O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho — Humberto de Campos


7

Os Negros do Brasil

1 Sob o domínio espanhol, Portugal sofria todas as consequências da sua desídia e da sua imprevidência. A Espanha guardava o cetro de um império resplandecente e maravilhoso. Suas frotas poderosas cobrem as águas de todos os mares, carreando os tesouros do México e do Peru, do Brasil e das Índias, os quais faziam afluir para Madrid a mais elevada percentagem de ouro do mundo inteiro.

2 Até hoje, comenta-se com espírito a frase célebre n de Francisco I,  †  que desejava conhecer a disposição testamentária de Adão, que dividira o mundo entre espanhóis e portugueses, deserdando-o a ele.

3 A esse tempo, a terra do Evangelho não é mais conhecida pelo nome suave de Santa Cruz. À força das expressões comuns, dos negociantes que vinham buscar as suas fartas provisões de pau-brasil, o seu nome prende-se agora ao privilégio das suas madeiras. Os missionários da colônia protestaram contra a inovação adotada, mas as falanges do Infinito sancionam a novidade, imposta pelo espírito geral, considerando as terríveis crueldades cometidas na baía de Guanabara, em nome do mais suave dos símbolos. A sanção de Ismael à escolha da nova expressão, objetivava resguardar a pátria do Cruzeiro dos perigos da Inquisição, que na Europa fomentava os mais hediondos movimentos, em nome do Senhor.

4 A situação, no Brasil, sob todos os pontos de vista, como a da metrópole portuguesa, era dolorosa e cruel, embora governado por funcionários de Lisboa, segundo as combinações estipuladas na Península.

A raça aborígene e a raça negra sofriam toda a sorte de humilhações e vexames. Os índios procuravam o Norte, em busca dos seus amigos franceses que, expulsos do Rio por Mem de Sá,  †  concentravam suas atividades no Maranhão, onde pretendiam fundar a França Equinocial, preocupando seriamente as autoridades da colônia. E a situação geral era a mais deplorável. Ismael e seus abnegados colaboradores sofrem intensamente, nos seus trabalhos árduos e quase improfícuos, no sentido de organizar o instituto sagrado da família nas florestas inóspitas, onde os brancos não desejavam considerar às leis humanas ou divinas, na sua condição de superioridade.

5 Aos Céus ascendem os aflitivos apelos dos Obreiros Invisíveis:

— “Senhor, — exclama Ismael,  †  nas suas preocupações, — estendei até nós o manto de vossa infinita misericórdia… Enviai-nos o socorro das vossas bênçãos divinas, para que as nossas vozes sejam ouvidas pelos espíritos que aqui procuram edificar uma pátria nova… Nosso coração se comove ante os quadros deploráveis que se deparam às nossas vistas… Por toda parte, são os infortúnios das raças flageladas e sofredoras…”

6 Todavia, uma voz suave e doce lhe responde do Infinito:

— “Ismael, nas tuas obrigações e trabalhos, considera que a dor é a eterna lapidária de todos os Espíritos e que o Nosso Pai não concede aos filhos um fardo superior às suas forças, nas lutas evolutivas. Abriga aí, na sagrada extensão dos territórios do país do Evangelho, todos os infortunados e todos os infelizes. No meu coração, ecoam as súplicas dolorosas de todos os seres sofredores, que se agrupam nas Regiões Inferiores dos Espaços próximos da Terra. Agasalha-os no solo bendito que recebe as irradiações do símbolo estrelado, alimentando-os com o pão substancioso dos sofrimentos depuradores e das lágrimas que lavam todas as manchas da alma… Leva a essas coletividades espirituais, sinceramente arrependidas do seu passado obscuro e delituoso, a tua bandeira de paz e de esperança, ensina-lhes a ler os preceitos da minha doutrina, nos códigos dourados do sofrimento…”

7 Ismael sente que luzes compassivas e misericordiosas visitam-lhe o coração e parte com os seus companheiros em busca dos Planos da Erraticidade mais próximos da Terra. Aí se encontram antigos batalhadores das cruzadas, senhores feudais da Idade Média, padres e inquisidores, Espíritos rebeldes e revoltados, perdidos nos caminhos cheios da treva das suas consciências polutas. Mas, o emissário do Senhor desdobra nessas grutas do sofrimento a sua bandeira de luz, como uma estrela d’alva, assinalando o fim de uma profunda noite.

