O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano IV — Abril de 1861.

(Idioma francês)

O Sr. Louis Jourdan e o Livro dos Espíritos.

(Sumário)

1. — Já que estamos falando dos jornalistas, a propósito do Espiritismo, não paremos no caminho. Esses senhores em geral não nos adulam e, como não fazemos mistério de suas críticas, hão de nos permitir apresentar a contrapartida e opor à opinião do Sr. Deschanel e outros, a de um escritor cujo valor e influência ninguém contesta, sem que nos possam tachar de amor-próprio. Aliás, os elogios não se dirigem à nossa pessoa, ou, pelo menos, não os tomamos para nós, de modo que transferimos a honra aos guias espirituais que bondosamente nos dirigem. Não poderíamos, pois, prevalecer-nos do mérito que se possa encontrar em nossos trabalhos; aceitamos os elogios não como sinal de nosso valor pessoal, mas como uma consagração à obra que empreendemos, obra que esperamos levar a bom termo com a ajuda de Deus, pois ainda não estamos no fim e o mais difícil ainda não está feito. Sob esse aspecto, a opinião do Sr. Jourdan n tem um certo peso, porque se sabe que não fala levianamente e por falar, ou para encher colunas com palavras. Certamente ele pode enganar-se, como qualquer outro, mas, em todo caso, sua opinião é sempre conscienciosa.

Seria prematuro dizer que o Sr. Jourdan é um adepto confesso do Espiritismo. Ele próprio declara nada ter visto e não estar em contato com nenhum médium. Julga a coisa conforme seu sentimento íntimo e, como não toma seu ponto de partida na negação da alma e de qualquer força extra-humana, vê na Doutrina Espírita uma nova fase do mundo moral e um meio de explicar o que até então era inexplicável. Ora, admitindo a base, sua razão não se recusa absolutamente a lhe admitir as consequências, ao passo que o Sr. Figuier não pode admitir tais consequências, desde que repele o princípio fundamental. Não tendo estudado tudo, tudo aprofundado nesta vasta ciência, não é de admirar que suas ideias não se tenham fixado sobre todos os pontos e, por isso mesmo, certas questões devem parecer-lhe ainda hipotéticas. Mas, como homem de senso, não diz: “Não compreendo; logo, não existe”; ao contrário, diz: “Não sei, porque não aprendi, mas não nego”. Como homem sério, não zomba com uma questão que toca os mais graves interesses da Humanidade e, como homem prudente, cala-se sobre aquilo que ignora, temendo que os fatos não venham, como a tantos outros, desmentir as suas negações, nem lhe oponham este argumento irresistível: “Falais do que não sabeis”. Assim, passando sobre as questões de detalhe, sobre as quais confessa a sua incompetência, limita-se à apreciação do princípio; e esse princípio, apenas o raciocínio o leva a admitir a possibilidade, como acontece diariamente.

O Sr. Jourdan publicou primeiro um artigo sobre O Livro dos Espíritos, no jornal Le Causeur (nº 8, abril de 1860). Eis um ano decorrido e ainda não falamos disso nesta Revista, provando que não temos muita pressa em nos prevalecer dos elogios, enquanto citamos textualmente, ou indicamos, as mais amargas críticas, revelando, também, que não tememos a sua influência. Esse artigo é reproduzido em sua nova obra Um Filósofo ao pé do fogon da qual forma um capítulo. Dele extraímos as seguintes passagens:


2. — “Prometi formalmente voltar a um assunto, sobre o qual apenas disse algumas palavras e que merece uma atenção toda especial. Trata-se de O Livro dos Espíritos, contendo os princípios da doutrina e da filosofia espíritas. A palavra pode parecer-vos bárbara, mas que fazer? Às coisas novas é preciso dar nomes novos. As mesas girantes levaram ao Espiritismo, e hoje nós estamos de posse de uma doutrina completa, inteiramente revelada pelos Espíritos, porque esse O Livro dos Espíritos não é feito pela mão do homem; o Sr. Allan Kardec limitou-se a recolher e a ordenar as respostas dadas pelos Espíritos às inumeráveis perguntas que lhes foram feitas, respostas breves, que nem sempre satisfazem à curiosidade do interrogador, mas que, consideradas em seu conjunto constituem, com efeito, uma doutrina, uma moral e, quem sabe? talvez uma religião.

