O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Crônicas de Além-Túmulo — Humberto de Campos


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O grande Missionário

1 Como as demais criaturas terrenas, o grande missionário de Lião  †  que se chamou Hippolyte Rivail, ou Allan Kardec, foi também catalogado, em 3 de outubro de 1804, nas estatísticas humanas retomando um organismo de carne para cumprimento de sua maravilhosa tarefa.

Cento e trinta e dois anos são passados sobre o acontecimento e o apóstolo francês é lembrado, carinhosamente, na memória dos homens.

Professor dedicado ao seu grandioso ideal de edificar as almas, discípulo eminente de Pestalozzi, Allan Kardec trazia, desde o início de sua mocidade a paixão pelas utilidades das coisas do espírito.

2 Suas obras didáticas estão cheias de amor a esse apostolado. Até depois dos 50 anos, sua palavra confortadora e sábia dirigiu-se às escolas, seus fosfatos foram consumidos nos mais nobres labores do intelecto em favor da formação da juventude; suas mãos de benfeitor edificaram o espírito da infância e da mocidade de sua pátria. Sua vida de homem está repleta de grandes renúncias e sublimes dedicações. Nunca os insultos e as ações dos traidores lhe entibiaram o ânimo de soldado do bem. Os espinhos das estradas do mundo não lhe trucidaram o coração temperado no aço da energia espiritual e no ouro das convicções sadias que lhe povoaram toda a existência.

3 Recordando a beleza perfeita dos Planos intangíveis, que vinha de deixar para cumprir na Terra a mais elevada das obrigações de um missionário, sob as vistas amoráveis de Jesus, Allan Kardec fez da sua vida um edifício de exemplos enobrecedores, esperando sempre a ordem do Mestre Divino para que as suas mãos intrépidas tomassem a charrua das ações construtoras e edificantes.

4 Só depois dos 50 anos sua personalidade adquiriu a precisa preponderância e sua atividade, o desdobramento necessário, prestigiando-se a sua tarefa na codificação do Espiritismo, que vinha trazer à Humanidade uma nova luz para a solução do amargo problema do destino e da dor. Ninguém como ele compreendeu tanto a necessidade da intervenção das forças celestes para que as conquistas do pensamento humano, sintetizadas no surto das civilizações, não se perdessem na noite dos materialismos dissolventes. 5 Ele sentiu, refletindo as poderosas vibrações do Alto, que os seus contemporâneos preparavam a extinção de toda a crença e de toda a esperança que deveriam fortalecer o espírito humano, nas dolorosas transições do século XX. As especulações filosóficas e científicas de Comte,  †  Virchow,  †  Buchner  †  e Moleschott,  †  aliadas ao sibaritismo  †  dos religiosos, teriam eliminado fatalmente a fé da humanidade no seu glorioso porvir espiritual, em todos os setores da civilização do Ocidente, se o missionário de Lião não viesse trazer aos homens a cooperação da sua renúncia, e dos seus abençoados sacrifícios.

6 Quando Jesus desceu um dia à Terra para oferecer às criaturas a dádiva da sua vida o do seu amor, seus passos foram precedidos pelos de João Batista, que aceitara a dolorosa tarefa de precursor, experimentando todos os martírios no deserto. 7 O Consolador prometido à Terra pelo coração misericordioso do Divino Mestre, e que é o Espiritismo, teve o sacrifício de Allan Kardec — o precursor da sua gloriosa disseminação no peito atormentado das criaturas humanas.  8 Seu retiro não foi a terra brava e estéril da Judeia, mas o deserto de sentimentos das cidades tumultuosas; no burburinho das atividades dos homens, no turbilhão das suas lutas ele experimentou na alma, muitas vezes, o fel do apodo e do insulto dos malevolentes e dos ingratos. Mas, sua obra aí ficou como o roteiro maravilhoso do país abençoado da redenção. 9 Espíritos eminentes foram ao mapa de suas atividades para conhecerem melhor o caminho. Flammarion se embriaga no perfume ignorado dessas terras misteriosas do novo conhecimento, descobertas pela sua operosidade de instrumento do Senhor, e apresenta ao mundo as suas novas teorias cosmológicas, enchendo a fria matemática astronômica de singular beleza e suave poesia. Sua obra — “Les Forces Naturelles Inconnues” é um caminho aberto às indagações científicas que teriam mais tarde, com Richet, amplos desenvolvimentos. Gabriel Delanne e Léon Denis se inflamam de entusiasmo diante das obras do mestre e ensaiam a filosofia espiritualista, inaugurando uma nova época para o pensamento religioso, alargando as perspectivas infinitas da ciência universal.

