1.
Facilitando-nos a tarefa, Druso apresentou-nos, mais intimamente, ao
Ministro Sânzio, informando que estudávamos, em alguns problemas da
Mansão, as leis de causalidade. 2
Anelando penetrar mais amplas esferas de conhecimento, acerca do destino,
indagávamos sobre a dor…
3 O grande mensageiro como
que abdicou por momentos a elevada posição hierárquica que lhe quadrava
à personalidade distinta, e, tanto pelo olhar quanto pela inflexão da
voz, parecia agora mais particularmente associado a nós, mostrando-se
mais à vontade.
4 — A dor, sim, a
dor… — Murmurou, compadecido, como se auscultasse transcendente questão
nos escaninhos da própria alma.
5 E fitando-nos, a
Hilário e a mim, com inesperada ternura, acentuou, quase doce:
— Estudo-a, igualmente, filhos meus. Sou funcionário humilde dos abismos. Trago
comigo a penúria e a desolação de muitos. 6
Conheço irmãos nossos, portadores do estigma de padecimentos atrozes,
que se encontram animalizados, há séculos, nos despenhadeiros infernais;
entretanto, cruzando as trevas densas, embora o enigma da dor me dilacere
o coração, nunca surpreendi criatura alguma esquecida pela Divina Bondade.
7 Registando-lhe a palavra
amorosa e sábia, inexprimível sentimento me invadiu a alma toda.
8 Até ali, não obstante ligeiramente,
convivera com numerosos Instrutores. De muitos deles conseguira ensinamentos
e observações magistrais, contudo, nenhum, até então, me trouxera ao espírito
aquele amálgama de enlevo e carinho, admiração e respeito que me assomava
ao sentimento.
9 Enquanto Sânzio falava,
generoso, cintilações roxo-prateadas nimbavam-lhe a cabeça, mas não
era a sua dignidade exterior que me fascinava. Era o caricioso magnetismo
que ele sabia exteriorizar.
Guardava a ideia de achar-me à frente de meu pai ou de minha própria
mãe, ao lado de quem me cabia dobrar os joelhos.
10 Sem que me fosse possível
governar a minha comoção, lágrimas ardentes rolavam-me pela face.
Não pude saber se Hilário estava preso ao mesmo estado dalma, porque, diante de mim, passei a ver Sânzio somente, dominado por sua grandeza humilde.
11 De onde vinha,
Senhor, — perguntava sem palavras nos refolhos do coração, — aquele
ser tocado de gloriosa simplicidade? Onde conhecera
eu aqueles olhos belos e translúcidos? Em que lugar lhe recebera, um dia,
o orvalho de amor divino, assim como o verme perdido na furna assimila a bênção
do Sol?
12 O Ministro percebeu-me a
emotividade, como o professor assinala a perturbação do aprendiz, e,
qual se quisesse acordar-me para a bênção das horas, avançou
para mim e observou carinhosamente:
— Pergunte, meu filho, sobre questões não pessoais, e responderei quanto puder.
13 Anotei-lhe a nobre intenção
e confiei-me ao equilíbrio.
— Grande benfeitor, — exclamei, comovido, buscando olvidar os meus próprios
sentimentos, — poderemos ouvi-lo, de algum modo, acerca do “carma”?
2.
Sânzio retomou a posição que lhe era habitual, junto ao espelho cristalino,
e obtemperou:
2 — Sim, o “carma”,
expressão vulgarizada entre os hindus, que em sânscrito quer dizer “ação”,
a rigor, designa “causa e efeito”, de vez que toda ação ou movimento
deriva de causa ou impulsos anteriores. 3
Para nós expressará a conta de cada um, englobando os créditos e os
débitos que, em particular, nos digam respeito. 4
Por isso mesmo, há conta dessa natureza, não apenas catalogando e definindo
individualidades, mas também povos e raças, estados e instituições.
5 O Ministro fez uma pausa,
como quem dava a perceber que o assunto era complexo, e continuou:
— Para melhor entender o “carma” ou “conta do destino criada por nós
mesmos”, convém lembrar que o Governo da Vida possui igualmente o seu
sistema de contabilidade, a se lhe expressar no mecanismo de justiça
inalienável. 6 Se no
círculo das atividades terrenas qualquer organização precisa estabelecer
um regime de contas para basear as tarefas que lhe falem à responsabilidade,
a Casa de Deus, que é todo o Universo, não viveria igualmente sem ordem.
