1 Falávamos de afeto e ligações humanas,
Destacando uniões formosas e ideais,
Tanto quanto anotando atitudes insanas
Que, muita vez, transpiram
De casos passionais,
Quando um amigo afável e sisudo,
Que nos seguia o estudo,
Exclamou para nós, de modo convincente:
2 — Tudo quanto dizeis é verdade inconteste
Sobre os entes queridos que lembrais,
Entretanto, igualmente,
Se falamos de amor, é preciso se ateste
O amor dos animais.
3 E como se tivesse ali, de lado,
O passado recente,
Contou, emocionado:
— Em minhas lides de engenheiro,
Fui, certa vez, designado
Para serviços na fronteira;
Levei comigo a companheira,
O pequeno filhinho, —
— um garoto de aninho, —
E o nosso velho cão policial
Que recebera, em nossa companhia,
O nome de Leal.
4 No trabalho incessante em que me via,
Fosse qual fosse o ambiente,
Possuía em Leal o cão valente
Que nos guardava a casa, dia a dia;
Ensinei-o a velar por nosso pequenino
E dedicou-se o cão, de tal maneira,
Que mantinha atenção, semana inteira,
Entre a porta do quarto e o berço do menino.
5 Morávamos, então, no agreste bravo…
Achavam-se, não longe, algumas feras;
Era o lobo e, além dele, era o jaguar,
A rondarem malocas e taperas…
Necessário, porém, agir e trabalhar,
Orientando a agrimensura.
6 Tinha sempre dois homens, de vigia,
Na defesa do lar,
Junto de atenciosa governanta.
Minha esposa saía
Algumas vezes para compras justas,
Usando o nosso jipe reforçado
Para atingir pequeno povoado…
7 O narrador fez pausa e tornou, em seguida,
Expressando-se em voz mais comovida:
— Certo dia de ação com mais ampla demora,
Voltei ao lar, mais tarde… Noite escura…
Ausentara-se a esposa e a governanta
Atendia, em conversa, um tanto lá por fora,
A diversos parentes
Que, por certo, lhe vinham à procura…
Os vigias andavam pela brenha
Buscando para nós
Alguns feixes de lenha…
8 Acompanhado de um amigo,
Ansioso, ouvi a voz
De meu filhinho em algazarra…
Naquele choro de pavor,
Pressentia perigo
Francamente, a gelar-me…
Em vão, tentei fazer qualquer alarme;
O companheiro me seguia,
Enquanto, em minha inquietação,
Só escutava a gritaria
Do filhinho a cortar-me o coração…
9 Varei a porta aberta
Da habitação que vi claramente deserta…
Foi, então, que a tremer, desorientado,
Vi o cão a correr para junto de nós;
Leal se nos mostrava, ensanguentado…
Mancando, ele gania,
Não sei se de loucura ou de agonia…
10 O companheiro disse a mim:
— O cão está zangado, dê-lhe o fim,
É preciso afastá-lo, sem tardança,
Deve ter atacado a indefesa criança.
11 Tomado de terror, atirei sobre o cão,
E, ganhando os recessos do aposento,
Vi meu filhinho salvo, aconchegado ao leito,
Sem qualquer sofrimento,
Mas um jaguar jazia, ali no chão,
Certamente abatido por Leal.
O cão, com segurança e eficiência,
Liquidara, afinal,
A fera perigosa
Que penetrara em nossa residência.
12 Com meu filho nos braços
Retornei à presença de meu cão;
Ansiava mostrar-lhe a nossa gratidão,
Mas Leal enviou-me um derradeiro olhar…
Sufocado de dor, nada pude falar.
No instante de morrer, no terrível revés,
Leal ainda arrastou-se com cuidado
Para beijar-me os pés!…
13 Calou-se o narrador,
Sob o peso cruel da própria dor.
Depois, disse a chorar:
— Neste Infinito Espaço em que habitamos,
Deve haver um lugar
Que acolha os animais,
Amigos quase humanos,
Em plena evolução, à busca de outros Planos…
Sempre aceitei os cães por nossos cireneus,
Os animais também são criaturas de Deus…
14 Aquela história viva,
Que ouvíramos, ali, de ânimo atento,
Fez o ponto final de nosso entendimento.
No entanto, o companheiro,
Que nos falava de Leal,
Fitava o Azul Imenso, a Pátria Universal,
E, qual se transmitisse um sublime recado
Ao próprio coração,
Clamava, consternado:
— Deus não me negará resposta à constante oração…
Hei de achar o meu cão!… Hei de achar o meu cão!…
Maria Dolores
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