O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VII — Dezembro de 1864.

(Idioma francês)

NECROLÓGIO.


Morte do Sr. Bruneau.

(Sumário)

1. — A Sociedade Espírita de Paris  †  acaba de perder um de seus membros na pessoa do Sr. Bruneau, falecido a 13 de novembro de 1864, aos setenta anos, cuja morte o Opinion nationale anuncia nestes termos:

“A morte atinge em cheio os membros sobreviventes da missão são-simoniana no Egito. Depois de Enfantin,  †  de Lambert Bey, temos hoje a deplorar a perda do Sr. Bruneau, antigo coronel de artilharia, que fundou naquele país a escola de cavalaria, enquanto Lambert Bey, seu genro, organizou uma escola politécnica. O Sr. Bruneau morreu como homem livre, cheio de esperanças no progresso físico, intelectual e moral, cheio de fé nas doutrinas religiosas e sociais da juventude.”

Antigo aluno da Escola Politécnica, o Sr. Bruneau era membro da Sociedade Espírita de Paris há vários anos. Ignoramos a fé que tinha no futuro das doutrinas religiosas e sociais de sua juventude, mas sabemos que tinha confiança absoluta no futuro do Espiritismo, do qual era adepto fervoroso e esclarecido. Havia adquirido uma fé inabalável na vida futura e nas reformas humanitárias, que são a sua consequência. Acrescentaremos que seus colegas puderam apreciar suas excelentes qualidades, sua extrema modéstia, sua benevolência e sua caridade. Comunicou-se na Sociedade poucos dias depois de sua morte, e deu prova da elevação de seu Espírito pela justeza e profundidade de suas apreciações. Para ele o mundo invisível não teve nenhuma surpresa, pois o compreendia antecipadamente. Assim, veio nos confirmar tudo o que a doutrina nos ensina a respeito. Reencontrou com alegria os parentes, amigos e colegas que o haviam precedido e que o aguardavam em sua chegada entre eles.

A Sociedade Espírita de Paris estava representada nas exéquias do Sr. Bruneau por uma delegação de vinte membros. Teríamos considerado um dever exprimir naquela ocasião os sentimentos da Sociedade; como, porém, sabíamos que a família não era simpática às nossas ideias, julgamos por bem abster-nos de qualquer manifestação. O Espiritismo não se impõe; quer ser aceito livremente; daí porque respeita todas as crenças e, por espírito de tolerância e de caridade, evita o que possa chocar as opiniões contrárias às suas.

Aliás, o justo tributo de elogios e pesares, que não lhe pôde ser pago ostensivamente, ante um público indiferente ou hostil, o foi com muito mais recolhimento no seio da Sociedade. Na sessão seguinte às exéquias, foi pronunciada uma alocução, e todos os seus colegas se uniram de coração às preces que foram ditas em sua intenção.


2. — Na sessão da Sociedade consagrada à memória do Sr. Bruneau, o Sr. Allan Kardec proferiu o seguinte discurso:


Senhores e caros irmãos espíritas,

Um de nossos colegas acaba de deixar a Terra para entrar no mundo dos Espíritos. Consagrando-lhe especialmente esta sessão, cumprimos para com ele um dever de confraternidade, ao qual, não tenho dúvida, cada um de nós se associará de coração e por santa comunhão de pensamentos.

O Sr. Bruneau fazia parte da Sociedade desde 1º de abril de 1862. Membro do comitê, ele era, como o sabeis, muito assíduo às nossas sessões. Todos pudemos apreciar a doçura de seu caráter, sua extrema benevolência, sua simplicidade e sua caridade. Não há um infortúnio assinalado na Sociedade, em favor do qual não tenha ele trazido a sua oferenda. Sua morte nos revelou outra qualidade eminente que ele possuía: a modéstia. Jamais alardeou seus títulos, que o recomendavam como homem de saber. Uma circunstância fortuita me dera a conhecer que era antigo aluno da Escola Politécnica, mas todos nós ignorávamos que tivesse sido coronel de artilharia e desempenhado uma missão superior no Egito, onde fundou uma escola de cavalaria, ao mesmo tempo que seu genro, Lambert Bey, ali fundava uma escola politécnica. Nós o conhecíamos como um espírita sincero, devotado e esclarecido; e, embora se calasse sobre os seus títulos, não escondia suas opiniões.

Estas circunstâncias, senhores, nos tornam sua memória ainda mais cara, e não duvidamos que tenha encontrado, no mundo dos Espíritos, uma posição digna de seu mérito.

O Sr. Bruneau tinha sido um dos membros ativos da escola são-simoniana, detalhe que os jornais que anunciaram sua morte tiveram o cuidado de destacar, embora tivessem evitado dizer que ele morreu na crença espírita.

Não vamos discutir aqui os princípios da escola são-simoniana. Contudo, o início do artigo do Opinion nationale nos leva involuntariamente a fazer uma comparação. Ali está dito: “A morte atinge em cheio os membros da missão são-simoniana no Egito; depois de Enfantin, de Lambert Bey, temos hoje a deplorar a perda do Sr. Bruneau, etc.” Durante alguns anos o são-simonismo  †  brilhou intensamente, quer pela singularidade de algumas de suas doutrinas, quer pelos homens eminentes ligados a ele; sabe-se, porém, quão passageiro foi esse brilho. Por que, então, uma existência tão efêmera, se estava de posse da verdade filosófica?