“Julgai-o vós mesmos. Os Espíritos se explicaram claramente sobre as causas primeiras, sobre Deus e o infinito, sobre os atributos da Divindade. Deram-nos os elementos gerais do Universo, o conhecimento do princípio das coisas, as propriedades da matéria. Falaram sobre os mistérios da criação, a formação dos mundos e dos seres vivos, as causas da diversidade das raças humanas. Daí ao princípio vital não havia mais que um passo e eles nos disseram em que consistia esse princípio, o que eram a vida e a morte, a inteligência e o instinto.

“Depois levantaram o véu que nos oculta o mundo espírita, isto é, o mundo dos Espíritos, dizendo-nos qual era a sua origem e qual a sua natureza; como se encarnavam e qual o objetivo dessa encarnação; como se efetuava a volta da vida corpórea à vida espiritual. Espíritos errantes, mundos transitórios, percepções, sensações e sofrimentos dos Espíritos, relações de além-túmulo, relações simpáticas e antipáticas dos Espíritos, retorno à vida corporal, emancipação da alma, intervenção dos Espíritos no mundo corpóreo, ocupações e missões dos Espíritos, nada nos foi ocultado.

“Eu, disse que os Espíritos não só estavam fundando uma doutrina e uma filosofia, mas, também, uma religião. Com efeito, eles elaboraram um código de moral, no qual se acham formuladas leis cuja sabedoria me parece muito grande e, para que nada lhe falte, disseram quais seriam as penas e as recompensas futuras e o que se deveria entender pelas palavras: Paraíso, purgatório e inferno. Como se vê, é um sistema completo, e não sinto nenhum embaraço em reconhecer que se o sistema não tem a poderosa coesão de uma obra filosófica, se contradições despontam aqui e ali, é pelo menos muito notável por sua originalidade, por seu elevado alcance moral e pelas soluções imprevistas que dá às delicadas questões que em todos os tempos inquietaram ou preocuparam o espírito humano.


“Sou completamente estranho à escola espírita; não conheço seus chefes, nem seus adeptos; jamais vi funcionar a menor mesa girante; não tenho contato com nenhum médium; não testemunhei nenhum desses fatos sobrenaturais ou miraculosos, dos quais encontro os relatos incríveis nas coletâneas espíritas que me enviam. Não afirmo nem rejeito absolutamente as comunicações dos Espíritos; creio, a priori, que tais comunicações são possíveis e minha razão absolutamente não se alarma por isto. Para nelas crer, não necessito da explicação que meu sábio amigo, o Sr. Figuier, ultimamente me dava sobre esses fatos, por ele atribuídos à influência magnética dos médiuns.


“Nada vejo de impossível em que se estabeleçam relações entre o mundo invisível e nós. Não me pergunteis como e por quê; eu nada sei a respeito. Isto é uma questão de sentimento e não de demonstração matemática. É, pois, um sentimento que exprimo, mas um sentimento que nada tem de vago, e no meu espírito e no meu coração assume formas bastante precisas.


“Se, pelo movimento dos pulmões, extraímos do espaço infinito que nos envolve, os fluidos e os princípios vitais necessários à nossa existência, é bem evidente que estamos em relação constante e necessária com o mundo invisível. Esse mundo é povoado por Espíritos errantes, como as almas penadas, sempre prontas a acudirem ao nosso apelo? Eis o que é mais difícil de admitir, embora seja também temerário negá-lo completamente. “Certamente não temos dificuldade em acreditar que nem todas as criaturas de Deus se assemelham aos tristes habitantes de nosso planeta. Somos muito imperfeitos; por estarmos submetidos a necessidades bastante grosseiras, não nos é difícil imaginar a existência de seres superiores que não sofram nenhuma pena corporal; seres radiosos e luminosos, espírito e matéria como nós, mas espírito mais sutil e mais puro, matéria menos densa e menos pesada; mensageiros fluídicos, que unem entre si os universos, sustentam, encorajam os astros e as raças diversas que os povoam, com vistas à realização de suas tarefas.

