1 Um juiz cristão, rigoroso nas aplicações da lei humana, mas fiel no devotamento ao Evangelho, encontrando-se em meio duma sociedade corrompida e perversa, orou, implorando a presença de Jesus.
2 Tantas sentenças condenatórias devia proferir diariamente, que se lhe endurecera o coração.
3 Atormentado, porém, entre a confiança que consagrava ao Divino Mestre e as acusações que se acreditava compelido a formular, rogou, certa noite, ao Senhor, lhe esclarecesse o espírito angustiado.
4 Efetivamente, sonhou que Jesus vinha desfazer-lhe as dúvidas aflitivas. Ajoelhou-se aos pés do Amoroso Amigo e perguntou:
— Mestre, que normas adotar perante um homicida? Não estará logicamente incurso nas penas legais?
5 O Cristo sorriu, de leve, e respondeu:
— Sim, o criminoso está condenado a receber remédio corretivo, por doente da alma.
6 O juiz considerou estranha a resposta; contudo, prosseguiu indagando:
— Como agir, ante o delinquente rude, Senhor?
— Está condenado a valer-se de nosso auxílio, através da educação pelo amor paciente e construtivo, — explicou Jesus, bondoso e calmo.
7 — Mestre, e que corrigenda aplicar ao preguiçoso?
— Está condenado a manejar a enxada ou a picareta, conquistando o pão com o suor do rosto.
8 — Que farei da mulher pervertida? — Interrogou o jurista, surpreso.
— Está condenada a beneficiar-se de nosso amparo fraterno, a fim de que se reerga para a elevação do trabalho e para a dignidade humana.
9 — Senhor, como julgar o ignorante?
— Está condenado aos bons livros.
10 — E o fanático?
— Está condenado a ser ouvido e interpretado com tolerância e caridade, até que aprenda a libertar a própria alma.
11 — Mestre, e que diretrizes adotar, ante um ladrão?
— Está condenado à oficina e à escola, sob vigilância benéfica.
12 — E se o ladrão é um assassino?
— Está condenado ao hospício, onde se lhe cure a mente envenenada.
13 O magistrado passou a meditar gravemente e lembrou-se de que deveria modificar todas as peças do tribunal, substituindo a discriminação de castigos diversos por remédio, serviço, fraternidade e educação. Todavia, não se sentindo bem com a própria consciência, endereçou ao Senhor suplicante olhar, e perguntou, depois de longos instantes:
— Mestre, e de mim mesmo, que farei?
14 Jesus sorriu, ainda uma vez, e disse, sereno:
— O cristão está, condenado a compreender e ajudar, amar e perdoar, educar e construir, distribuir tarefas edificantes e bênçãos de luz renovadora, onde estiver.
Nesse momento, o juiz acordou em lágrimas e, de posse da sublime lição que recebera, reconheceu que, dali em diante, seria outro homem.
Neio Lúcio