“NÓS NÃO SOMOS CORPO, SOMOS ESPÍRITO QUE USA O CORPO.”
1. Presença n — Como você consegue viver com essa falta de saúde, os sofrimentos físicos e ainda manter a paciência e o bom humor?
Chico X. — Nós não somos corpo, somos Espírito que usa o corpo. Eu compreendo que aos 77 anos de idade, não posso ter um físico de 20. Eu estou doente pelo desgaste, pelo tempo. Dias atrás, um rapaz em Sorocaba parou o carro na rua e me perguntou: “Seu Chico Xavier, o senhor está doente?” Eu confirmei que tinha estado doente e ele continuou: “Que doença é a sua?” Eu falei: “São 77 anos”.
2. — Chico qual a pergunta que você gostaria de responder que nunca lhe foi feita?
Chico X. — (risos) Esta me matou… (risos). Nunca me fizeram esta pergunta. Vocês querem que eu responda?
3. — Queremos.
Chico X. — Vocês querem que eu responda sobre felicidade? Há pouco tempo um repórter gaúcho esteve aqui e me perguntou se eu era feliz. Respondi: “Sou muito feliz, porque tenho muita fé em Deus, muitos amigos e posso trabalhar, pouco, mas posso”. Já trabalhei no Ministério da Agricultura, sou aposentado há muitos anos e para mim o ano bissexto tinha 366 dias, porque a gente trabalhava num domingo para ter descanso no outro. Então sempre fui muito feliz, pois quanto mais você sofre, se é para o bem, isso é melhor. Eu tenho muitos amigos, eles sofrem e eu sofro com eles. Eu tenho parentes que sofrem, e tenho que sofrer; tenho quatro irmãs viúvas, tenho que sofrer com as lágrimas delas, embora nada tenha de comum com os maridos que elas perderam. E aquele repórter voltou a insistir: “E a outra felicidade? A felicidade, como a gente consegue?” Aí calei: “Se a pessoa vive numa festa, feliz em meio a coisas tristes, parece viver a felicidade dos bobos.”
4. — O povo está muito nervoso. Se você for passando na rua e alguém lhe jogar uma pedra dizendo “é aquele ali”, o povo lincha. Em síntese, todos estão sofrendo muito. Como você acha que ficará o país?
Chico X. — O desespero é uma doença. E um povo desesperado, lesado por dificuldades enormes, pode enlouquecer, como qualquer indivíduo. Ele pode perder o seu próprio discernimento. Isso é lamentável, mas pode-se dizer que tudo decorre da ausência de educação, principalmente de formação religiosa.
5. — Você irá a Goiânia neste Natal?n
Chico X. — Pretendo ir. Nós temos tantos amigos na Colônia Santa Marta que cada vez que eu vou, me envolvo em dois sentimentos contrários: a alegria de abraçar os que ainda encontro vivos e a tristeza de lembrar dos que eu já não posso encontrar mais. Mas se Deus quiser, eu irei a Goiânia visitar a Colônia Santa Marta. Porque eu não iria lá para visitar a Academia Goiana de Letras…
6. — Por que não? Você já escreveu mais de 300 livros…
Chico X. — Eu respeito demais a literatura goiana e tenho uma admiração profunda pelas escritoras Rosarita Fleury e Nelly de Almeida. Admiração nascida do íntimo. O que eu poderia apresentar de novo na terra de Bernardo Élis? Mostrar um corpo que já está capengando, mostrar uma ruína humana? Há pouco tempo, um jornalista me disse: “Eu estou te procurando há quinze dias e somente agora te achei; mas achei uma ruína humana”. E eu falei: “Graças a Deus, porque o senhor me coloca no meu lugar próprio.”
7. — Qual dos seus livros você mais gosta? Paulo e Estêvão?
Chico X. — De todos, o que eu prefiro é Paulo e Estêvão. Mas há um livro que me fala muito ao coração. É o Boa Nova, do Espírito de Humberto de Campos. São palestras de Jesus com os apóstolos.
8. Como você vê o papel da imprensa?
Chico X. — A imprensa é a grande comunicadora. Sem a imprensa nós estaríamos em colinas e morros, com muito pouca diferença dos índios e primitivos. Agora, eu creio que a imprensa consciente deveria formar um conselho com seus próprios elementos, os mais responsáveis. Uma cúpula de seis homens ou mulheres para criticar e criar normas éticas. Somente assim se evitariam estes desatinos que nós estamos vendo. A censura oficial é inconcebível. Se a imprensa tivesse um conselho próprio, fora da autoridade ditatorial dos governantes, seria modificada para melhor.
