1 Eu ainda não me habituei com o meu problema. Elvira é uma santa, protege muita gente, mas eu não consigo bendizer o meu novo corpo, de vez que não tenho forças para as disciplinas necessárias.
2 Diz o Dr. Orlando que o meu corpo aqui ainda está parecendo máquina emperrada pela falta de coragem com que encaro as transformações às quais devo me habituar para readquirir a minha antiga forma; no entanto, estou como estava. Sou inimigo de cemitérios e não sei como agiria se houvesse sido conduzido por vocês às cremações.
3 Sei apenas que a minha vida foi feita de trabalho duro, para criar vocês, os meus queridos filhos, e não voltei assim tão velho para cá porque ainda me via dono de muita força para trabalhar.
4 É para vocês observarem: os supostos mortos são iguais aos vivos imaginários. Os vivos imaginários sabem que vão morrer e parece que ficam satisfeitos em refletir no sono que precisarão enfrentar; entretanto, lá vem um dia em que exigem o corpo de novo e ei-los irritadiços e revoltados.
5 Os supostos mortos, segundo creio, em grande percentagem querem o corpo em que viviam, mas já não desconhecem que isso é impossível e grande parte não tem outro assunto senão as reivindicações a que se sentem com direito.
6 Há dias em que me creio no purgatório de que nos fala a religião tradicional e considero seriamente a minha posição, mas se sou assim como sou, não posso ser o que os outros querem que eu seja.
7 Digam a todos que estou no mesmo pé-de-valsa. Rodando sem sair da faixa de espaço que me serve de residência. Não digam, meus filhos, que a minha teimosia é um mal contra mim mesmo. Deixem-me na intransigência em que sempre vivi e vamos para a frente. Espero que vocês atravessem os dois mil e vivam aí por muitos e muitos anos.
Carmelo Grisi
(26.11.1988)
ELUCIDAÇÕES
A insistência com que Carmelo fala de seu problema é um aviso, um alerta, com objetivo certo para atingir o alvo certo: as pessoas inconformadas com a vida. Em nossas idas a Uberaba temos visto centenas delas, principalmente as que perderam entes queridos: mães e pais desesperados; avós inconsoláveis; irmãos, namorados e amigos traumatizados e amargurados, todos sofridos, enfrentando crises existenciais, sem o conhecimento da Doutrina Espírita.
Chegam até ao Chico na esperança de obter uma notícia, uma mensagem que comprove a existência do ente amado, além da esfera física. E deduzem que sendo isso verdade, gostariam de estar junto dele, deixar este mundo, depois de ter recebido tão rude golpe, quando amavam tanto a vida e se sentiam seguros e felizes. Só agora veem o quanto foram felizes! Agora, depois da dolorosa separação que lhes traz a sensação do vazio, o vácuo de ser sem o outro ser…
E o Chico, com sua equipe de abnegados colaboradores ouve o clamor de seus corações que parecem arrebentar de tanta angústia.
Muitos, ao permitir que a Luz do Evangelho lhes banhe a alma sofrida, ali mesmo se acalmam. Recebem a Boa Nova do Mestre Jesus, pregada e vivida em sua simplicidade por aqueles que abraçaram o Espiritismo e fazem dele a principal meta de suas vidas. Voltam para as suas cidades e retornam às suas atividades, fortalecidos e dispostos a enfrentar seus problemas, pois contam agora com o apoio do Mundo Espiritual e se amparam na Doutrina dos Espíritos, fonte inesgotável de esclarecimentos e consolações.
Já não são mais “vivos imaginários”. Carmelo compara-se aos supostos mortos. Em tom brincalhão, evidencia, como, aliás, o faz em todas as suas mensagens, as dificuldades de readaptação no Além.
No entanto, reconhece que é chegado o momento de transferir-se de vez para o Lar Maior onde vivem Elvira e tantos amigos.
Reintegrar-se aos planos de trabalho, compreender-se melhor, são algumas das tarefas que o esperam, tão-logo abdique da admitida condição de suposto morto.
“Na hora da tempestade as aves experientes não mudam de ninho.”
Carmelo Grisi
Gerson Sestini