1 Perante o enorme ajuntamento de sofredores desencarnados, no Plano Espiritual, o Dr. Bezerra de Menezes, apóstolo da Doutrina Espírita no Brasil, rematava a preleção.
2 Falara, com muito brilho, acerca dos desregramentos morais.
Destacara os males da alma e os desastres do espírito.
3 Dispunha-se à retirada, quando fino ironista o invectivou:
— Escute, doutor. O senhor disse que a calúnia é um braseiro no caluniador. Eu caluniei e nada senti. 4 O senhor disse que o furto é um espinho no ladrão. Eu roubei e nada senti. 5 O senhor disse que o destruidor de lares terrestres carrega a lâmina do arrependimento a retalhar-lhe o coração. Destruí diversos lares e nada senti. 6 O senhor disse que o criminoso tem a nuvem do remorso a sufocá-lo. Eu matei e nada senti…
7 — Meu filho, — disse o pregador, — que sente um cadáver quando alguém lhe incendeia o braço inerte?
— Nada, — disse, rindo, o opositor sarcástico, — pois cadáver não reage.
8 E a conversação prosseguiu.
— Que sente um cadáver se lhe enterram um espinho no peito?
— Coisa alguma.
9 — Que sente um cadáver se o mergulham num lago de piche?
— Absolutamente nada, ora essa! O cadáver é a imagem da morte.
10 Doutor Bezerra fitou o triste interlocutor e, meneando paternalmente a cabeça, concluiu:
— Pois olhe, meu filho, quando alguém não sente o mal que pratica, em verdade carrega consigo a consciência morta. É um morto-vivo.
Hilário Silva