Por vezes a verdade é lenta para propagar-se; mas, desde que começa a despontar, cresce sem cessar e não perece, porque a verdade é eterna, e é eterna porque emana de Deus. Só o erro é perecível, porque vem dos homens. O progresso é a lei da Humanidade. Ora, a Humanidade não pode progredir senão à medida que descobre a verdade. Uma vez feita a descoberta, está adquirida e inquebrantável. Que teoria poderia hoje prevalecer contra a lei do movimento dos astros, da formação da Terra e tantas outras? A filosofia só é mutável porque é o produto de sistemas criados pelos homens; só terá estabilidade quando tiver adquirido a precisão da verdade matemática. Se, pois, um sistema, uma teoria, uma doutrina qualquer, filosófica, religiosa ou social, marchar para o declínio, é prova certa de que não está com a verdade absoluta. Em todas as religiões, sem excetuar o Cristianismo, o elemento divino é imperecível; o elemento humano cai, se não estiver em harmonia com a lei do progresso; mas como o progresso é incessante, resulta que, nas religiões, o elemento humano deve modificar-se, sob pena de perecer; só o elemento divino é invariável. Vede-o na lei mosaica: as tábuas do Sinai estão de pé, tornando-se cada vez mais o código da Humanidade, enquanto o resto já fez seu tempo.

Não podendo a verdade absoluta estabelecer-se senão sobre as ruínas do erro, forçosamente encontra antagonistas entre os que, vivendo do erro, têm interesse em combater a verdade e, por isto mesmo, lhe fazem uma guerra obstinada; mas ela logo conquista as simpatias das massas desinteressadas. Foi assim com doutrina são-simoniana? Não. Como prática ela viveu; só sobreviveu como teoria simpática e crença individual no pensamento de alguns de seus antigos adeptos. Mas, como o constata o Opinion nationale, levando diariamente alguns de seus representantes, não está longe o tempo em que todos terão desaparecido; então, ela só viverá na História. Donde se deve concluir que não possuía toda a verdade e não correspondia a todas as aspirações.

Isto quer dizer que todas as seitas e escolas que caem estejam no falso absoluto? Não; ao contrário, em sua maior parte, elas entreviram uma ponta da verdade; mas a soma das verdades que possuíam não era bastante grande para sustentar a luta contra o progresso e não se acharam à altura das necessidades da Humanidade. Aliás, em geral as seitas são muito exclusivas e, por isto mesmo, estacionárias. Disto resulta que as que puderam marcar uma etapa do progresso em certa época, acabam se distanciando e se extinguem pela força das coisas. Entretanto, sejam quais forem os erros sob os quais sucumbiram, sua passagem não foi inútil: agitaram as ideias, tiraram o homem do entorpecimento, levantaram questões novas que, mais bem elaboradas e libertas do espírito de sistema e de exagero, mais tarde recebem a sua solução. Entre as ideias que semeiam, só as boas frutificam e renascem sob outra forma; o tempo, a experiência e a razão fazem justiça às outras.

O erro de quase todas as doutrinas sociais, apresentadas como a panaceia dos males da Humanidade, é o de apoiar-se exclusivamente nos interesses materiais. Disto resulta que a solidariedade que buscam estabelecer entre os homens é frágil como a vida corporal; os laços de confraternidade, não tendo raízes no coração e na fé no futuro, rompem-se ao menor choque do egoísmo.

O Espiritismo se apresenta em condições completamente diversas. Está com a verdade? Nós o cremos; mas nossas bases são melhores que as dos outros? Os motivos que nos levam a nele crer são muito simples; eles ressaltam, ao mesmo tempo, da causa e dos efeitos. Como causa, tem a seu favor não ser uma concepção humana, produto de um sistema pessoal, o que é capital. Não há um só de seus princípios – e quando digo um só não faço nenhuma exceção – que não seja baseado na observação dos fatos. Se um só dos princípios do Espiritismo fosse o resultado de uma opinião individual, este seria o seu lado vulnerável. Mas desde que nada avança que não seja sancionado pela experiência dos fatos, e que os fatos estão nas leis da Natureza, deve ser imutável como essas leis, porque por toda parte e em todos os tempos encontrará sua sanção e sua confirmação e, mais cedo ou mais tarde, é preciso que, diante dos fatos, todas as crenças se inclinem.

Com efeito, ele corresponde a todas as aspirações da alma; satisfaz, ao mesmo tempo, ao espírito, à razão e ao coração; preenche o vazio deixado pela dúvida; dá uma base, uma razão de ser à solidariedade, pela ligação que estabelece entre o presente e o futuro; enfim, assenta em base sólida o princípio de igualdade, de liberdade e de fraternidade. É, assim, o pivô sobre o qual se apoiarão todas as reformas sociais sérias. Ele próprio apoiando-se nos fatos e nas leis da Natureza, sem mistura de teorias humanas, não se arrisca a afastar-se do elemento divino. Assim, oferece o espetáculo, único na história de uma doutrina que, em alguns anos, implantou-se em todos os pontos do globo e cresce sem cessar; que liga todas as crenças religiosas, ao passo que as outras são exclusivas e permanecem fechadas num círculo circunscrito de adeptos.

Tais são, em poucas palavras, as razões sobre as quais se apoia a nossa fé na verdade e na estabilidade do Espiritismo. Esperamos que nosso antigo colega e sempre irmão Bruneau tenha a bondade de nos dizer como encara a questão, hoje que a pode considerar de um ponto mais elevado.


Nota. – A comunicação do Sr. Bruneau correspondeu plenamente à nossa expectativa. Ela se liga, assim como as que foram obtidas nesta sessão, a um conjunto de questões que serão tratadas ulteriormente; por isso adiamos a sua publicação.


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