O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano IX — Agosto de 1866.

(Idioma francês)

POESIAS ESPÍRITAS


A prece da morte pelos mortos.

(Sociedade de Paris,  †  13 de julho de 1866. – Médium: Sr. Vavasseur.)
(Sumário)

Dos tempos ao fremir os séculos se vão

Com os bens das estações, passam sem compaixão,

E a morte então passou mas sem bater à porta

Que escondia o tesouro e em segredo o transporta;

A vida! Ó morte! A mão que tua mão dirige

Cansada de bater, ela amanhã te exige

Teus golpes suspender? Tua fome incontida

Ainda quer perturbar o banquete da vida?

Mas, se vens sem cessar, qualquer hora do dia,

Buscar mortos em nós para a tua estadia,

O Universo é tão pouco a teus fundos abismos,

Ou sem fundo é teu caos a tão cruéis sadismos.

Ó morte! Vês chorar a virgem sem chorar,

E as flores secas tu que a deviam ornar,

Sem permitir-lhe a fronte a coroa cingir

De rosas e de lis que o esposo deu-lhe a rir.

Não escutas, ó morte! o grito da criança,

Que impiedosa vens ferir sem esperança

De sua própria mãe deixá-la conhecer

Que a ela dava o céu dando a terra ao nascer.

Não escutas, ó morte! a este velho que em vida

Implora-te um favor, à hora da partida,

E a seu filho abraçar e à filha abençoar,

Pra tranquilo dormir da vida ante o cessar.

Mas, cruel! diz-me tu que os mortos vêm ser

Os que saem de cá para a outras margens ter?

Assim sofrerão sempre os tormentos da Terra

Em plena eternidade, e a prece o que ela encerra

Não poderia enfim dulcificar-lhe um dia?

E a morte respondeu: Na morada sombria

Onde, livre, instalei meu tenebroso império,

A prece é poderosa e é Deus que a inspira sério

Aos entregues a mim. À tarde, ao retornar,

Em meu sangrento trono em pompa vou sentar,

Miro a amplidão dos céus e sou eu a primeira

Por meus mortos a prece a recitar inteira.

Escuta, filho, escuta: “Ó Deus onipotente,

Lá dos céus sobre mim, sobre eles, faz clemente

O teu piedoso olhar. Que um raio de esperança

Os lugares aclare onde a dor nos alcança.

Faze-nos ver, ó Deus! A terra do perdão,

Essa margem sem fim, essa vasta extensão,

Dos eleitos da terra, ou seja a pátria eterna

Onde a todos criaste a vida sempiterna;

Faze cada um de nós, ante a tua vontade,

Com respeito inclinar-se; em face à majestade

De teus desígnios, pois, prosternado te adore;

Se curve ante teu nome, e ainda erguendo-se ore,

Exclamando: Senhor! Se me houvestes banido

Da morada terrena, assim me haveis punido

Dos mortos no reduto, eu posso confessar

Ter merecido mais; batei-me sem cessar,

Senhor, e eu sofrerei sem murmúrio velado

E meus olhos jamais tão bem terão chorado

Para lavar de todo a mancha tenebrosa

Que sempre no presente atém-se vergonhosa.

Vossos golpes terei, levarei minha cruz

Sem jamais maldizer da prova a que fiz jus,

E quando derdes fim à minha justa prova

Se derdes tu, Senhor, ao ser que se renova

Os bens que ele perdeu na amarga soledade,

O ar puro, a brisa, o sol, a própria liberdade,

O ter repouso e paz diante de vós, Senhor,

Comprometo-me a orar por mim mesmo e em favor

De meus pobres irmãos ao peso quase eterno

De um sofrer que os retém presos ao próprio inferno;

Às suas sombras, pois, do outro lado a chorar,

A minha assim lhes diz, então, ao se afastar:

Coragem, meus irmãos, vós que ficais aqui,

Eu cumprirei nos céus, o que vos prometi.”