7 A Administração Divina,
por isso mesmo, dispõe de sábios departamentos para relacionar, conservar,
comandar e engrandecer a Vida Cósmica, tudo pautando sob a magnanimidade
do mais amplo amor e da mais criteriosa justiça. 8
Nas sublimadas regiões celestes de cada orbe entregue à inteligência
e à razão, ao trabalho e ao progresso dos filhos de Deus, fulguram os
gênios angélicos, encarregados do rendimento e da beleza, do aprimoramento
e da ascensão da Obra Excelsa, com ministérios apropriados à concessão
de empréstimos e moratórias, créditos especiais e recursos extraordinários
a todos os Espíritos encarnados ou desencarnados, que os mereçam, em
função dos serviços referentes ao Bem Eterno; 9
e, nas regiões atormentadas como esta, varridas por ciclones de dor
regenerativa, temos os poderes competentes para promover a cobrança
e a fiscalização, o reajustamento e a recuperação de quantos se fazem
devedores complicados ante a Divina Justiça, poderes que têm a função
de purificar os caminhos evolutivos e circunscrever as manifestações
do mal. 10 As religiões
na Terra, por esse motivo, procederam acertadamente, localizando o Céu
nas Esferas superiores e situando o Inferno nas Zonas inferiores, porquanto,
nas primeiras, encontramos a crescente glorificação do Universo e, nas
segundas, a purgação e a regeneração indispensáveis à vida, para que
a vida se acrisole e se eleve ao fulgor dos cimos.
3.
Ante o intervalo espontâneo e reparando que o Ministro se propunha a
manter contato conosco, através da conversação, aduzi, com interesse:
2 — Comove saber que
sendo a Providência Divina a Magnanimidade Perfeita, gerando
valores infinitos de amor para distribuí-los com abundância em favor de todas
as criaturas, é também a Equidade Vigilante, na direção e na aplicação
dos bens universais.
3 — Efetivamente,
não poderia ser de outro modo, — ajuntou Sânzio, bondoso. — Em assuntos
da lei de causa e efeito, é imperioso não olvidar que todos os acervos
da vida, desde as mais remotas constelações ao último grânulo de poeira
subatômica, pertencem a Deus, cujos inabordáveis desígnios podem alterar
e renovar, anular ou reconstruir tudo o que está feito. 4
Assim, pois, somos simples usufrutuários da Natureza que consubstancia
os tesouros do Senhor, com responsabilidade em todos os nossos atos,
desde que já possuamos algum discernimento. 5
O Espírito, seja onde for, encarnado ou desencarnado, na Terra ou noutros
mundos, gasta, em verdade, o que lhe não pertence, recebendo por empréstimos
do Eterno Pai os recursos de que se vale para efetuar a própria sublimação
no conhecimento e na virtude. 6
Patrimônios materiais e riquezas da inteligência, processos e veículos
de manifestação, tempo e forma, afeições e rótulos honoríficos de qualquer
procedência são de propriedade do Todo-Misericordioso, que no-los concede
a título precário, a fim de que venhamos a utilizá-los no aprimoramento
de nós mesmos, marchando nas largas linhas da experiência, de modo a
entrarmos na posse definitiva dos valores eternos, sintetizados no Amor
e na Sabedoria com que, em futuro remoto, Lhe retrataremos a Glória
Soberana. 7 Desde o
elétron aos gigantes astronômicos da Tela Cósmica, tudo constitui reservas
das energias de Deus, que usamos, em nosso proveito, por permissão d’Ele,
de sorte a promovermos, com firmeza, nossa própria elevação a Sua Majestade
Sublime. 8 Dessa maneira,
é fácil perceber que, após conquistarmos a coroa da razão, de tudo se
nos pedirá contas no momento oportuno, mesmo porque não há progresso
sem justiça na aferição de valores.
9 Lembrei-me instintivamente
da nossa errada conceituação de vida na Terra, quando nos achamos sempre
dispostos a senhorear indebitamente os recursos do estágio humano, em
terras e casas, títulos e favores, prerrogativas e afetos, arrastando,
por toda a parte, as algemas do mais gritante egoísmo…
10 Sânzio registou-me os pensamentos,
porque acentuou com paternal sorriso, após ligeira pausa:
— Realmente, no mundo, o homem inteligente deve estar farto de saber
que todo conceito de propriedade exclusiva não passa de simples suposição.
