1 Quando o diamante já talhado se abeirou da pedra preciosa, saída de serro áspero, clamou, irritadiço:
— Que coisa informe! Rugosidades por todos os lados!… Que farei de semelhante aborto da Natureza?
E roçou, com superioridade, sobre a pedra bruta.
A pobrezinha, mal saída do solo em que dormira por milênios, sentindo-se melindrada, tentou reclamar; entretanto, ao observar o clivador, cheio de esperança na utilidade que ela podia oferecer, calou-se.
2 Findo o dia, o operário recebeu o salário que lhe competia e contemplou-a, tomado de gratidão.
A pedra, intimamente compensada, esperou.
No dia seguinte, veio o martelo cônico e, desapiedado, riu-se dela, exclamando:
— Nariz de rochedo, quem teria o mau gosto de aperfeiçoar-te? Por que a infelicidade de entrar em comunhão contigo, seixo maldito?
O cristal sofredor ia revidar, mas vendo que o trabalhador, que mobilizaria a maça contra ele, o mirava com enternecimento, preferiu silenciar, entregando-se paciente à nova operação de lapidagem.
3 Sabendo, em seguida, que o operário obtinha, feliz, substanciosa paga, reconheceu-se igualmente enriquecido.
Mais tarde, apareceu o pó de diamante, que gritou, irônico:
— Por que a humilhação de trabalhar essa pedra amarelada e baça? Quem teria descoberto esse calhau feio e desvalioso?
A pedra ia responder, protestando; contudo, reparou que o lapidário a fixava com respeito, denotando entender-lhe a nobreza interior, e, em homenagem àquele silencioso admirador de sua beleza, emudeceu e deixou-se torturar.
4 Quando o lapidador recolheu o pagamento que lhe cabia, deu-se ela por bem remunerada.
Logo após chegou a mó de polir, que falou, mordaz:
— Esta velha cristalização de carbono é indigna de qualquer tratamento… Que poderá resultar dela? Por que perder tempo com este aleijão da mina?
A pedra propunha-se aclarar a situação; contudo, notando a jubilosa expectativa do artífice, que lhe identificara a grandeza, aquietou-se, obediente, e suportou com calma todos os insultos que lhe foram desferidos sobre as faces, até que o próprio polidor a acariciou, venturosamente.
5 Sem perceber-lhe o valor, o diamante talhado, o martelo, o pó de diamante e a mó viram-na sair, colada ao coração do operário, em triunfo, permanecendo espantados e ignorantes, na sombra da suja caverna de lapidação em que a presença deles tinha razão de ser.
Passados alguns dias, a pedra convertida em soberbo brilhante foi engastada no cetro do governador do seu país natal, passando a viver, querida e abençoada, sob a veneração de todos.
6 Se encontraste no mundo criaturas que se fizeram diamante descaridoso, martelo impiedoso, pó irônico ou mó sarcástica sobre o teu coração, suporta-as com paciência, por amor daqueles que caminham contigo, e espera, sem desânimo, porque, um dia, transformada a tua alma em celeste clarão, virás à furna terrestre agradecer-lhes as exigências e os infortúnios com que te alçaram à glória dos cimos!…
Irmão X
(Humberto de Campos)