1 O irmão Fego, abnegado espírita que se tornara um apóstolo da caridade em Sergipe, começou a aplicar passes magnéticos em um cavalheiro obsidiado, cujas melhoras eram visíveis.
2 O generoso visitador dos pobres reparou, entretanto, que a memória do enfermo ainda era confusa.
O doente comia regularmente, dormia calmo e falava com acerto, mas parecia de nada mais recordar-se.
3 Seis meses corriam sobre a situação, quando implorou ao Espírito Bittencourt Sampaio, então incorporado em um médium amigo de Aracaju, socorresse o infeliz, ao que o benfeitor respondeu que o doente já estava plenamente restabelecido e que já não mais necessitava de passe.
— E a memória? — Disse Fego, — o pobre homem não mais se lembra de nada… É falta de caridade deixá-lo assim…
4 Bittencourt não respondeu e Fego acreditou que o generoso amigo espiritual fora substituído por algum mistificador.
5 No dia seguinte, orava junto ao enfermo, agradecendo a presença dos instrutores da Vida Maior nos passes que acabava de ministrar, quando o enfermo foi visitado por um homem de boa aparência, que, depois de saudá-lo, entrou logo no assunto que o trazia.
— Venho vê-lo, — disse, — da parte de um companheiro de Pernambuco.
6 E porque o doente nada respondesse, como se estivesse alheio ao assunto, prosseguiu:
— É o problema da conta… Não se lembra da conta?
— Não, não me lembro… — Replicou o interpelado a esparramar-se na rede.
— Mas, meu amigo, é caso urgente… É a velha conta…
— Não me recordo.
— Meu Deus, é uma questão séria… Trata-se de uma conta grande…
7 Fego, compadecido, interferiu, falando em tom de súplica:
— Peço ao senhor ajudar-nos, solicitando paciência ao credor… Por enquanto, nosso doente está sem memória…
— Mas dá-se o contrário, — exclamou o visitante, — trata-se de oitenta contos de réis que preciso entregar-lhe em nome de um amigo.
8 Os olhos do enfermo iluminaram-se de repente, e ele falou firme:
— Já sei… Lembro-me perfeitamente agora. É um dinheiro que emprestei ao Geminiano, em Recife, há quatro anos… Poderei passar recibo imediatamente…
— Isso mesmo, isso mesmo, — disse o recém-chegado, esfregando as mãos.
9 Estupefato, irmão Fego abanou a cabeça e falou em voz alta, qual se estivesse argumentando consigo mesmo:
— É… é… Bittencourt tinha razão.
Hilário Silva