“Pela aspiração e respiração estamos em relação com toda a hierarquia dessas criaturas, desses seres cuja existência não podemos compreender nem representar as formas; assim, não é absolutamente impossível que alguns desses seres acidentalmente entrem em relação com os homens. Porém, o que nos parece pueril é que seja necessário o concurso material de uma mesa, de uma prancheta ou de um médium qualquer para que tais relações se estabeleçam.

“De duas, uma: ou essas comunicações são úteis, ou desnecessárias. Se são úteis, os Espíritos não devem ter necessidade de ser chamados de maneira misteriosa, nem de ser evocados e interrogados para ensinar aos homens o que importa saber; se são inúteis, por que a elas recorrer?


“Não sinto nenhuma repugnância em admitir essas influências, essas inspirações, essas revelações, se quiserdes. O que repilo absolutamente é que, sob pretexto de revelação, venham dizer-me: Deus falou, portanto, ides submeter-vos. Deus falou pela boca de Moisés, do Cristo, de Maomé, portanto sereis judeus, cristãos ou muçulmanos, senão incorrereis nos castigos eternos; e, enquanto esperamos, iremos amaldiçoar-vos e vos torturar aqui.

“Não! não! Semelhantes revelações não quero a preço nenhum. Acima de todas as revelações, de todas as inspirações, de todos os profetas presentes, passados e futuros, há uma lei suprema: a lei da liberdade. Com esta lei por base, admitirei, salvo discussão, tudo o que vos agradar. Suprimi esta lei e só haverá trevas e violência. Quero ter a liberdade de crer ou de não crer e dizê-lo claramente; é o meu direito e quero usá-lo; é a minha liberdade e faço questão de preservá-la. Dizeis-me que não crendo no que me ensinais, perco minha alma; é possível. Quero minha liberdade até esse limite; quero perder minha alma, se isto me apraz. Assim, quem será aqui o juiz de minha salvação e de minha perda? Quem, pois, poderá dizer: Aquele foi salvo e este perdido para sempre? Então a misericórdia de Deus não será infinita? Haverá alguém no mundo que possa sondar o abismo de uma consciência?


“É porque esta doutrina também se encontra no curioso livro do Sr. Allan Kardec, que me reconcilio com os Espíritos que ele interrogou. O laconismo de suas repostas prova que os Espíritos não têm tempo a perder e, se de alguma coisa me admiro, é que ainda o tenham bastante para responder complacentemente ao chamado de tanta gente que perde o seu a evocá-los.


“Tudo quanto, de maneira mais ou menos clara e mais ou menos sumária dizem os Espíritos, cujas respostas o Sr. Allan Kardec coligiu, foi exposto e desenvolvido com notável clareza por Michel,  †  que, de longe, parece ser o mais adiantado e o mais completo de todos os místicos contemporâneos. Sua revelação é, ao mesmo tempo, uma doutrina e um poema, doutrina sã e fortificante, poema brilhante. A única vantagem que encontro nas perguntas e respostas que o Sr. Allan Kardec publicou é que apresentam, sob uma forma mais acessível à grande massas dos leitores, e sobretudo, das leitoras, as principais ideias sobre as quais importa chamar-lhes a atenção. Os livros de Michel não são de leitura fácil; exigem uma tensão de espírito muito pronunciada. O livro de que falamos, ao contrário, pode ser uma espécie de vade mecum; nós o tomamos, o deixamos ou o abrimos em qualquer página: logo a curiosidade é despertada. As perguntas dirigidas aos Espíritos são as que nos preocupam a todos; as respostas, por vezes, são muito fracas; outras vezes condensam em poucas palavras a solução dos problemas mais espinhosos e sempre oferecem um vivo interesse ou salutares indicações. Não sei de curso de moral mais atraente, mais consolador, mais encantador que esse. Todos os grandes princípios sobre os quais se fundam as civilizações modernas ali são confirmados e, notadamente, o princípio dos princípios: a liberdade! O espírito e o coração saem dali tranquilizados e fortalecidos.