Casimir Delavigne. n



Já publicamos outros trechos de poesias obtidas por esse médium, nos números de junho e julho, sob os títulos de A teu livro e A prece pelos Espíritos. O Sr. Vavasseur é um médium versificador na acepção da palavra, porque só muito raramente obtém comunicações em prosa e, embora muito letrado e conhecedor das regras de poesia, de si mesmo jamais fez versos. Mas, dirão, o que sabeis a respeito e quem vos diz que aquilo que supondes obter mediunicamente não será produto de sua composição pessoal? Nós o acreditamos, primeiro porque ele o afirma e porque o temos por incapaz de mentir; em segundo lugar porque a mediunidade, sendo nele completamente desinteressada, nenhuma razão teria de se dar a um esforço inútil e de representar uma comédia indigna de um caráter honrado. Sem dúvida a coisa seria mais evidente e, sobretudo, mais extraordinária se ele fosse completamente analfabeto, como se vê em certos médiuns, mas os conhecimentos que possui não infirmariam a sua faculdade, desde que demonstrada por outras provas.

Que expliquem por que, por exemplo, se ele quiser compor algo de si mesmo, um simples soneto, nada obtém, ao passo que, sem o buscar, e sem desígnio premeditado, escreve trechos de grande fôlego, de um jacto, mais rapidamente e mais correntemente do que se escreveria prosa, sobre um assunto improvisado, no qual não pensava? Qual o poeta capaz de semelhante proeza, que se repete quase diariamente? Não poderíamos duvidá-lo, porque os trechos que citamos, e muitos outros, foram escritos sob os nossos olhos, na Sociedade e em diferentes grupos, em presença de uma assembleia muitas vezes numerosa. Que todos os malabaristas, que pretendem descobrir os pretensos cordéis dos médiuns, imitando mais ou menos grosseiramente alguns efeitos físicos, venham, então, disputar com certos médiuns escreventes e tratar, mesmo em simples prosa, instantaneamente, sem preparação nem retoque, o primeiro assunto surgido e as mais abstratas questões! É uma prova a que nenhum detrator não quis ainda submeter-se.

A propósito, recordamo-nos de que, há seis ou sete anos, um escritor e jornalista, cujo nome por vezes figura na imprensa entre os zombadores do Espiritismo, veio nos procurar, dando-se por médium intuitivo e oferecendo seu concurso à Sociedade. Dissemos-lhe que, antes de aceitar sua obsequiosa oferta, precisávamos conhecer a extensão e a natureza de sua faculdade; em consequência, nós o convocamos para uma sessão particular de ensaio, na qual se encontravam quatro ou cinco médiuns. Tão logo estes tomaram do lápis, começaram a escrever com tal rapidez que o deixou estupefato; rabiscou três ou quatro linhas com fortes rasuras, alegou dor de cabeça, o que perturbava a sua faculdade. Prometeu voltar e não o vimos mais. Ao que parece, os Espíritos só o assistem com a cabeça fresca e em seu gabinete.

É verdade que se viram improvisadores, como o finado Eugène de Pradel [Pierre-Marie-Michel-Eugène Coutray, visconde de Pradel], cativar os ouvintes pela sua naturalidade. Admiraram-se de que nada tivessem publicado. A razão é muito simples: é que o que seduzia a audição não era suportável à leitura; não passava de um arranjo de palavras saídas de uma fonte abundante, onde brilhavam, excepcionalmente, alguns traços espirituosos, mas cujo conjunto era vazio de pensamentos sérios e profundos, e semeado de incorreções revoltantes. Não nos referimos à censura que se possa fazer aos versos, embora obtidos com quase tanta rapidez quanto os improvisos verbais. Se fossem fruto de um trabalho pessoal, seria uma singular humildade da parte do autor atribuir o mérito a outros, e não a si, privando-se da honra que daí poderia tirar.

Apesar de a mediunidade do Sr. Vavasseur ser recente, ele já possui uma coletânea bem importante de poesias de real valor, que pretende publicar. Apressar-nos-emos em anunciar essa obra tão logo apareça, pois não temos dúvida de que será lida com interesse.



[1] [v. Casimir Delavigne.]


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