11 Por empréstimo,
sim, todos os valores da existência lhe são adjudicados pela Providência
Divina, por determinado tempo, de vez que a morte funciona como juiz
inexorável, transferindo os bens de certas mãos para outras e marcando
com inequívoca exatidão o proveito que cada Espírito extrai das vantagens
e concessões que lhe foram entregues pelos Agentes da Infinita Bondade.
12 Aí, vemos os princípios
de causa e efeito, em toda a força de sua manifestação, porque, no uso
ou no abuso das reservas da vida que representam a eterna Propriedade
de Deus, cada alma cria na própria consciência os créditos e os débitos
que lhe atrairão inelutavelmente as alegrias e as dores, as facilidades
e os obstáculos do caminho. 13
Quanto mais amplitude em nossos conhecimentos, mais responsabilidade
em nossas ações. 14
Através de nossos pensamentos, palavras e atos, que nos fluem, invariáveis,
do coração, gastamos e transformamos constantemente as energias do Senhor,
em nossa viagem evolutiva, nos setores da experiência, e, do quilate
de nossas intenções e aplicações, nos sentimentos e práticas da marcha,
a vida organiza, em nós mesmos, a nossa conta agradável ou desagradável
ante as Leis do Destino…
4.
Nesse ponto do valioso esclarecimento, Hilário inquiriu com humildade:
2 — Amado Instrutor, à face
da gravidade de que a lição se reveste para nós, que devemos entender
como sendo “bem” e “mal”?
3 Sânzio fixou um gesto de tolerância
bondosa e replicou:
— Evitemos o mergulho nos labirintos da Filosofia, não obstante o respeito
que a Filosofia nos merece, porquanto não nos achamos num cenáculo simplesmente
destinado à esgrima da palavra. Busquemos, antes de tudo, simplificar.
4 É fácil conhecer
o bem quando o nosso coração se nutre de boa vontade à frente da Lei.
5 O bem, meu amigo,
é o progresso e a felicidade, a segurança e a justiça para todos os
nossos semelhantes e para todas as criaturas de nossa estrada, aos quais
devemos empenhar as conveniências de nosso exclusivismo, mas sem qualquer
constrangimento por parte de ordenações puramente humanas, que nos colocariam
em falsa posição no serviço, por atuarem de fora para dentro, gerando,
muitas vezes, em nosso cosmo interior, para nosso prejuízo, a indisciplina
e a revolta. 6 O bem
será, desse modo, nossa decidida cooperação com a Lei, a favor de todos,
ainda mesmo que isso nos custe a renunciação mais completa, visto não
ignorarmos que, auxiliando a Lei do Senhor e agindo de conformidade
com ela, seremos por ela ajudados e sustentados no campo dos valores
imperecíveis. 7 E o
mal será sempre representado por aquela triste vocação do bem unicamente
para nós mesmos, a expressar-se no egoísmo e na vaidade, na insensatez
e no orgulho que nos assinalam a permanência nas linhas inferiores do
espírito.
8 Finda breve pausa, o Ministro
ajuntou:
— Possuímos em Nosso Senhor Jesus-Cristo o paradigma do Eterno Bem sobre a Terra. Tendo dado tudo de si, em benefício dos outros, não hesitou em aceitar o supremo sacrifício no auxílio a todos, para que o bem de todos prevalecesse, ainda mesmo que a ele, em particular, se reservassem a incompreensão e o sofrimento, a flagelação e a morte.
5.
Em vista da pausa que se fizera espontânea, ousei ainda interrogar,
faminto de luz:
2 — Generoso amigo, poderíamos
ouvi-lo, de alguma sorte, quanto aos apontamentos cármicos que trazemos em
nós mesmos?
3 Sânzio refletiu alguns momentos
e ponderou:
— É muito difícil penetrar o sentido das Leis Divinas, com os recursos
limitados da palavra humana. Ainda assim, iniciemos o tentame, recorrendo
a imagens tão simples quanto seja possível. 4
Apesar da impropriedade, comparemos a esfera humana ao reino vegetal.
