1 O médium João Luna estava doente, cansado.
2 Lavador de carros, ganhando pouco, afligia-se ao ver a esposa e os quatro filhinhos, descalços e mal vestidos, no barraco suburbano, constituído por dois cômodos pequeninos, quase que totalmente remendados por fragmentos de zinco.
3 Preocupados, alguns amigos conduziram-no à residência de Dona Augusta de Lima, conhecida médium no centro da cidade.
Como fazia com todos, a bondosa senhora recebeu o grupo amavelmente, abrindo as portas da moradia.
4 Embora arrasado pelo desânimo, João admirava o interior doméstico.
A mobília inglesa emoldurava-se de telas custosas, de esculturas gregas, de copiosa alfaia italiana e de belos tapetes em que sobressaíam os gobelins na talagarça unida.
5 Enquanto conversavam, refrescos eram servidos em cristais da Boêmia.
Findo o repasto, a médium convidou os circunstantes à oração.
6 Bastava a prece para que João se recuperasse.
E Dona Augusta transmitiu o passe e orou.
7 E pediu a Deus se compadecesse dela, afirmando-se a mulher mais sofredora do mundo. Dizia-se exausta de provações, fatigada, abatida, sem coragem de prosseguir. E chorava. E rogava a compaixão divina para a sua existência, verdadeiro “vale de lágrimas”, segundo a sua própria expressão.
8 Quando terminou, João parecia realmente melhor. Sorria.
Os visitantes apresentavam despedidas.
9 Luna, muito comovido, exclamou para a dona da casa:
— Dona Augusta, Deus lhe pague o que a senhora fez por mim.
— Como assim, meu irmão? — Disse a médium, — eu nada fiz.
10 E Luna observou, reanimado, sem qualquer intenção de ferir:
— Recebi muito em sua prece, pois, se a senhora no conforto que Deus lhe deu afirma que é a mulher mais sofredora da Terra, eu, na minha casa de zinco, devo ser feliz sem saber.
Hilário Silva