1 Heitor Pessoa e a esposa, D. Delminda, desde os primeiros dias na cidade eram assíduos frequentadores do templo espírita.
Corretíssimos. Generosos. Entretanto, fora disso, pareciam fechados. Excelentes companheiros na instituição; contudo, na vida particular, eram francamente inacessíveis.
— Muito bons, mas muito orgulhosos.
— Sabem ensinar a fraternidade, mas escorregam mais do que peixes.
2 Observações como essas eram frequentes.
E como semelhante situação estivesse incomodando, o presidente imaginou um meio de sanar as impressões.
3 Em cada semana, o culto do Evangelho seria atendido em determinado lar.
Assim, cada residência dos irmãos da agremiação seria aberta ao exercício da fraternidade.
4 Chegada a ocasião em que lhes caberia o testemunho afetivo, Heitor e senhora tentaram gentilmente esquivar-se, mas a diretoria insistiu e tiveram que abrir as portas.
Na noite indicada, o casal e o único filho, Marcelo, rapaz de nobres feições, atlético e bem-posto, fizeram as honras.
5 A reunião correu encantadora e o texto do Evangelho, “não julgueis para não serdes julgados”, mereceu apontamentos lindos. O cafezinho foi servido carinhosamente, mas, às despedidas, veladas reclamações ouviam-se aqui e ali. Mafra, o presidente, havia perdido a carteira; Antônio Silva sentia falta do relógio; Dona Carlinda ficara sem o broche de ouro e Dona Aurora não pudera localizar a pulseira.
6 No dia seguinte, porém, Heitor, muito desapontado, visitou os companheiros, um a um, restituindo-lhes os objetos perdidos e explicando que não costumava receber visitas porque tinha o filho ainda desajuizado, em vagaroso tratamento.
Boquiabertos, os amigos compreenderam que o distinto e esquivo casal trazia a provação de um filho, muito sadio de corpo, mas positivamente obsidiado.
Hilário Silva