5 Cada planta produz
na época própria, segundo a espécie a que se ajusta, e cada alma estabelece
para si mesma as circunstâncias felizes ou infelizes em que se encontra,
conforme as ações que pratica, através de seus sentimentos e ideias,
decisões e atos na peregrinação evolutiva. 6
A planta, de começo, jaz encerrada no embrião, e o destino, ao princípio
de cada nova existência, está guardado na mente. 7
Com o tempo, a planta germina, desenvolve-se, floresce e frutifica e,
também com o tempo, a alma desabrocha ao sol da eternidade, cresce em
conhecimento e virtude, floresce em beleza e entendimento e frutifica
em amor e sabedoria. 8
A planta, porém, é uma crisálida de consciência, que dorme largos milênios,
rigidamente presa aos princípios da genética vulgar que lhe impõe os
caracteres dos antepassados, e a alma humana é uma consciência formada,
retratando em si as leis que governam a vida e, por isso, já dispõe,
até certo ponto, de faculdades com que influir na genética, modificando-lhe
os valores, porque a consciência responsável herda sempre de si mesma,
ajustada às consciências que lhe são afins. 9
Nossa mente guarda consigo, em germe, os acontecimentos agradáveis ou
desagradáveis que a surpreenderão amanhã, assim como a pevide minúscula
encerra potencialmente a planta produtiva em que se transformará no
futuro.
10 Nessa altura, Hilário perguntou,
inquieto:
— Não teremos, nesse postulado, a consagração do determinismo de ordem absoluta? Se trazemos hoje, no campo mental, tudo aquilo que nos sucederá amanhã…
11 Sânzio, contudo, esclareceu,
complacente:
— Sim, nas Esferas primárias da evolução, o determinismo pode ser considerado
irresistível. 12 É o
mineral obedecendo a leis invariáveis de coesão e o vegetal respondendo,
fiel, aos princípios organogênicos, mas, na consciência humana, a razão
e a vontade, o conhecimento e o discernimento entram em função nas forças
do destino, conferindo ao Espírito as responsabilidades naturais que
deve possuir sobre si mesmo. 13
Por isso, embora nos reconheçamos subordinados aos efeitos de nossas
próprias ações, não podemos ignorar que o comportamento de cada um de
nós, dentro desse determinismo relativo, decorrente de nossa própria
conduta, pode significar liberação abreviada ou cativeiro maior, agravo
ou melhoria em nossa condição de almas endividadas perante a Lei.
14 — Mas, ainda
mesmo nas piores posições expiatórias, — inquiri, — goza a consciência
dos direitos inerentes ao livre arbítrio?
15 — Como não? —
Falou o Ministro, generoso. — Imaginemos um delinquente complexo,
segregado na penitenciária. Acusado de vários crimes, permanece privado
de toda e qualquer liberdade na enxovia comum. Ainda assim, na hipótese
de aproveitar o tempo no cárcere, para servir espontaneamente à ordem
e ao bem-estar das autoridades e dos companheiros, acatando com humildade
e respeito as disposições da lei que o corrige, atitude essa que resulta
de seu livre arbítrio para ajudar ou desajudar a si mesmo, a breve tempo
esse prisioneiro começa por atrair a simpatia daqueles que o cercam,
avançando com segurança para a recuperação de si mesmo.
6.
O raciocínio era claro, mas, não desejando perder o fio da lição simples
e preciosa, indaguei:
2 — Venerável benfeitor, para
nossa edificação, poderemos recolher mais amplas anotações sobre a melhor
maneira de colaborar com a Lei Divina em nosso próprio favor? Dispomos
de algum meio para escapar à justiça?
