1 Certo fazendeiro, muito rico, chamou o filho de quinze anos e disse-lhe:
— Filho meu, todo homem apenas colherá daquilo que plante. Cuida de fazer bem a todos, para que sejas feliz.
2 O rapaz ouviu o conselho e, no dia imediato, muito carinhosamente alojou minúsculo cajueiro em local não distante da estrada que ligava o vilarejo próximo à propriedade paternal.
3 Decorrida uma semana, tendo recebido das mãos paternas um presente em dinheiro, foi à vila e protegeu pequena fonte natural, construindo-lhe conveniente abrigo com a cooperação de alguns poucos trabalhadores, aos quais recompensou generosamente.
4 Reparando que vários mendigos por ali passavam, ao relento, acumulou as dádivas que recebia dos familiares e, quando completou vinte anos, edificou reconfortante albergue para asilar viajores sem recursos.
5 Logo após, a vida lhe impôs amargurosas surpresas.
Sua mãezinha morreu num desastre e o pai, em virtude das perseguições de poderosos inimigos na luta comercial, empobreceu rapidamente, falecendo em seguida. Duas irmãs mais velhas casaram-se e tomaram diferentes rumos.
6 O rapaz, agora sozinho, embora jamais esquecesse os conselhos paternos, revoltou-se contra as ideias nobres e partiu mundo a fora.
Trabalhou, ganhou enorme fortuna e gastou-a, gozando os prazeres inúteis.
7 Nunca mais cogitou de semear o bem.
Os anos se desdobraram uns sobre os outros.
Entregue à idade madura, dera-se ao vício de jogar e beber.
8 Muita vez, o Espírito de seu pai se aproximava, rogando-lhe cuidado e arrependimento. O filho registava-lhe os apelos em forma de pensamentos, mas negava-se a atender. Queria somente comer à vontade e beber nas casas ruidosas, até à madrugada.
9 Acontece, porém, que o equilíbrio do corpo tem limites e sua saúde se alterou de lamentável maneira. Apareceram-lhe feridas por todo o corpo. Não podia alimentar-se regularmente. Perdeu a fortuna que possuía, através de viagens e tratamentos caros. Como não fizera afeições, foi relegado ao abandono. Branquejaram-se-lhe os cabelos. Os amigos das noitadas alegres fugiram dele; envergonhado, ausentou-se da cidade a que se acolhera e transformou-se em mendigo.
10 Peregrinou por muitos lugares e por muitos climas, até que, um dia, sentiu imensas saudades do antigo lar e voltou ao pequeno burgo que o vira crescer.
11 Fez longa excursão a pé. Transcorridos muitos dias, chegou, extenuado, ao sítio de outro tempo. O cajueiro que plantara convertera-se em árvore dadivosa. Encantado, viu-lhe os frutos tentadores. Aproveitou-os para matar a própria fome e seguiu para a vila. Tinha sede e buscou a fonte. A corrente cristalina, bem protegida, afagou-lhe a boca ressequida.
Ninguém o reconheceu, tão abatido estava.
12 Em breve, desceu a noite e sentiu frio. Dois homens caridosos ofereceram-lhe os braços e conduziram-no ao velho asilo que ele mesmo construíra. Quando entrou no recinto, derramou muitas lágrimas, porque seu nome estava gravado na parede com palavras de louvor e bênção.
Deitou-se, constrangido, e dormiu.
13 Em sonho, viu o Espírito do pai, junto a ele, exclamando:
— Aprendeste a lição, meu filho? Sentiste fome e o cajueiro te alimentou; tiveste sede e a fonte te saciou; necessitavas de asilo e te acolheste ao lar que edificaste em favor dos que passam com destino incerto…
14 Abraçando-o, com ternura, acrescentou:
— Por que deixaste de semear o bem?
O interpelado nada pôde responder. As lágrimas embargavam-lhe a voz, na garganta.
15 Acordou, muito tempo depois, com o rosto lavado em pranto, e, quando o encarregado do abrigo lhe perguntou o que desejava, informou simplesmente:
— Preciso tão somente de uma enxada… Preciso recomeçar a ser útil, de qualquer modo.
Neio Lúcio