O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Almas em desfile — Hilário Silva — F. C. Xavier / Waldo Vieira — 1ª Parte


21

Dois meses antes

I


1 Grande confeitaria paulista, ao anoitecer. Clientela numerosa.

Quando Olavo Dias, denodado trabalhador da seara espírita, se aproxima da caixa para efetuar o pagamento de certa compra, surge a atoarda:

— Ladrão! Ladrão! Pega o ladrão! Pega! Pega!

2 Alia-se um guarda a robusto balconista e agarra pobre homem, extremamente mal vestido, que treme ao apresentar grande pacote nas mãos.

— Ele roubou de um freguês, — grita o caixeiro, como que triunfante ao guardar a presa.

3 Quase todos os rostos se voltam para o infeliz.

O policial apresta-se para as providências que o caso lhe sugere, mas Olavo Dias avança e toma a defesa.

— Não é um ladrão, — explica, — e não admito qualquer violência.

4 E no propósito de ajudá-lo, Olavo mente, afirmando:

— É meu empregado e, decerto, retirou o pacote julgando que me pertencesse.

5 Enérgico, toma o embrulho, devolve-o ao gerente, pede desculpas pelo engano e afasta-se com o desconhecido, dando-lhe o braço, como se o fizesse a um parente, diante dos circunstantes perplexos.

6 Dobrando, porém, a primeira esquina, dirige-lhe a palavra, admoestando:

— Ora essa, meu caro! Sou espírita e um espírita não deve mentir. Entretanto, fui obrigado a isso para defendê-lo.

7 O interpelado mergulha a fronte nas mãos ossudas e explica em lágrimas:

— Doutor, roubei porque tenho seis filhos com fome… Sou doente do peito… Não acho serviço…

— Bem, bem, — falou Olavo, comovido, — não estou aqui para fazê-lo chorar.

8 Condoído, abriu a bolsa, deu-lhe o concurso possível e perguntou-lhe pelo endereço.

O infeliz declarou chamar-se Noel de Souza, deu os nomes da esposa e dos filhos e informou residir nas proximidades da Vila Maria, em modesto barracão.

9 O benfeitor, realmente sensibilizado, prometeu visitá-lo na primeira oportunidade, e, finda uma semana, ei-lo de automóvel a procurar pela casinha distante.

Depois de algum esforço, localizou-a.

10 Encontrou a senhora Souza e os seis filhinhos esquálidos, mas o dono da casa não estava.

Saíra para angariar socorro médico.

11 Olavo, tocado de compaixão, fez quanto pôde pela família sofredora e, ao despedir-se, ouviu a dona da casa dizer-lhe sob forte emoção:

— Um dia, se Deus quiser, Noel há de retribuir o senhor por tudo o que está fazendo…

12 Precisando deixar S. Paulo, em função da vida comercial, Olavo recomendou os novos protegidos a diversos companheiros, e esqueceu a ocorrência.


II


1 Decorridos seis meses, Olavo, certo dia, chega apressado ao aeroporto de grande cidade brasileira.

Precisava viajar urgentemente, mas não tem passagem. Arriscar-se-á, no entanto, à aquisição de última hora.

2 Retendo pequena pasta, procura na multidão um amigo que o precedera, minutos antes, com o fim de ajudá-lo, até que o vê a pequena distância, acenando-lhe a que se apresse.

3 O problema está resolvido. Basta que apresente a documentação necessária.

Avança, presto, mas alguém cruza o caminho. Sente-se abraçado numa explosão de ternura.

4 Olavo tenta quebrar o impedimento afetivo, mas reconhece Noel de Souza e estaca, surpreendido.

— Você… aqui?

5 O amigo está humildemente trajado, mas limpo e alegre.

— Sim, doutor, preciso vê-lo, — confirma o interlocutor.

6 — Agora, não, — falou Olavo, contrafeito. Como se não lhe anotasse o azedume, o outro tomou-lhe o braço e arrasta-o docemente para fora do raio de visão do companheiro que o espera.

— Souza, não me detenha, não me detenha… — roga Olavo, inquieto.

7 — Escute, doutor, preciso agradecer-lhe… E como se não lhe pudesse escapar da mão, Olavo escuta-lhe a fala entediado e impaciente. Noel refere-se à esposa e aos filhos e repete frases de gratidão e carinho.

8 Depois de alguns instantes, Dias, revoltado, desvencilha-se e abandona-o sem dizer palavra. Alcança o amigo, mas é tarde.

O avião não pudera esperar.

Acabrunhado, vê, de longe, o aparelho de portas cerradas, na decolagem.

9 Bastante desapontado, busca Noel de Souza para ouvi-lo com mais atenção, já que perdera a viagem. Entretanto, por mais minuciosa a procura, não mais o encontra.

10 Daí a quatro horas, recebe trágica notícia.

O aparelho em que disputara lugar caíra de grande altura, sem deixar sobreviventes.

11 Intrigado, regressa a S. Paulo e corre a visitar a choupana de Noel. Quer vê-lo, abraçá-lo, comentar o acontecimento.

12 Mas, no lar modesto de Vila Maria, veio a saber que Souza desencarnara dois meses antes.


Hilário Silva


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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