1 Jovem prendada e linda, era a própria beleza,
Rosa de inteligência e natureza,
Viera de remoto povoado,
Com tarefas de estudo e sonhos de noivado,
E conquistara enorme simpatia…
Fizera-se modelo e se reconhecia
O ponto alto das exibições,
Favorita do brilho em passarela,
Pisando corações…
2 Ela encontra, por fim, num jovem rico e nobre
A cortina de ouro em que se encobre.
Quatro anos de luxo nos salões
Tornaram-na famosa e cada vez mais bela.
3 Certo dia, no entanto, inesperadamente,
Uma carta lhe chega… Vem da vila
Em que passara a infância humílima e tranquila,
É da mãezinha que se diz doente…
Falecera-lhe o irmão, seu único parente,
Declarava-se triste e desolada,
Incapaz de ganhar o próprio pão…
Rogava à filha proteção,
Sentia-se sozinha e fatigada
E, sobretudo, estava em luta insana,
Pois era agora triste hanseniana.
4 A moça treme revoltada
E, às súbitas, planeia
O que admite por melhor medida;
Não quer aquela mãe que a desnorteia;
Detestaria ver-se diminuída
Perante o homem que ama.
Age arbitrariamente,
Adita ao próprio nome um nome diferente
Na rude inquietação que ela própria extravasa…
E, mudando de casa,
Permaneceu na expectativa…
5 Realmente, depois de algum tempo passado,
Senhora hanseniana morta-viva
Bate-lhe à porta, em tom desesperado;
Servidores atendem, entretanto
Ela quer ver a filha que ama tanto,
Colhendo reiterada negativa.
Mas sabendo-a sentada sobre o piso
Que dava acesso ao grande apartamento,
A própria moça surge, de improviso,
A gritar lhe, de ânimo violento:
— Saia daqui, depressa! Vá-se embora!…
Não conheço a senhora
E caso aqui persista,
Tenho a polícia à vista!…
6 — Filha, dize por que… —
Exclamou a mulher agoniada,
Estarei eu assim tão deformada
Que o seu olhar já não me vê?
Não ficarei aqui, não lhe trarei perigo,
Mas não vês que a mãezinha está contigo?
7 — A senhora não passa de embusteira, —
Falou a moça, a gestos desumanos.
— Minha mãe já morreu, há muitos anos…
Velha tonta,
Não sei como se fez aventureira,
Mas a polícia vai tomar lhe a conta…
8 Minutos decorridos,
Enquanto a pobre mãe chorava, angustiada,
Uma ambulância veio em disparada
E conduziu-a para um sanatório.
9 Trinta anos passaram sobre a cena,
A filha desposara o jovem que a queria.
O casal conjugava a fortuna e a alegria,
Ele, o industrial, ela, a nobre senhora,
E um filho nobre e forte
Surgiu-lhes a brilhar
Por tesouro do lar.
10 Quanto à pobre mulher deixara a enfermaria,
Conseguira curar-se,
Mas não mostrava mais a face antiga,
Era triste velhinha sem disfarce,
Desditosa mendiga…
Conhecida por velha hanseniana,
Já sofrera de sobra a zombaria humana…
Morava numa furna abandonada,
Não distante da fábrica de tubos
E outros artigos de eletricidade
De que o neto distinto era dono e gerente…
11 Sabendo-se que fora humilhada e doente,
Cobria-se com capa esburacada
E, lembrando uma sombra a pervagar na estrada,
Pedia aqui e ali, um socorro qualquer…
Mas em torno da fábrica era o ponto
Em que a infeliz mulher
Parecia um rondante, atento e pronto,
A observar o que passasse…
Se encontrava o gerente, face à face,
Dizia, constrangida: — Uma esmola, doutor!…
Intrigado o rapaz notava aqueles olhos
Que o miravam, mostrando imenso amor…
Dava-lhe algum dinheiro, atento a isso,
Depois seguia adiante
Mergulhando a atenção em seu próprio serviço…
12 Seguia o tempo em marcha regular,
Quando veio a estourar
Na fábrica tranquila
Um grande movimento
De protesto violento,
Que englobava, por si, todo o operariado…
A gerência estudava ação conciliadora
E os conflitos surgiam, lado a lado.
13 No ápice da luta,
A velhinha cansada, dia a dia,
Observa a extensão da rebeldia,
Mantendo-se, de guarda, ao pé das oficinas,
Qual um posto de escuta.
14 Certa noite, enxergou dois delinquentes
Quando os vigias cochilavam fora,
Agiam, sem que a vissem trêmula e calada…
Uma porta se arromba
E os dois, dentro da fábrica isolada
Colocam grande bomba,
No intuito de gerar perturbação,
E fogem, assustados, do recinto…
15 Ela entra em ação,
Obedecendo ao próprio instinto…
O estopim fumegava… Ela, porém,
Sem o concurso de ninguém,
Toma nas mãos o engenho destruidor.
Avança sem temor,
Sai pela porta afora,
Correndo sem a mínima demora,
Mas, antes que atirasse a bomba ao chão;
Dá-se a grande explosão.
A fábrica salvara-se.
Ela, porém, tombara
Mortalmente ferida…
16 Faz-se tumulto, em torno…
Eis o chefe a chegar…
Reconhece a velhinha e determina
Que ela seja tratada
Por valente heroína…
17 Foi no hospital a derradeira cena.
Finava-se a velhinha devagar,
Mostrando no semblante a beleza serena
De quem transmite a paz no próprio olhar…
18 Eis que, em dado momento,
Ela percebe vozes e alarido;
Ao formoso aposento
O gerente trouxera os pais com garbosa alegria;
Deviam ver a pobre que morria
E que o amara tanto…
19 O casal aproxima-se… A senhora
Treme ao reconhecer a mãe que rejeitara outrora…
Enquanto filho e pai conversam à distância
Ajoelha-se a filha; ante a mulher que morre…
Ela pede perdão no pranto que lhe escorre
Dos olhos espantados…
Contudo, a agonizante ao percebê-la,
Ciciou as palavras: — Minha estrela!…
Ouvindo-a soluçar,
Consegue novamente sussurrar:
— Filha do coração, Jesus a trouxe aqui…
Depois disse ao cair, em profundo torpor:
— Não chores, meu amor,
Eu nunca te esqueci…
20 Lá fora, o Sol, em tudo, era vida e esplendor,
Parecendo dizer na própria chama,
Que, desde a luz dos Céus aos abismos da lama
Deus, em todo o Universo, é a Presença do Amor.
Maria Dolores
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