1 Ao homem que tombara em desalento,
Crendo-se velho, inútil e sozinho,
Deus permitiu pudesse escutar, certa feita,
Grande árvore seca, mas de pé,
Que lhe falou, num cântico de fé,
À beira do caminho:
2 — Amigo, ergue-te e segue… Deus nos vê.
Não perguntes por que
A velhice aparente nos recobre…
Muitos passam aqui, parando na viagem…
Lamentam-me a nudez, dizem-me triste e pobre.
Entretanto, ainda guardo
A seiva da esperança e da coragem
Que Deus criou em mim.
3 Um dia fui esplêndido jardim,
Os pássaros cantavam nos meus braços,
Depois voavam, devorando espaços,
Em seguida, tornavam da distância
A me pedirem ninhos!
Com que amor lhes guardava os filhotinhos!
4 Louvava o Excelso Pai por minha mocidade
E orava a oferecer-lhe a minha gratidão
Sob a forma de flores
Do júbilo profundo.
Quando se tem no mundo
A paz do coração!…
5 Deus aceitava as minhas preces,
Transformando-as em frutos
Para todos aqueles que passassem…
Quantos homens vieram e os colheram!
Muitos nobres e bons, outros fracos e brutos
Que me varavam, galho a galho,
Sem refletirem no trabalho
Que Deus tivera em me formar…
Mas nada perguntei a eles quanto a isso,
Todos somos de Deus para a luz do serviço
Tendo por privilégio o dom de trabalhar.
6 Minha copa era grande… Era um vestido
Todo ele a vibrar, entretecido
De folhas semelhantes a esmeraldas…
Por isso mesmo, ante o verão candente,
Alegrava-me ouvindo a voz de tanta gente
Que me buscava o teto, assim como se busca
A brandura da fonte
Quando o sol nos ofusca,
Lembrando águia de fogo
Fugindo sem cessar ao pouso do horizonte!
7 Depois, o tempo veio…
Tudo parece haver levado!
Meu corpo agora é nodulado e feio,
Mas creio em Deus e firmo-me de pé,
Porque Deus certamente me deseja
Para qualquer tarefa benfazeja…
Talvez que este meu corpo feio e nodulado
Possa servir de apoio certo e amigo
Para algum pássaro cansado
Que esteja ao desabrigo…
8 Não sei qual o destino a que o Céu me conduz,
Se algum machado bronco
Surgirá, de repente, a decepar-me o tronco,
Para que eu volte ao Alto, em espiras de lume
Na forma de calor ou de perfume
Em alguma fogueira que me aguarde.
E nem sei se serei aproveitada
Em singela choupana
Que me acolha, mais tarde,
Para ajudar a nobre vida humana!
9 Nada sei do porvir,
Sei que pertenço a Deus e que devo servir…
O Homem que se cansara sem razão
Levantou-se do chão,
Fitou o mundo em torno!
Do verme ao firmamento e do lodo ao cascalho
Tudo era vida e luz, regozijo e trabalho…
10 No pranto de emoção
Que a alegria lhe dava ao coração,
Exclamou para os Céus:
— Sê louvado, Senhor!…
Num lenho que julguei largado e semimorto,
Deste-me nova fé, visão, auxílio, reconforto!
Perdoa-me, Senhor, a rebeldia,
Esquece todo o mal que fiz nos erros meus!
E pelo doce amor
Que esta árvore, a sós, entesoura e irradia,
Obrigado, meu Deus!
Maria Dolores
|