1 Estávamos em tarefa de assistência, na grande nave aérea, que voava tranquilamente.
Lá em baixo, as montanhas mineiras mostravam a exuberância de sua vegetação.
Aqui e ali, uma nuvem a espreguiçar-se, impassível.
2 Lado a lado, conversavam dois amigos:
— E você, que fará no Rio?
— Vou tratar da saúde.
3 — Você? O confidente dos “bons Espíritos”?
— Como não? São bons amigos… Mas um amigo não pode apagar nossos débitos.
4 — Mas, enfim, para que serve o Espiritismo?
— Ajuda-me a viver preparado.
5 — Para quê? — E sorriu, insolente, o companheiro sarcástico. — Vocês, religiosos, só falam em amanhã e amanhã. Mas a vida é hoje, meu caro… Ateu como sou, vivo muito melhor. Minha fazenda dá de tudo. A corretagem é boa mina. Com ela, estou formando larga frota de caminhões em Brasília! Mas vocês, espíritas, são impressionantes. Pensam somente em sessões e ilusões, com os olhos no outro mundo…
— Não é tanto assim…
6 — Que faz você, agora?
— Como há dez anos, represento o comércio.
— Muitos patrões?
— Muitos patrões.
7 — Faça como eu. Nada de dependência. Sou livre, livre. Vou onde quero e faço o que quero. Neste ano, levantarei meu arranha-céu em São Paulo, terei minha casa de repouso, no Eldorado, adquirirei terreno numa das praias de Santos e comprarei novas terras em Goiás. Mas, antes disso, quero visitar Nova Iorque. Darei uma espiada na América. Já estou providenciando passagem num Caravelle… Nada de outra vida. Quero esta mesma…
8 Nesse ínterim, a grande cidade, embora ao longe, apareceu de todo…
O Corcovado e o Pão de Açúcar ornavam a natureza da terra carioca.
— Veja a beleza do mundo! — Acentuou o viajante materialista. — Isso é para ser desfrutado, gozado, aproveitado. E depressa. Nada de amanhã. Tudo é hoje. Se você quiser esquecer essa história de mortos comunicantes, dê à noite um pulo no meu hotel!…
9 Nisso, porém, a máquina poderosa começou a jogar.
Parecia um pássaro enorme em convulsões imprevistas.
10 E, antes que os passageiros dessem conta de si, o grande avião mergulhou no mar, com a desencarnação de todos…
Hilário Silva