1 Formoso Anjo da Justiça, na Balança do Tempo, recebia pequena multidão de Espíritos recém-desencarnados na Terra.
2 Eram todos eles pessoas maduras, em torno das quais o Ministro da Lei deveria emitir um juízo rápido, como introdução a mais ampla análise, assim como um magistrado terreno que, na fase inicial de um processo, pode formular um despacho saneador.
3 Velhos gotosos e dementados, abatidos e caquéticos, demonstrando evidentes sinais de angústia, congregavam-se ali, guardando os característicos das enfermidades que lhes haviam marcado o corpo.
4 Muitos choravam à feição de crianças medrosas, outros comprimiam o coração com a destra enrijecida, ao passo que outros muitos se erguiam com imensa dificuldade, arrastando-se, trêmulos…
5 As sensações da carne ferreteavam-lhes o íntimo, detendo-lhes o ser nas amargas recordações que traziam do mundo.
6 Conduzidos a exame, sob a custódia de benfeitores abnegados, acusavam essa ou aquela diferença para melhor, recebendo uma ficha explicativa para o início das novas tarefas que os aguardavam no plano Espiritual.
7 Agora, era um psicopata recobrando a lucidez; depois, era um hemiplégico retomando o equilíbrio…
8 Entretanto, os traços da velhice corpórea perseveravam quase intactos, exigindo, decerto, longo tempo na vida nova para serem devidamente desintegrados.
9 Em derradeiro lugar, no entanto, aproximou-se do Anjo pobre velhinha, humilde e triste.
10 Os cabelos de prata e as rugas que lhe desfiguravam o rosto denunciavam-lhe aproximadamente oitenta anos de luta física.
11 Trazida, contudo, à grande balança, oh! divina surpresa!… De anotação em anotação, fazia-se mais jovem, até que, abençoada pelo sorriso do Aferidor Angélico, a estranha anciã converteu-se em bela menina e moça, nos vinte anos primaveris.
12 Toda a assembleia vibrou de felicidade, ante o quadro inesquecível.
Intrigado, abeirei-me de antigo orientador e perguntei pela razão da inesperada metamorfose.
13 O esclarecido mentor pediu a ficha da celestial criatura, para socorro de minha ignorância, e, na folha branca e leve, pude ler, admirado:
Nome. — Leocádia Silva.
Profissão. — Educadora.
Existência Terrestre. — 701.280 horas.
14 Aplicação das Horas:
Serviço de autoassistência para a justa garantia no campo da evolução:
1 — Mocidade laboriosa: 175.200.
2 — Magistério digno: 65.700.
3 — Alimentação e higiene: 43.800.
4 — Estudo proveitoso e atividades religiosas: 41.900.
5 — Repouso necessário ao refazimento: 109.500.
15 Serviço extra, completamente gratuito, em favor do próximo:
1 — Devotamento aos necessitados: 85.100.
2 — Movimentação fraterna em missões de auxílio: 32.840.
3 — Noites de vigília em solidariedade aos enfermos: 33.000.
4 — Conversação sadia no amparo moral genuíno: 54.750.
5 — Variadas tarefas de caridade: 59.490.
16 Total — Horas: 701.280.
— Compreendeu? — Disse-me o orientador, sorridente.
17 E, ante o meu insopitável assombro, concluiu:
— Quem dá o seu próprio tempo, a benefício dos outros, não conta tempo na própria idade, no sentido de envelhecer. Leocádia cedeu todas as suas horas disponíveis no socorro aos irmãos do mundo. Os dias não lhe pesam, assim, sobre os ombros da alma…
18 Meu interlocutor afastou-se, lépido, para felicitar a heroína, e, contemplando, enlevado, o semblante radioso do Mensageiro Sublime que presidia à grande reunião, compreendi o motivo pelo qual os Anjos do Amor Divino revelam em si a suprema beleza da juventude eterna.
Irmão X
(Humberto de Campos)