1 Vital Cesarini, muito conhecido pela distinção e pelas ideias liberais, entretinha-se em animada conversação com o seu amigo João Fagundes, num café, e o assunto era a juventude transviada.
2 — Graças a Deus, — dizia João, — consegui que meu filho se interessasse pela Doutrina Espírita e, com isso, está mais ponderado, mais responsável.
3 — Não temos necessidade de religião para consertar a mocidade, — afirmava Cesarini. — Em casa, somos livres-pensadores e meu Jairo é um modelo… Bacharelou-se e é hoje alto funcionário do banco, sem trazer-me qualquer problema. E que pureza de costumes, “seu” João! A gente perto dele é uma espécie de pecador que precisa estar prevenido.
— Oh! isso é uma felicidade…
— Sem dúvida.
4 — Seu filho frequenta cinemas, teatros?
— Absolutamente.
5 — Fuma?
— Nunca usou um cigarro.
6 — Tem namoradas?
— Tem vinte e seis anos, não tem caso algum.
7 — É vegetariano?
— Tem pavor à carne, nunca provou um bife.
8 — É calmo dentro de casa?
— Nunca lhe ouvi a menor expressão de cólera. É delicado, limpo, maneiroso…
9 — Não sai à noite?
— Somente para trabalhar, em serões de serviço.
10 Nisso, porém, alguém surge à mesa.
Cesarini descobre-se e apresenta:
— É o diretor do banco em que meu filho trabalha.
11 Senta-se o recém-chegado e, enquanto aceita o café, mostrando o semblante triste, fala, discreto:
— Sr. Cesarini, venho de sua residência, onde fui procurá-lo para importante assunto. Ainda assim, não sei se posso falar-lhe aqui…
12 — Esteja à vontade, — respondeu Cesarini, ansioso, — estou às suas ordens.
— Seu filho, — informou o amigo, — conforme inquérito silencioso que terminamos hoje, acaba de dar enorme desfalque no banco, assinando cheques falsos no valor integral de um milhão e duzentos mil cruzeiros.
Hilário Silva