9. — O clima no Brasil é de desesperança. Nós somos lesados num lugar e desistimos de brigar, porque “todo mundo tá roubando mesmo”. Ou então, nós mergulhamos na letargia, e justificamos: “A minha vida está boa, por quê arrumar confusão para ajudar os outros?” “Eu pergunto, como se pode conciliar o espírito cristão de solidariedade com o pacifismo que Cristo pregou, mandando oferecer “a outra face”?
Chico X. — Eu dou assistência a companheiros da periferia que sofrem grandes dificuldades. Sei que Uberaba é muito rica, mas nunca fui à casa de ninguém pedir nada. Levo o que tenho, ou aquilo que me colocam nas mãos. Então, conversando com irmãos em penúria, procuro amenizar a revolta deles, e não aumentá-la. Se a criança está doente e eu posso dar um remédio que não dependa de uma autoridade médica, faço o possível. Se o indigente morre e seus parentes não querem que vá para uma sala de anatomia, providencio o enterro. Agora, se nossos governantes tivessem amor e espírito de compreensão por seus governados, tudo seria modificado. Mas isso teria de começar de cima. Alguém me perguntou: “Chico, a assistência é serviço do governo. Por que você dá assistência”? Respondi: “Dou assistência como a pessoa que vê a casa do vizinho incendiada e, até que o corpo de bombeiros apareça, a casa já se foi (risos). Então, pelo menos um balde d’água eu tenho que carregar, não é?
10. — Lá na revista, a gente cultiva a mania de falar e escrever a verdade. Nós devemos mudar isso?
Chico X. — A verdade é um veneno, nem Jesus Cristo quis defini-la. Quando Pilatos perguntou a Ele o que era a verdade, Ele ficou em silêncio. Se formos falar a verdade, na vida social, nós seremos considerados indesejáveis e loucos. Então eu acompanho a “avenida do contorno”. Começam a falar coisas pesadas, e eu respondo assim: “Bem, mas nós podemos estudar melhor a questão. Vamos analisar de outra forma.” Me perguntam qualquer coisa sobre as autoridades que estão governando o Brasil, eu não vou encontrar meios de defendê-las, mas explico… eles estão fazendo o possível…”
11. — Quer dizer que seu conselho é moderação e bom humor?
Chico X. — Isso mesmo. Nós precisamos do humorismo, ou entraremos num tal clima de tensão que nós, (como a Consuelo, muito bem afirmou), seremos considerados loucos. Muita gente diz: “Não se sabe se Chico é católico ou se é espírita”. Por que eu vou hostilizar a religião católica, que é a minha mãe espiritual? Eu não posso. Eu sou espírita há muito tempo, para ter esta pretensão e esta disposição de ir contra as ideias que minha mãe me deu, e que me servem até hoje. Ela me ensinou a pronunciar o nome de Deus ajoelhado. Olha, para pronunciar o nome de Deus de joelhos dói pra chuchu. Eu estou com este joelho doendo. Certa vez um irmão chegou aqui. Eram cinco horas da manhã, ele falou: “Você me desculpe por eu ter chegado a esta hora tão tardia”. E eu disse: “Não, você chegou muito cedo, pois o dia está amanhecendo.” (risos). Cristo não pediu muita coisa, não exigiu que as pessoas escalassem o Everest, ou grandes sacrifícios. Ele só pediu que nos amássemos uns aos outros.” ( † )
Chico Xavier
[1] (Esta entrevista foi publicada pelo Anuário Espírita de 1993, Órgão do IDE (páginas 102 a 106), e é uma transcrição parcial da entrevista concedida por Chico Xavier aos jornalistas Consuelo Nasser (Presença) e Batista Custódio (Diário da Manhã). Revista Presença, Ano II, nº 14, Goiânia, GO, 1987)
[2] Por ocasião deste Natal, quando tradicionalmente Francisco Cândido Xavier visita na Colônia Santa Marta o leprosário de Goiânia, uma surpresa lhe estará reservada. Por sugestão das acadêmicas Rosarita Fleury e Nelly Alves de Almeida e aprovado por unanimidade em outubro último, a Academia Goiana de Letras — AGL — conferiu a Chico Xavier, o título de membro honorário e correspondente da AGL em Uberaba.
A homenagem foi concedida porque o escritor mineiro, com a humildade e a simplicidade que lhe são características, já escreveu mais de 300 livros, traduzidos no mundo inteiro. Além disso, suas obras apresentam uma visão nova das pessoas e do mundo, através de uma refinada sensibilidade literária. (Nota da Revista Presença.)