O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Contos desta e doutra vida — Irmão X


32

Um desastre

I

1 Duarte Nunes enriquecera. Duas grandes farmácias, muito bem dirigidas, eram para ele duas galinhas de ovos de ouro. Dono do próprio tempo, não sabia usá-lo da maneira mais nobre e, por isso, estimava nas grandes emoções suas grandes fugas.

Corridas de cavalos, corridas de automóveis, concursos de lanchas…

2 Entusiasta de todos os esportes. Gastador renitente.

Apesar disso, era bom esposo e bom pai. De vez em vez, levava os filhinhos, Marilene e Murilo, às brigas de galos. O belo casal de garotos, porém, não gostava. Marilene voltava o rosto para não ver, e Murilo, forte petiz de quatro anos, chorava desapontado.

3 — Poltrão! — Dizia o pai, com adocicada ironia. E colocava os dois no carro para longo passeio. A esposa, muitas vezes presente, rogava aflita: “Nunes, mais devagar”. Ele, porém, sorria, sarcástico, e dava largas ao freio. Sessenta, oitenta quilômetros…

4 Noutras circunstâncias, era Elmo Bruno, o amigo inseparável, que advertia, quando o carro de luxo parecia comer o chão:

— Não corra assim tanto… Olhe os pedestres!

— Que tenho eu lá com isso?

5 E Bruno explicava:

— Há pessoas distraídas, e crianças inconscientes. Nem sempre conseguem, de pronto, ver os sinais…

Duarte encerrava o capítulo, acrescentando:

— Rodas foram feitas para rodar. E depressa.

6 De outras vezes, era o próprio pai dele a aconselhá-lo, enquanto o veículo parecia voar:

— Meu filho, é preciso prudência… O volante pede calma… Penso que, além dos quarenta quilômetros, tudo é caminho para desastre …

— Frioleiras, papai, — respondia Nunes, bem humorado, agravando o problema.

Sempre que exortado, corria mais.




II


7 — Meninos de apartamento, aves engaioladas! — Dizia a mamãe Duarte Nunes, abraçando os netos.

— Então, — disse o pai, sorrindo, — preferem vovó?

— Sim, sim…

8 Decorridos minutos, saem todos na manhã domingueira.

Dona Branca desce com a nora, amparando as crianças, ao pé da própria casa a pleno sol de Ipanema e declara:

— Nossos pássaros prisioneiros querem hoje a largueza da praia. Vamos respirar… — Riram-se todos.

9 E o auto, conduzindo Nunes e Elmo, saiu em disparada.

Mais tarde, Petrópolis.

Amigos improvisavam corridas de bicicletas. Bandeirinhas. Anotações. Relógios em massa. Homens magros, pedalando, ansiosos e, por fim, o ágape em hotel serrano, sob árvores farfalhudas.

10 Ao virar da tarde, o regresso.

Todo o Rio inda vibra de sol.

— Porque não buscar, primeiro, a cerveja pura e gelada, em Copacabana? — Perguntou Nunes, contente.

O carro devora o asfalto.

— Devagar, devagar… — Pede o amigo.

11 Depois da cerveja, o retorno a casa. Nunes inicia a marcha, como quem decola.

— Devagar, devagar — roga o companheiro. Ele ri. Desatende. A poucos minutos, ambos veem um pequeno em maiô. Está só. Agita-se. E corre de través procurando o outro lado. Nunes tenta frear, mas é tarde. Atropela o garoto que tomba qual pluma ao vento.

12 Populares gritando. O menino estendido na rua é um pássaro que agoniza.

Sangue. Muito sangue. Nunes aflige-se. Elmo volta e vê. Ergue a criança, espantado, e caminha no rumo dele.

— Seja quem for, — grita Nunes, — leve à nossa farmácia… Toda a despesa gratuita…

13 Todavia, o amigo, boquiaberto, apresenta-lhe o menino morto e exclama:

— Nunes, este menino é…

— É quem? Diga logo, — falou Nunes, impaciente.

Mas não precisou de maiores minúcias, porque Bruno, traumatizado, disse-lhe apenas:

— É seu filho…

Irmão X

(Humberto de Campos)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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