo, porém, faz-se mister que tudo encares sensatamente, aceitando com resignação os ditames da vontade divina.

3 “Aqueles a quem emprestaste o potencial das tuas energias orgânicas e que representavam, como teus filhos, o grande tesouro de amor do teu coração, são, como somos, as criaturas do Pai de infinita misericórdia. 4 Os pais da Terra não são criadores e sim zeladores das almas, que Deus lhes confia no sagrado instituto da família. Os seus deveres são austeríssimos, enquanto é do alvedrio superior a sua permanência na face do globo; mas, aquém das fronteiras da carne é preciso que considerem os filhos como irmãos bem amados.

5 “É necessário, também, que se alheiem às suas lutas e dores, porque o trabalho e o sofrimento são leis imperantes no planeta, em prol do seu próprio resgate e redenção psíquica. 6 Nem todos sabem cumprir as obrigações paternais e eu te felicito pelo constante desejo em bem cumpri-las. Se bem souberes proceder dentro da nossa grande família das almas, ser-te-á permitido velar pela tua pequena família humana, no minúsculo recanto da terra em que viveste.

7 “Vence, pois, o teu mal-estar interior como tens triunfado das mais rudes provas morais!…”


Perturbadoras perguntas


6. Escutei enlevada aquela voz dulcíssima, que me embalava com as suas tonalidades maviosas e enxuguei as lágrimas, sentindo-me mais disposta a arrostar a minha nova situação.

2 — Ao meu lado inúmeras almas se conservavam silenciosas, abatidas, e outras retiravam-se em companhia de Espíritos fraternos. Acudiram-me, então, ao cérebro, esvaído pelo acúmulo de emoções, as mais perturbadoras perguntas.

3 — Eu estaria ali sozinha, em relação aos seres amigos que me haviam precedido no Além? Não poderia reconhecer uma das antigas afeições da Terra? Antes do meu regresso às paragens siderais, não havia voltado à elas quem fora a minha idolatrada mãe?


Minha mãe, a grande consolação


7. Entregue a essas amargas inquirições, vi-me pequenina e senti a sensação das lágrimas maternas orvalhando as minhas faces. 2 — Recordava-me dos menores detalhes do lar, quando experimentei sobre os ombros o contato de veludosas mãos. Ergui repentinamente o meu olhar e, — oh, maravilha! — vi minha mãe a contemplar-me com a melhor das expressões de ternura e amor.

3 Como me senti recompensada, nesse momento inesquecível, de todos os infortúnios que houvera sofrido! Uma inexprimível sensação de júbilo dominou-me a alma ao recordar os amargores da Terra longínqua, pois, nesse instante, toda a minha existência estava concentrada naquela afeição, reencontrada para a ventura imortal.

4 Eram os meus temores, as minhas esperanças, os meus afetos, a minha longa saudade; enfim tudo ali estava nos meus prantos de intensa alegria. E aquele ente querido, que na Terra para mim fora o anjo de amor maternal, também se sentia sob o império de grande emoção. Compreendi que os nossos Espíritos de há muito se haviam unido na milagrosa teia das vidas sucessivas, e caí-lhe nos braços amorosos, misturando os soluços de nossos sentimentos.

— “Minha mãe, — consegui dizer, — poderá haver maior felicidade do que esta?…”

5 Percebi, a seguir, que era envolvida na onda simpática do seu caricioso olhar, ao mesmo tempo que lhe ouvi a voz repassada de infinita doçura:

— “Maria, estás fatigada pelas emoções consecutivas… Vem descansar um pouco ao meu lado, aqui, filha, junto ao meu coração!…”

6 Ah, minhas pálpebras, então, cerraram-se para o sono brando e tranquilo e adormeci como um pássaro minúsculo, que repousasse, sob a proteção carinhosa de grandes asas…


Maria João de Deus


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