1 Por aí, prega-se muito sobre as virtudes da morte, mas os amigos reencarnados lançam suposições excelentes, às vezes, em pleno desacordo com a verdade.
2 É preciso muita mudança para que venhamos a atravessar o rio da vida de um lado para outro. 3 Temos preleções, contatos, instruções especiais e outras práticas de espiritualidade, mas burro velho não toma freio e nessa condição estou caminhando para diante com lentidão de uma tartaruga.
4 Ainda na semana passada, fomos, um grupo de Votuporanga, a Rio Preto, ouvir uma dissertação do Monsenhor José Rodrigues Seckler, † antigo instrutor de desencarnados, em Rio Preto.
5 O conferencista pintou a Terra por um mundo de delícias. Falou na beleza do planeta e nas oportunidades de trabalho que ele nos oferece; entretanto, comecei a me sentir mal porque ele exigia que nos manifestássemos felizes e dignos da Casa Terrestre que havíamos deixado.
6 Quando se referiu à excelsitude dos ensinamentos de Jesus para os homens e a grandeza do Mestre Divino, em todos os seus passos na Terra Santa, o Capitão José Mendes de Oliveira que se acomodava junto de mim com a mãezinha dele, Dona Ana América, com velada ironia, me falou sussurrando: “— Carmelo, se a Terra fosse tão boa e agradável como se mostra nas palavras do expositor, estaríamos por lá num paraíso.”
7 E porque a mãezinha lhe chamasse a atenção, respondeu com bom humor: “— Se a Terra fosse o mundo maravilhoso que o mentor apresenta, com certeza Jesus, apesar de crucificado, viria logo, em triunfo, morar nela e isso não aconteceu.”
8 Eu ouço as referências e ando cabreiro. Estou balançando, gosto demais dos filhos queridos para me esquecer daí; no entanto, não me sinto bem aqui, já que vocês me faltam. Estou psicado. Creio que em breve estarei na direção de consulta aos instrutores especiais que, segundo se afirma, nos repõem no lugar certo.
9 Os amigos me reconfortam e me reerguem as forças, falando de trabalho e de paz; no entanto, de trabalho cheguei por aqui muito cansado para servir de exemplo e paz não conheço nem aqui, nem aí. Dizem que devemos construí-la por nós mesmos, mas é muito problema para fazer a cabeça.
10 Começamos os ensaios de paz, no entanto, ao chegar uma notícia desastrosa; temos informações de amigos que estão atravessando pesadelos duros de suportar e o remédio é aceitar a luta. Eu penso que nem os anjos encontraram a paz, porque se estão ouvindo as nossas petições, bastará isso para que vivam apreensivos quanto a nós todos, os encarnados e desencarnados.
Carmelo Grisi
(16.04.1983)
ELUCIDAÇÕES
Carmelo chama-nos a atenção para os enfoques que se dão para nossa permanência no Plano espiritual e no Plano material. Eles podem ser contraditórios, exagerados e até errôneos.
Conta-nos de uma conferência do Monsenhor Seckler nos campos espirituais de Rio Preto e refere-se ao Capitão José Mendes de Oliveira que fora o primeiro Juiz de Paz daquela cidade, com projeção política na época em que lá vivera. O clérigo fora pároco de Rio Preto em 1914, portanto, contemporâneo do Capitão Mendes de Oliveira.
O incidente que se segue sobre a crítica feita pelo capitão ao pé do ouvido de Carmelo retrata bem a posição que ocupara naquela comunidade como juiz e líder político, portanto, um observador sagaz, sempre atento às argumentações e pronto a colocá-las devidamente nos trilhos do raciocínio correto. A figura materna dá-nos a impressão de um espírito mais lúcido, ajudando-o na nova fase existencial.
Carmelo enfatiza a situação dos encarnados que valorizam as virtudes da morte, sem imaginar as lutas para a adaptação no Além, enquanto que desencarnados gozando já de melhores condições como o sacerdote, podem cair em exageros ao pintar a Terra como um mundo de delícias.
Confessa-se cabreiro e psicado, isto é, desconfiado e perturbado com o que ouve e vê; sente-se inseguro, balançando entre dois mundos, típica situação por que passa a maioria dos espíritos na fase adaptativa após o desencarne. Fala-nos de uma consulta com instrutores especiais para se reequilibrar. Isso de procurar especialistas era muito dele, Carmelo. Tinha sempre uma lista de médicos em São Paulo para as diversas moléstias e indicava-os dizendo: “É um colosso”!
Por nossa vez, observamos que as melhoras não são contínuas na série de desequilíbrios desencadeados com a desencarnação. Existem recaídas e retomadas, tal qual ocorre na convalescença das doenças do corpo físico até o recobro total da saúde.
Às sugestões de iniciar trabalhos e ensaiar a pacificação íntima, faz observações jocosas demonstrando a relatividade das coisas. A seu ver, a construção de paz por nós mesmos é demorada e sujeita a interrupções pelos acidentes do caminho.
Com essa argumentação, conclui que os anjos que trabalham para atender as petições dos encarnados e desencarnados também não poderiam ter paz, pois estariam sempre apreensivos por nossa causa.
Gerson Sestini