FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER.
Nossa reunião pública foi precedida de muitos comentários, por parte de vários amigos que nos visitavam a instituição, procedentes de cidades diversas. Parecia-nos, porém, que estavam com encontro marcado para estudar a questão dos filhos adotivos.
As perguntas e opiniões eram de variado aspecto. “Devemos dar conhecimento aos filhos adotivos da condição em que se encontram conosco?” — indagavam alguns casais.
As respostas variavam. Muitos companheiros se manifestavam a favor da realidade clara, enquanto outros se expressavam de maneira contrária, acreditando que a verdade devia permanecer sempre velada para eles, de modo a que não fossem chocados negativamente.
Atingido o horário para a reunião e iniciadas as nossas tarefas, O Evangelho Segundo o Espiritismo nos ofereceu para estudo o item 8 do capítulo XIV, ( † ) em conexão com o assunto em debate.
Filhos Adotivos foi a mensagem que nosso benfeitor Emmanuel nos trouxe no encerramento dos trabalhos.
1 Filhos existem no mundo que reclamam compreensão mais profunda para que a existência se lhes torne psicologicamente menos difícil.
2 Reportamo-nos aos filhos adotivos que abordam o lar pelas vias da provação, sem deixarem de ser criaturas que amamos enternecidamente. Coloquemo-nos na situação deles para mais claro entendimento do assunto.
3 Muitos de nós, nas estâncias do pretérito, teremos pisoteado os corações afetuosos que nos acolheram em casa, seja escravizando-os aos nossos caprichos ou apunhalando-lhes a alma a golpes de ingratidão. 4 Desacreditando-lhes os esforços e dilapidando-lhes as energias, quase sempre lhes impusemos aflição por reconforto, a exigir-lhes sacrifícios incessantes até que lhes ofertamos a morte em sofrimento pelo berço que nos deram em flores de esperança.
5 Um dia, no entanto, desembarcados no Mais Além, percebemos a extensão de nossos erros e, de consciência desperta, lastimamos as próprias faltas.
6 Corre o tempo e, quando aqueles mesmos Espíritos queridos que nos serviram de pais retornam à Terra em alegre comunhão afetiva, ansiamos retomar-lhes o calor da ternura, mas, nesse passo da experiência, os princípios da reencarnação, em muitas circunstâncias, tão somente nos permitem desfrutar-lhes a convivência na posição de filhos alheios, a fim de aprendermos a entesourar o amor verdadeiro nos alicerces da humildade.
7 Reflitamos nisso. E se tens na Terra filhos por adoção, habitue-te a dialogar com eles, tão cedo quanto possível, para que se desenvolvam no Plano físico sob o conhecimento da verdade. 8 Auxilia-os a reconhecer, desde cedo, que são agora teus filhos do coração, buscando reajustamento afetivo no lar, a fim de que não sejam traumatizados na idade adulta por revelações à base de violência, em que frequentemente se lhes acordam no ser as labaredas da afeição possessiva de outras épocas, em forma de ciúme e revolta, inveja e desesperação.
9 Efetivamente, amas aos filhos adotivos com a mesma abnegação com que te empenhas a construir a felicidade dos rebentos do próprio sangue. 10 Entretanto, não lhes ocultes a realidade da própria situação para que não te oponhas à Lei de Causa e Efeito que os trouxe de novo ao teu convívio, a fim de olvidarem os desequilíbrios passionais que lhes marcavam a conduta em outro tempo.
11 Para isso, recorda que, em última instância, seja qual seja a nossa posição nas equipes familiares da Terra, somos, acima de tudo, filhos de Deus.
Emmanuel
Não é o sangue que nos irmana, mas o espírito. Os laços consanguíneos são ilusórios e efêmeros. Kardec explica no item 8 do capítulo XIV de O Evangelho Segundo o Espiritismo: ( † ) “O corpo procede do corpo, mas o Espírito não procede do Espírito, pois já existia antes da formação do corpo. O pai não gera o espírito do filho. Fornece-lhe apenas o envoltório corporal, mas deve ajudar o seu desenvolvimento intelectual e moral, para faze-lo progredir”. Filhos de outros pais, procedentes de outro sangue, podem ser muito mais ligados aos pais adotivos que os filhos consanguíneos.
Essa é uma das razões por que os pais adotivos geralmente não querem revelar a verdade aos filhos que adotaram. O amor paterno e materno ressurge ante o filho que volta ao seu convívio. Mas Emmanuel revela um dos aspectos da lei da reencarnação que exige atenção e respeito. Os filhos que voltam ao lar por vias indiretas são Espíritos em prova e, portanto, em fase de correção moral. Precisam conhecer a sua verdadeira situação para que a medida corretiva atinja a sua eficiência. E se quisermos burlar a lei só poderemos acarretar-lhes maiores sofrimentos.
São muitos os dramas e muitas as tragédias ocasionadas pela imprudência dos pais que mentiram piedosamente aos filhos adotivos. Quando a verdade os surpreende, o choque emocional pode transtorná-los, fazendo-os perder a oportunidade de aprendizado que muitas vezes solicitaram com ardor na vida espiritual. Esta é uma razão nova que o Espiritismo apresenta aos pais adotivos, quase sempre apegados apenas às razões mundanas.
Aprendendo desde cedo a se acomodar à situação de prova em que se encontra, o filho adotivo resigna-se a ela e aproveita a lição de reajustamento afetivo. Amanhã voltará de novo como filho legítimo, mas já em condições de compreender os deveres da filiação. A vida aplica sempre com precisão os seus meios corretivos, mas nós nem sempre a ajudamos, esquecidos de que os desígnios de Deus têm razões profundas que nos escapam à compreensão. Se Deus nos envia um filho por via indireta, devemos recebe-lo como veio e não como desejaríamos que viesse.
Irmão Saulo