10 E, desde os meados do século que passou, a figura de Kardec se eleva cada vez mais no conceito dos homens. O interesse do mundo pela sua obra pode ser conhecido pelo número de edições de seus livros, e, na hora que passa, cheia de nuvens nos horizontes da Terra e de amargas apreensões no seio de suas criaturas, nenhuma homenagem há, mais justa e mais merecida, do que essa que se prepara em todos os recantos onde a consoladora doutrina do Espiritismo plantou a sua bandeira, como preito de admiração ao ilustre e benemérito codificador.

11 O Brasil evangélico deve orgulhar-se das comemorações que levará a efeito, lembrando a personalidade inconfundível do grande missionário francês, porque a obra mais sublime de Allan Kardec foi a reedificação da esperança de todos os infortunados e de todos os infelizes do mundo, no amor de Jesus-Cristo.

12 Conta-se que logo após a sua desencarnação, quando o corpo ainda não havia baixado ao Père-Lachaise  n para descansar à sombra do dólmen dos seus valorosos antepassados, uma multidão de Espíritos veio saudar o mestre no limiar do sepulcro. Eram antigos homens do povo, seres infelizes que ele havia consolado e redimido com as suas ações prestigiosas, e, quando se entregavam às mais santas expansões afetivas, uma lâmpada maravilhosa caiu do céu sobre a grande assembleia dos humildes iluminando-a com uma luz que, por sua vez, era formada de expressões do seu “Evangelho segundo o Espiritismo”, ao mesmo tempo que uma voz poderosa e suave dizia do Infinito:

13 — “Kardec, regozija-te com a tua obra! A luz que acendeste com os teus sacrifícios na estrada escura das descrenças humanas vem felicitar-te nos pórticos misteriosos da Imortalidade… O mel suave da esperança e da fé que derramaste nos corações sofredores da Terra, reconduzindo-os para a confiança na minha misericórdia, hoje se entorna em tua própria alma, fortificando-te para a claridade maravilhosa do futuro. No Céu estão guardados todos os prantos que choraste e todos os sacrifícios que empreendeste. Alegra-te no Senhor, pois teus labores não ficaram perdidos. Tua palavra será uma bênção para os infelizes e desafortunados do mundo, e ao influxo de tuas obras a Terra conhecerá o Evangelho no seu novo dia!…”

14 Acrescenta-se, então, que grandes legiões de Espíritos eleitos entoaram na Imensidade um hino de hosanas ao homem que organizara as primícias do Consolador para o planeta terreno e que, escoltado pelas multidões de seres agradecidos e felizes, foi o mestre, em demanda das esferas luminosas, receber a nova palavra de Jesus.


15 Kardec! eu não te conheci e nem te poderia entender na minha condição de homem perverso da Terra, mas recebe, no dia em que o mundo lembra, comovido, a tua presença entre os homens, o preito da minha amizade e da minha admiração.


Humberto de Campos

(Irmão X)


28 de setembro de 1936.


[6] Pequeno engano do cronista, pois que o corpo foi sepultado primeiramente no cemitério de Mont-martre. A trasladação dos despojos para o dólmen do Père-Lachaise fez-se dois anos depois (Nota da Editora). [Visita virtual ao cemitério de Père-Lachaise]


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