1 Era um caso singular
O caso de João Monteiro,
Capitalista aos quarenta,
Só procurava dinheiro.
2 Vivia sempre isolado.
Segregação incomum,
Não cultivava amizades
Nem tinha parente algum.
3 Emprestava, a juros altos,
E usando rasteira e treta,
Prendia com papelada
Muita gente na gaveta.
4 Se alguém lhe rogasse auxílio,
Considerava, brigão:
— “Para todo petitório
A minha resposta é não.”
5 Senhoras vinham a ele
Falando em beneficência,
Necessitavam de apoio
Para os irmãos em carência.
6 João dizia com sarcasmo:
— “Não desejo compromisso,
Se alguém é doente e pobre,
Eu nada tenho com isso…”
7 Se um menino aparecesse,
Pedindo a esmola de um pão,
Gritava: — “Saia daqui!
Menino sujo é ladrão…”
8 A mendigo que surgisse
Rogando-lhe algum café,
Exclamava, zombeteiro:
— “Passe bem, fique como é…”
9 Se alguém lhe adiava os juros
Na data prefixada,
Ouvia-lhe os desaforos,
Sofria-lhe a mão pesada.
10 Certa noite, João em sonho
Viu a morte… Parecia
Ver um anjo estranho e lindo
A dizer que o buscaria…
11 Ele pensou na fortuna
Que retinha com cuidado,
Sobressaltou-se, chorou
E implorou, acabrunhado:
12 — “Grande Morte, grande dama,
Preciso ainda viver;
Deixe-me… Venha mais tarde…
Tenho muito que fazer…”
13 Disse a Morte, brandamente:
— “O seu pedido é perfeito,
Mas o seu tempo é chegado
E o que se fez está feito.
14 “Você me chama por grande,
Como se eu fosse rainha,
No entanto, entre as criaturas,
Sou fraca e pequenininha…”
15 João acordou, assustado,
Vestiu-se, pôs o boné;
Ao calçar-se, um prego solto
Feriu-lhe um dedo do pé.
16 Logo, logo, o dedo inchado
Impunha-lhe muita dor…
Fez banhos, colou emplastros,
Mancando foi ao doutor.
17 Mas tudo acabou, em vão…
Com várias radiografias,
O tétano levou João
Simplesmente em cinco dias…
Jair Presente
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