O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Coisas deste mundo — Cornélio Pires


Introdução

O momento da criação

O volume que temos à mão não é, exatamente um livro. É antes, o desenho de produção, em moldes cinematográficos, de ideias de filmes versando sobre a reencarnação.

É uma tentativa pioneira, tanto no que tange ao Espiritismo, quanto a bibliografia em geral e a comunicação de massas.

Sua história?… Curiosa, quase fantástica.

Através da psicografia de Francisco Cândido Xavier, o Espírito de Cornélio Pires nos enviava um material que, aparentemente, não passava de uma série de quadros sobre a reencarnação.

Examinando-os detidamente, uma grande surpresa se apossou de nós. Uma luz vermelha se acendeu. Havia algo ali!

Com extrema habilidade e um malabarismo surpreendente de síntese, Cornélio Pires construíra as quadras de modo que, duas das primeiras linhas, relacionavam-se à CAUSA; as duas seguintes, ao EFEITO, nos parâmetros da Lei da Reencarnação.

A elaboração, — como se pode ter uma ideia, — implica um trabalho intenso por parte do autor espiritual, que desenvolve os seus temas em 147 quadrasn divididas em nada menos de 24 capítulos variados, n todos eles no esquema palingenésico.

A surpresa não é menor, mesmo sabendo-se que Cornélio Pires, encarnado, foi um autor de sínteses sumaríssimas. Não foi romancista; não possuía estrutura de ficcionista. Era um autor de narrativas curtas. Não obstante, dele não se pode dizer que tinha imaginação escassa. Pelo contrário! Este volume prova em seu favor.

Não foi fácil, com quatro sucintas linhas, oferecer, visualmente, os lances propostos, os flagrantes da AÇÃO, imediatamente seguidos pelos da REAÇÃO.

Mas, obviamente; era isso que o Espírito propunha.

Ele oferecia, versificada, uma espécie de sinopse do “script” e, a nós outros, cabia situar os personagens em suas paisagens, dar-lhes as roupas das épocas ou situações, levantar cenários para o lance a ser representado, e, finalmente, apropriar os diálogos que seriam trocados através do recurso já clássico dos “baloons”.

Em cada quadra, necessariamente, os intérpretes deviam ser vistos duas vezes: na AÇÃO e na REAÇÃO.

Em termos de comunicação de massa, a obra é um achado.

Em cada trova, espécie de telegrama rimado, há levado à perfeição, o cuidado na objetividade da mensagem folk-comunicada, a tentativa de, — sem nenhum processo de deformação, — integrá-la ao pensamento e à necessidade do leitor.

Tido hoje como “o pioneiro do folclore paulista”, denominado sociólogo e até mesmo antropologista cultural, não possuía, na realidade, formação universitária.

Leva, contudo, enorme vantagem até mesmo em relação a muitos vultos do sofisticado folclore da atualidade, donos de vários idiomas e de vastas estantes especializadas.

Encarnado tinha as virtudes indispensáveis à frequência íntima com a gente do mato. Entrava nos casebres, pescava, tomava café, jogava truco, proseava, penetrando sorrateiramente na sociedade caipira, hoje em decadência, mas esplêndida de vitalidade naqueles dias.

Se fosse um elegante folclorista da atualidade, os caipiras o receberiam com hostilidade passiva, fechar-se-iam como sensitivas, escondendo do intruso o seu viver, seus hábitos e costumes.

Cornélio Pires igualava-se a eles. Era o Nhô Cornelo. O poeta era um notável observador, arguto, dotado de extraordinária memória verbal e visual, um pintor sem pincel. Enquanto caçava, dançava e proseava, ia anotando mentalmente tipos, mímica, canções e desafios, lendas, processos de cultura agrícola, costumes, festas, tradições, paisagens, superstições, as dores e alegrias dos João Matoso, das Nha Maricas, dos Zé Bino que emergem, da sua “Enciclopédia de Anedotas e Curiosidades”, na obra psicografada.

Isso prova enormemente em favor da psicografia de Francisco Cândido Xavier.

Por detrás de cada quadra, ilustrada ou não, de cada “anedota palingenésica”, há uma soma de proposições de primeira ordem, visando, ao mesmo tempo, — com recursos intelectuais e gráficos, o entretenimento e a educação do espírito.

