O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

Índice |  Princípio  | Continuar

Almas em desfile — Hilário Silva — F. C. Xavier / Waldo Vieira — 1ª Parte


19

Os vira-latas

1 Desaparecera Nelito, o filhinho do industrial Sérgio Luce.

A família viera da cidade passar o fim de semana no apagado burgo madeireiro. E Manoel, o pequeno Nelito, de quatro anos, embrenhara-se na mata enorme que circundava a localidade.

Duas horas longas de expectativa.

2 A senhora Luce chorava ao pé do marido preocupado. Amigos chegando. Servidores em movimento. Lá estavam as pessoas mais salientes da vila. O médico, o sacerdote, o juiz, alguns professores e o antigo advogado, Dr. Nascimento Júnior, muito conhecido pela sua intransigência religiosa.

3 Humilde, apareceu também Florêncio Gama, o diretor do templo espírita recém-fundado. Misturava-se, em sua roupa surrada, à turba palradora, no grande portão da entrada, sustendo dois cães arrepiados, em corda curta.

— Florêncio! Florêncio, venha cá!

4 Era o Dr. Nascimento a chamá-lo. O operário simples, de chapéu na mão e segurando os cachorros mansos, foi atender.

Talvez desejando humilhá-lo, o causídico pronunciou grande sermão.

Não estimava saber que um templo espírita se erguera.

5 Respeitava em Florêncio um homem de bem. Trabalhador correto. Ordeiro. Entretanto, não queria vê-lo nas fileiras espíritas. E acrescentava que os espíritas não eram cristãos tradicionais. Não tinham classe. Discutiam livremente o Evangelho do Senhor. E isso lhe parecia desrespeito.

6 A Doutrina Espírita, a seu ver, constituía desordenado movimento do povo. Sem pastor visível. Sem qualquer linha aristocrática na direção. Que o amigo lhe desculpasse. A hora de inquietude não comportava o assunto; contudo, não conseguia furtar-se ao ensejo.

7 Florêncio ouviu calado.

Explicou que desejava simplesmente cooperar na busca. E pediu uma roupa usada pela criança.

A senhora Luce atendeu.

8 Em seguida, solicitou a presença dos cães que habitavam a casa. Vieram à sala quatro buldogues solenes, cinco dinamarqueses fidalgos, dois “fox-terriers” e uma cadelinha “bassé”.

Florêncio deu-lhes a roupa da criança a cheirar, mas não se moveram.

9 A seguir, repetiu a operação com os dois cãezinhos que o acompanhavam. Latiram, impacientes. E libertos correram para a mata, voltando, daí a alguns minutos, ladrando alegremente.

— “Sigamo-los, — disse Florêncio, — tudo indica que a criança foi encontrada.”

10 Todo o grupo avançou.

Com efeito, em pouco tempo, seguindo os cães, surpreenderam a criança dormindo num monte de palha seca.

11 Os animais ganiam, felizes, como quem havia cumprido agradável dever.

Júbilo geral.

12 Florêncio recolheu os companheiros para a volta, e, dirigindo-se, bem-humorado, ao Dr. Nascimento, disse-lhe:

— Olhe a lição, doutor. O senhor, decerto, enganou-se ao dizer que a Doutrina Espírita não possui representantes respeitáveis. Temos, sim. E muitos. Agora, quanto a sermos uma religião do povo, lembre-se de que os cães de raça, embora valiosíssimos, ficaram em casa emproados e preguiçosos. Nossos cachorros anônimos, porém, não hesitaram…

13 E terminou, contente:

— Conforme o senhor disse, os espíritas podem ser os virá-latas do canil terrestre, segundo o seu conceito, mas procuram trabalhar, aprendendo a servir…


Hilário Silva


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

Abrir