8 — “Irmãos, — exorta ele, comovido, — até ao coração do Divino Mestre ecoaram os vossos apelos de socorro espiritual. Da sua Esfera de suaves arrebóis cristalinos, ordena a sua misericórdia que as vossas lágrimas sejam enxugadas para sempre. Um ensejo novo de trabalho apresenta-se para a redenção das vossas almas, desviadas nos desfiladeiros do remorso e do crime… 9 Há uma terra nova, onde Jesus implantará o seu Evangelho de caridade, de perdão e de amor indefiníveis. Nos séculos futuros, essa pátria generosa será a terra da promissão para todos os infelizes. Dos seus celeiros inesgotáveis, sairá o pão de luz para todas as almas; mas, há necessidade de nos voltarmos para o seu solo virgem e exuberante, construindo as suas bases com os nossos sacrifícios e devotamentos. 10 Ali encontrareis, nos carreiros aspérrimos da dor, que depura e santifica, a porta estreita para o Céu de que nos fala Jesus nas suas lições divinas. Aprendereis, no livro dos padecimentos salvadores, a gravar na consciência os sagrados parágrafos da virtude e do amor, na epopeia de luz da solidariedade, na expiação e no sofrimento. Sabei que todas as aquisições da filosofia e da ciência terrestres são flores sem perfume, ou luzes sem calor e sem vida, quando não se tocam das claridades do sentimento. Aqueles de vós que desejardes o supremo caminho, vinde para a nossa oficina de amor, de humildade e redenção…”

11 E aí, nas estradas escuras e tristes da angústia espiritual viu-se, então, que falanges imensas, ansiosas e extasiadas, avançavam com fervorosa coragem para as clareiras abertas naquela mansão de dor e de sombras. Todos queriam, no seu testemunho de agradecimento, beijar a bandeira sacrossanta do mensageiro divino. O seu emblema — “Deus, Cristo e Caridade” — refulgia agora nas penumbras, iluminando todas as cousas e clarificando todos os caminhos. As esperanças reunidas, daqueles seres infortunados e sofredores, faziam a vibração de luz que então aclarava todas as sendas e abria todos os entendimentos para a compreensão das finalidades, das determinações sublimes do Alto.

12 Essas entidades evolvidas pela ciência, mas pobres de humildade e de amor, ouviram os apelos de Ismael e vieram construir as bases da terra do Cruzeiro. Foram elas que abriram os caminhos da terra virgem, sustentando nos ombros feridos o peso de todos os trabalhos. Nesse filão de claridades interiores, buscaram as pérolas da humildade e do sentimento, com que se apresentaram mais tarde a Jesus, no dia de sua redenção e de sua glória.

13 Foi por isso que os negros do Brasil incorporaram-se à raça nova, constituindo um dos baluartes da nacionalidade, em todos os tempos. Com as suas abnegações santificantes e os seus prantos abençoados, fizeram brotar as alvoradas do trabalho, depois das noites primitivas. Na pátria do Evangelho têm eles sido estadistas, médicos, artistas, poetas e escritores, representando as personalidades mais eminentes. Em nenhuma outra parte do planeta alcançaram, ainda, a elevada e justa posição que lhes compete junto das outras raças do orbe, como acontece no Brasil, onde vivem nos ambientes da mais pura fraternidade. 14 É que o Senhor assinalou o seu papel na formação da terra do Evangelho, e foi por esse motivo que eles deram, desde o princípio de sua localização no país, os mais extraordinários exemplos de sacrifício à raça branca. Todos os grandes sentimentos que nobilitam as almas humanas foram por eles demonstrados e foi, ainda, o seu coração dedicado ao ideal da solidariedade humana, que ensinou aos europeus a lição do trabalho e da obediência, na comuna fraterna dos Palmares,  †  onde não existiam nem ricos nem pobres, e onde resistiram, com o seu esforço e a sua perseverança, por mais de setenta anos, escrevendo, com a morte pela liberdade, o mais belo poema dos seus martírios nas terras americanas.

15 Por toda parte no país, há um ensinamento caricioso do seu resignado heroísmo e foi por essa razão que a terra brasileira soube reconhecer as suas abnegações santificantes, incorporando-os definitivamente à sua grande família, de cuja direção, muitas vezes participam, sem jamais se esquecer o Brasil de que os seus maiores filhos se criaram para a grandeza da pátria, no generoso seio africano.


Humberto de Campos

(Irmão X)


[1] [“Eu gostaria de ver a cláusula do testamento de Adão que me exclui da partilha do mundo.”]


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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