Cornélio Pires, mais uma vez, transmite coisas simples e úteis, visando o bem-estar do homem, prevenindo-o contra as adversidades, anunciando-lhe bons tempos para os empreendimentos.

Encarnado, o que lhe faltava em cultura e sobrava-lhe em capacidade de ver, desponta agora, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, propositadamente sem a erudição da Terra, — flecha de curto alcance, — em naturais advertências, inteligentes e lúcidas.

Desencarnado, o que viu e levou desta crosta, não se desfigurou. Não tem, como não teve, intenções satíricas ou mordazes; ama tão profundamente quanto amou . Compreende tanto quanto compreendeu. Mas o que se potencializou foi o seu poder de fixação da alma humana em seus tipos, sobretudo na cultura caipira, só que, no momento, sob o microscópio da reencarnação.

Já em outras situações, igualmente pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, ele enfrentou temas da sobrevivência humana. Em “O Espírito de Cornélio Pires”, 1965, edição da FEB, — conforme apreciação do escritor, Dr. Elias Barbosa, — a sua… “tônica principal é o combate à avareza, descrevendo Cornélio, para tanto, autênticos personagens que poderiam competir com um Harpagon,  de Moliere, ou um Pai Goriot, de Balzac”.

Não é um filósofo reencarnacionista, — este é  um título que ele recusaria. É o folclorista da reencarnação — sem diploma.

Ainda recentemente, pelo Suplemento Literário  de “O Estado de São Paulo”, o escritor Macedo Dantas perguntava:   “Esse Cornélio Pires não está superado? Não  era um mero contador de anedotas cuja graça a  morte diluiu?” 

Cornélio Pires não morreu e sua graça não se  diluiu.

Se por folclore entendermos o estudo e conhecimento das tradições de um povo, expressas nas  suas lendas, crenças, canções e costumes, sendo a  reencarnação convicção da maioria dos brasileiros,  Cornélio Pires completa e aglutina, preenchendo  uma lacuna.

Sendo assim, esta obra estabelece algo de novo no inédito em que consiste: a vinculação estreita entre o Espiritismo, o folclore e a comunicação  de massa em nível popular, em um tipo de transmissão de noticias e expressão de pensamento que,  hoje, com muita propriedade, podemos denominar  folk-comunicação, definindo-a como “o processo de intercâmbio de informações e manifestação de opiniões, ideias e atitudes da massa, através de agentes e meios ligados direta ou indiretamente ao folclore”.

Acreditamos que a obra, agora editada, graças à técnica empregada, — cenários inspirados na própria obra de Cornélio, figuras de almanaque, — possa ser compreendida por olhos que não veem o cinema, por lábios de quem jamais, talvez, chegou ao quarto ano primário, sentidas pelos insensíveis às linhas e nuanças da arte dos salões e galerias.

As mensagens transmitidas por este processo comunicativo, singular, poderão produzir os mais decisivos efeitos no ânimo e no comportamento da massa, apática às solicitações do jornalismo e da literatura ortodoxos.

Há, ainda, uma outra preocupação: demolir os terrores que, em alguns espíritos, desfiguram o processo reencarnativo. Cornélio Pires chega mesmo, por vezes, ao primor de torná-lo engraçado e pitoresco. Brincando, desmoraliza o aspecto de castigo, que a tantos aflige, modificando-o em abençoada alavanca do progresso sem fim do ser humano.

Com relação à alimentação na roça, — nesta obra há inúmeras citações, por exemplo, quanto à mandioca e à berinjela, — na obra de Cornélio Pires encarnado, a informação é tão rica e surge tão espontânea, que Antônio Cândido valeu-se do material em “Parceiros do Rio Bonito”, anotando que… “ele descreve os recursos virtuais do homem rural sem considerar a sua classe nem as possibilidades, o cardápio compatível com o momento, a situação financeira, o lugar”.

E a lição da reencarnação estará introjetada na compreensão filosófica popular.

Todo o esforço foi feito neste sentido.


Wallace Leal V. Rodrigues


Araraquara, 1977.



[1] No livro impresso: “143 quadras.”


[2] Somente no livro impresso; nesta versão digital todas as trovas foram reunidas em Capítulo único.


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