3 Sânzio sorriu e observou:
— Da justiça ninguém fugirá, mesmo porque a nossa consciência, em acordando
para a santidade da vida, suspira por resgatar dignamente todos os débitos
de que se onerou perante a Bondade de Deus; entretanto, o Amor Infinito
do Pai Celeste brilha em todos os processos de reajuste. 4
Assim é que, se claudicamos nessa ou naquela experiência indispensável
à conquista da luz que o Supremo Senhor nos reserva, é necessário nos
adaptemos à justa recapitulação das experiências frustradas, utilizando
os patrimônios do tempo. 5
Figuremos um homem acovardado diante da luta, perpetrando o suicídio
aos quarenta anos de idade no corpo físico. Esse homem penetra no mundo
espiritual sofrendo as consequências imediatas do gesto infeliz, gastando
tempo mais ou menos longo, segundo as atenuantes e agravantes de sua
deserção, para recompor as células do veículo perispirítico, 6
e, logo que oportuno, quando torna a merecer o prêmio de um corpo carnal
na Esfera humana, dentre as provas que repetirá, naturalmente se inclui
a extrema tentação ao suicídio na idade precisa em que abandonou a posição
de trabalho que lhe cabia, 7
porque as imagens destrutivas, que arquivou em sua mente, se desdobrarão,
diante dele, através do fenômeno a que podemos chamar “circunstâncias
reflexas”, dando azo a recônditos desequilíbrios emocionais que o situarão,
logicamente, em contato com as forças desequilibradas que se lhe ajustam
ao temporário modo de ser. 8
Se esse homem não houver amealhado recursos educativos e renovadores
em si mesmo, pela prática da fraternidade e do estudo, de modo a superar
a crise inevitável, muito dificilmente escapará ao suicídio, de novo,
porque as tentações, não obstante reforçadas por fora de nós, começam
em nós e alimentam-se de nós mesmos.
7.
O apontamento era valioso e, por essa razão, interroguei com a curiosidade
respeitosa do aluno interessado em aprender:
2 — E como pode a criatura
habilitar-se devidamente para resgatar o preço da sua libertação?
3 Sânzio não se deu por surpreendido
e replicou, de pronto:
— Como qualquer devedor que, de fato, se empenhe na solução dos seus compromissos. Decerto que o homem, sumamente endividado, precisa aceitar restrições no seu conforto para sanar seus débitos com as suas próprias economias. Em razão disso, não pode viver à farta, mas sim com abstinência e suor, de modo a liberar-se tão depressa quanto possível.
4 O grande orientador fez
uma pausa de momento, como para refletir, e continuou:
— Voltemos ao símbolo da planta. Imaginemos que uma semente de laranjeira
caiu em terreno pobre e seco. Segundo as leis que regem as atividades
agrícolas, germinará ela sob constringentes obstáculos, transformando-se
num arbusto mirrado, com lamentável produção no tempo devido. 5
Mas, se o lavrador lhe acode às necessidades e exigências, desde o início
da luta, oferecendo-lhe adubo, água e defesa, tanto quanto ajudando-a
com a poda salutar no momento oportuno, a laranjeira atenderá, brilhantemente,
ao próprio destino… 6
Semelhantes cuidados, no entanto, devem ser postos em ação, na hora
justa, isto é, quando na Terra a alma, e tanto quanto possível deve
começar essa restauração nos melhores tempos da jornada física…
7 Hilário, que acompanhava
a exposição, fascinado quanto eu mesmo pela lógica daquelas palavras
sábias e simples, interrogou:
8 — E quando a criatura não
pode contar, na infância ou na mocidade, com preceptores afeiçoados
ao bem, capazes de funcionar como lavradores diligentes, junto daqueles
que recomeçam a luta humana?
9 — Sem dúvida, —
ponderou o Ministro, — a meninice e a juventude são as épocas mais adequadas
à construção da fortaleza moral com que a alma encarnada deve tecer
gradativamente a coroa da vitória que lhe cabe atingir. 10
Entretanto, é imperioso entender que, no Espírito consciente, a vontade
simboliza o lavrador a que nos reportamos, e o
adubo, a irrigação e a poda constituem o serviço incessante a que deve
consagrar-se nossa vontade, na recomposição de nossos próprios destinos.
11 Em vista disso,
todo minuto da vida é importante para renovar e redimir, aprimorar e
purificar. 12 Compreendamos
que a tempestade, como símbolo de crise, surgirá para todos, em determinado
momento, contudo, quem puder dispor de abrigo certo, superar-lhe-á os
perigos com desassombro e valor.
8.
A explicação alcançava-nos a mente, qual réstia de Sol penetrando um
cubículo escuro.
2 Meu colega, no entanto,
voltou a considerar:
3 — Ação por ação, temos igualmente
muito trabalho, depois da morte do corpo denso. Assim como perpetramos
faltas na carne para sofrer-lhes, muitas vezes, as consequências aqui,
é natural que por nossas ações deploráveis, aqui, venhamos a padecer
na carne?
