1 Descansava Jesus em casa de Igorin, o curtidor, no vilarejo de Dalmanuta, quando Joab, escriba em Cesareia, partiu à procura dele, em companhia de Zebedeu, pai de Tiago e João, que lhe devotava imensa estima.
2 Enquanto caminhava, depois de largada a barca, o amigo da cidade, que jamais contemplara o Doce Nazareno, falava compungido de mágoas que sofrera.
3 Sentia-se doente, em suprema revolta.
Desejava escutar o verbo do Senhor para certificar-se quanto à própria conduta.
4 Dizia-se crivado de injustiça e calúnia.
Permutavam, assim, impressões espontâneas e afetuosas quando o lar de Igorin lhes surgiu pela frente, ao longe.
5 Ao redor do tugúrio, congregavam-se enfermos, avultando, entre eles, um homem maduro e esbelto a gritar, estentórico, e que, guardado à pressa, excluiu-se do quadro, desafiando, assim, a curiosidade de ambos os viajores.
6 No átrio da casa pobre, indaga Zebedeu de uma velha aleijada quem era aquele mísero, e informa-lhe a anciã que se tratava de um louco infeliz à procura do Mestre.
7 Nisso, Tiago e Pedro aparecem de chofre e dizem que Jesus pretendia ausentar-se para a prece nos montes.
Joab, ouvindo isto, penetra sozinho pela casa, e encontra em quarto humilde o Cristo generoso, meditando em silêncio.
8 — Mestre! — Clama, chorando, depois de confortado às saudações primeiras, — tenho o peito dorido e o pensamento em fogo, humilhado que estou por injúrias atrozes. Feriram-me, Senhor, enodoando-me o nome e furtando-me o pão… Que fazer ante o mal que me ataca, insolente? De que modo portar-me, perante os inimigos que me cobrem de lodo?
— Perdoa, filho meu! — Disse o Amigo Celeste.
9 — Senhor, como esquecer malfeitores e ingratos?
— Anotando-lhes sempre a condição de enfermos.
— Enfermos? Como assim, se perseguem matando?
— Não procederiam desse modo se não fossem dementes.
10 — Mestre, — insistiu Joab, — convém esclarecer que os meus adversários são ladrões perigosos…
— São, pois, mais infelizes…
— Infelizes porquê? Se têm casas faustosas e terras florescentes?
— Todavia, amanhã descerão ao sepulcro, abandonando o furto a mãos que desconhecem…
11 — Entretanto, Senhor, sem qualquer razão justa, eles querem prender-me…
— Não importa, meu filho, pois todo delinquente está preso em si mesmo às algemas da treva.
12 — Mestre! Mestre! Ainda assim, espreitam-me igualmente em tocaia sinistra, prelibando-me a morte, todos eles armados de punhais assassinos!…
— Perdoa e ora por eles, — disse o Cristo, sereno, — porque é da Eterna Lei que a justiça se faça… Todo aquele que fere será também ferido…
13 O escriba, em desespero, ajuntou lacrimoso:
— Senhor, estou sozinho, despojado de tudo… Iludiram-me a esposa e roubaram-me os filhos… Acusado sem culpa, o cárcere me espera; venerei sempre as leis, guardando-lhes os princípios e toda a minha dor nasce da sombra hostil da infâmia que me cerca! Que fazer, Benfeitor, ante as garras da lama?
— Filho, perdoa sempre, olvida todo mal e faze todo o bem, porque somente o bem é luz que não se apaga…
14 Incapaz de conter o assombro que o traía, Joab esgueirou-se de soslaio, perguntando lá fora aos amigos surpresos:
— Dizei-me, por favor, onde acharei o Mestre Jesus? Quero Jesus para ouvir-lhe a palavra!… O escriba renitente conservava a impressão de ter ouvido o louco que avistara ao chegar àquela casa, e não o próprio Cristo…
Irmão X
(Humberto de Campos)