O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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A Vida Escreve — Hilário Silva — F. C. Xavier / Waldo Vieira — 1ª Parte


28

Por telefone

I


Amadeu Barbosa, recentemente desencarnado, era motivo de nossa grande preocupação.

Fora soldado, a serviço da ordem. Corretíssimo. Substituindo o companheiro Abílio Marques, em determinada diligência, tombara em lamentável desastre e perdera o corpo físico.

Acabrunhado, queria voltar à esfera dos homens, precisava voltar…

E tanto rogou socorro, que me recordo perfeitamente do dia em que o instrutor Camerino, recebendo-nos as consultas particulares, lhe falou, firme:

— Amadeu, se você deseja a ajuda de alguém, comece por ajudar alguém.

Desde essa hora, vimo-lo ativo, modificado…


II


Achávamo-nos ao pé de Abílio Marques, quando a enfermeira se abeirou dele e falou calma:

— Não se impaciente, Sr. Abílio. Deus nos ajudará.

Logo após, a senhora simpática buscou o interior da maternidade e Marques permaneceu cismarento na sala de espera.

Qual caracol refugiado na concha, ensimesmara-se, esquecendo o mundo em torno.

Pensava… pensava…

Lembrava-se de todas as ocorrências, como se fossem acontecimentos daquele mesmo dia, embora guardassem o curso de três anos.

Tudo começara naquela tarde…


III


Ele, Abílio, sentia-se sonolento.

Chegara fatigado da corporação.

O dia fora cheio.

Tomou lanche reforçado e tentou repousar…

Mal começou a dormir, escutou a voz materna a chamá-lo: — Abílio! Abílio!

Encontrava-se de pé ao telefone…

D. Amélia, a genitora, ouvira-o dizer, de olhos cerrados, dando a impressão de diálogo pelo fio:

— Alô! Que alegria!

— … n

— Como, vai? Disponha, disponha…

— … n

— Ah! sei. Perfeitamente.

— … n

— Hoje? Farei o possível. Conte comigo, conte comigo…

Impressionada, D. Amélia despertou-o às sacudidelas.

O filho passava, às vezes, por semelhantes fenômenos. Era sonâmbulo. Costumava levantar-se à noite e andar automaticamente dentro de casa.

A mãezinha passou a relatar-lhe o que ouvira. Palavra por palavra.

Ele, porém, estava radiante e contou que conservava a lembrança nítida.

Seria simples sonho? Não ocultava, contudo, a alegria a lhe brilhar no espírito.

— Mas… que foi, meu filho?

E ele explicara à mãezinha espantada:

— Mamãe, foi o Amadeu! O Amadeu Barbosa, meu colega de serviço que morreu há tempos. Telefonou-me, precisamente na hora em que se habituara a fazê-lo…

— Meu filho, que é isso? Onde tem a cabeça? Tudo não passa de sonho, pesadelo como os outros…

— Mamãe, mamãe, esperemos! Ele disse algo…

— Que disse?

— Pediu-me ajudar a uma jovem necessitada que enviará até nós ainda hoje.

D. Amélia sorriu, bondosa, mas irônica, e afastou-se.

Contente, pusera-se ele a ler os vespertinos, em plena expectação.


IV


Onze da noite.

A história do sonho estava esquecida, quando alguém bate à porta.

Levantara-se mecanicamente para atender.

Era pobre moça mal vestida e despenteada.

Buscou a mãezinha e ambos a ouviram, interessados.

Chamava-se Irene. Estava órfã, sem destino. O pai, único apoio de que dispunha, falecera, havia dias, vítima de grande explosão. Tinham chegado, há tempos, do interior e o desastre surpreendera-os em quarto humilde de aluguel, exatamente quando o genitor desaparecido procurava trabalho. Expulsa dos escombros a que se acolhera, andava sem rumo. Tinha fome. Ouvira palavras desrespeitosas na rua e resolvera pedir socorro. Por isso, estava ali, sozinha e necessitada.

Chorava.

D. Amélia consolou-a e consultou o marido.

Custódio Marques, o dono da casa, dera o contra.

Mas, Abílio, filho único, implorava ao pai auxiliasse a menina, como se fora a irmã que lhe faltava. E Custódio, vencido pelo carinho, enternecera-se.

Irene fora recolhida em casa, como em seu novo lar.

Trabalhava, ajudava, compreendia…

Fizera-se necessária.

Restaurara-se.

Era a filha que D. Amélia esperava sempre.

Quando Custódio caíra febril, com tremenda infecção, fora ela a enfermeira dedicada e hábil…

Depois de dois anos, com a alegria de todos, Abílio desposara-a.

A pupila de ontem era-lhe agora a companheira querida.


V


Como se lembrava, agora, de todos os sucessos e de todas as minudências!

Procurávamos asserenar-lhe a mente inquieta, quando ouvimos o choro forte de uma criança.

Sorriu, aflito, enquanto a enfermeira reapareceu com ar triunfante a chamá-lo:

— Sr. Abílio! Sr. Abílio! É um lindo menino! O parto, graças a Deus, foi normalíssimo…

Acompanhamo-lo ao quarto…

Abílio, emocionado, inclinou-se para a esposa e beijou-a, ternamente, na face.

Em seguida, tomou o recém-nato, em pranto de alegria.

— Então, meu filho, — perguntou D. Amélia, que se achava ao pé da nora, — como se chamará meu netinho?

— Ah! O nome? — Respondeu Abílio, tonto de júbilo. — Ele se chamará Amadeu… Amadeu Barbosa Marques, não é, Irene?

E a esposa fez um gesto de aprovação, transbordando felicidade.


VI


Sim, Barbosa renascera.

Recomeçava a existência para lutar e triunfar.

E, diante dos fatos, recordamos a lição do instrutor:

— Amadeu, se você deseja a ajuda de alguém, comece por ajudar alguém.


Hilário Silva



[1] [No original dois sinais de reticência.]


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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