4 — Perfeitamente,
— confirmou Sânzio, bondoso; — nossas manifestações contrárias à Lei
Divina, que é, invariavelmente, o Bem de Todos, são corrigidas em qualquer
parte. Há, por isso, expiações no Céu n e na Terra. 5 Muitos
desencarnados que se enleiam em desregramentos passionais até às raias
do crime, mormente nos processos de obsessão, não obstante advertidos
pela própria consciência e pelos avisos respeitáveis de instrutores
benevolentes, criam para si mesmos pesadas e aflitivas contas com a
vida, cujo resgate lhes reclama luta e sacrifício em tempo longo. 6
Aliás, com alusão ao assunto, é justo lembrar que o nosso esforço de autorreajustamento na vida espiritual, antes da reencarnação, na maioria
das circunstâncias ameniza-nos a posição, garantindo-nos uma infância
e uma juventude repletas de esperança e tranquilidade, para as recapitulações
a se efetuarem na madureza, exceção feita, naturalmente, aos problemas
de dura e imediata expiação, nos quais a alma é compelida a tolerar
rijos padecimentos, muitas vezes desde o ventre materno, tanto quanto
os desenganos e os achaques, as humilhações e as dores da velhice ou
da longa enfermidade, antes do túmulo. 7
Essas dores, angústias e sofrimentos vários nos suavizam a ficha de
Espíritos devedores, permitindo-nos abençoada trégua nos primeiros tempos
da Esfera espiritual, logo após a peregrinação pelo campo físico.
8 A maioria das pessoas
encarnadas no mundo, ao atingirem a idade provecta, habitualmente se
confiam, nas últimas fases da existência, à ponderação e à meditação,
à serenidade e à doçura. 9
As mentes infantis, ainda mesmo na senectude das forças genuinamente
materiais, continuam levianas e irresponsáveis, 10
mas os corações amadurecidos no conhecimento se valem, por intuição
natural, da velhice ou da dor para raciocinar com mais segurança, seja
consagrando-se à fé nos templos religiosos, com o que asseguram a si
próprios mais amplo equilíbrio íntimo, seja devotando-se à caridade,
com o que esbatem na memória as recordações menos desejáveis, preparando,
assim, com louvável acerto e admirável sabedoria, a irrevogável passagem
para a Vida Maior.
9.
Concluí, pelo olhar de Druso, que a nossa entrevista estava prestes
a encerrar-se. E, por isso, aventurei ainda uma indagação:
2 — Ministro amigo, compreendendo
que há dívidas que, por sua natureza e extensão, exigem de nós várias
existências ou romagens na carne terrestre para o respectivo resgate,
como apreciá-las do ponto de vista da memória? Sinto, por exemplo, que
tenho na retaguarda imensos débitos para ressarcir, dos quais não me
lembro agora…
3 — Sim, sim… — Explicou
ele, — a questão é de tempo. 4
À medida que nos demoramos aqui na organização perispirítica, no fiel
cumprimento de nossas obrigações para com a Lei, mais se nos dilata
o poder mnemônico. Avançando em lucidez, abarcamos mais amplos domínios
da memória. 5 Assim
é que, depois de largos anos em serviço nas zonas espirituais da Terra,
entramos espontaneamente na faixa de recordações menos felizes, identificando
novas extensões de nosso “Carma.” ou de nossa “conta” e, embora sejamos
reconhecidos à benevolência dos Instrutores e Amigos que nos perdoam
o passado menos digno, jamais condescendemos com as nossas próprias
fraquezas e, por isso, vemo-nos impelidos a solicitar das autoridades
superiores novas reencarnações difíceis e proveitosas, que nos reeduquem
ou nos aproximem da redenção necessária. Compreenderam?
Sim, havíamos entendido.
6 Sânzio fitou o diretor da
casa, como a dizer-lhe que o horário se esgotara, e Druso lembrou, com
gentileza, que não devíamos reter o Instrutor atencioso e complacente.
7 Agradecemos com humildade
as lições recebidas, enquanto o Ministro voltava à câmara brilhante,
onde a neblina móvel passou, de novo, a adensar-se, apagando-lhe a figura
venerável aos nossos olhos.
8 Em breves minutos, o ambiente
retomou os característicos que lhe eram habituais e a palavra comovedora
de Druso, em prece, encerrou a inolvidável reunião.
André Luiz
[1] [“Expiações no Céu”: Céu no sentido do mundo espiritual,
porque foi assim que Jesus designava o Plano Invisível.]