“São, sobretudo, os capítulos relativos à pluralidade dos sistemas n e à lei do progresso coletivo e individual que têm um atrativo e um encanto poderosos. Para mim, os Espíritos do Sr. Allan Kardec nada me ensinaram a este respeito. Há muito eu acreditava firmemente no desenvolvimento progressivo da vida através dos mundos; que a morte é o limiar de uma existência nova, cujas provas são proporcionadas aos méritos da existência anterior. Aliás, é a velha fé gaulesa, era a doutrina druídica, e nisto os Espíritos nada inventaram; mas acrescentaram uma série de deduções e de regras práticas excelentes na conduta da vida. Sob esse aspecto, como sob muitos outros, a leitura desse livro, independentemente do interesse e da curiosidade excitados por sua origem, pode ter um alto caráter de utilidade para os caracteres indecisos, para as almas pusilânimes que flutuam nos limbos da dúvida. A dúvida! É o pior dos males! É a mais horrível das prisões, e delas se deve sair a qualquer preço. Esse estranho livro ajudará mais de uma criatura a consolidar a sua vida, a quebrar os ferrolhos da prisão, precisamente porque é apresentado sob forma simples e elementar, como um catecismo popular, que todos podem ler e compreender”.


Após ter citado algumas perguntas sobre o casamento e o divórcio, que acha um tanto pueris e não são tratadas ao seu gosto, o Sr. Jourdan assim termina:

“Apresso-me a dizer, entretanto, que nem todas as respostas dos Espíritos são tão superficiais quanto as de que acabo de falar. É o conjunto desse livro que é admirável, é o fundamento geral que é marcado por uma certa grandeza e por uma viva originalidade. Quer emane ou não de uma fonte extranatural, a obra é surpreendente sob vários títulos e, só por isso, interessou-me vivamente e sou levado a crer que possa interessar a muita gente”.


3. RESPOSTA.


O Sr. Jourdan faz uma pergunta, ou, antes, uma objeção, necessariamente motivada pela insuficiência de seus conhecimentos sobre a matéria.

“Não é absolutamente impossível – diz ele – que alguns desses seres acidentalmente entrem em relação com os homens. Porém, o que nos parece pueril é que seja necessário o concurso material de uma mesa, de uma prancheta ou de um médium qualquer para que tais relações se estabeleçam. De duas, uma: ou essas comunicações são úteis, ou são desnecessárias. Se úteis, os Espíritos não devem ter necessidade de ser chamados de maneira misteriosa, nem de ser evocados e interrogados para ensinar aos homens o que importa saber; se inúteis, por que a elas recorrer?” No seu Filósofo ao pé do fogo, acrescenta a respeito: “Eis um dilema do qual a escola espírita terá dificuldade para sair”.

Não; certamente não terá dificuldade para sair, porquanto há muito tempo o tinha proposto e também resolvido; e se não o foi pelo Sr. Jourdan é que ele não conhece tudo. Ora, nós cremos que se ele tivesse lido O Livro dos Médiuns, que trata da parte prática e experimental do Espiritismo, teria sabido a que se ater sobre esse ponto.

Sim, sem dúvida seria pueril, e essa palavra, empregada por conveniência pelo Sr. Jourdan seria muito fraca; dizemos que seria ridícula, absurda e inadmissível que, para relações tão sérias quanto as do mundo visível com o invisível, os Espíritos necessitassem, para nos transmitir seus ensinos, de um utensílio tão vulgar quanto uma mesa, uma cesta ou uma prancheta, porque daí se seguiria que quem estivesse privado de tais acessórios também estaria privado de suas lições. Não, não é assim. Não sendo os Espíritos senão as almas dos homens, despojadas do grosseiro envoltório do corpo, há Espíritos desde que houve homens no Universo (não dizemos na Terra); esses Espíritos constituem o mundo invisível que povoa os espaços, que nos cerca e em meio ao qual vivemos sem o suspeitar, como igualmente vivemos, sem o perceber, em meio ao mundo microscópico. Em todos os tempos esses Espíritos têm exercido sua influência sobre o mundo visível; em todos os tempos os que são bons e sábios têm auxiliado o gênio por inspirações, enquanto outros se limitam a nos guiar nos atos ordinários da vida; mas essas inspirações, que ocorrem pela transmissão de pensamento a pensamento, são ocultas e não podem deixar nenhum traço material. Se o Espírito quiser manifestar-se de maneira ostensiva, é preciso que atue sobre a matéria; se quer que o seu ensino, ao invés de expressar a confusão e a incerteza do pensamento, tenha precisão e estabilidade, não dispensa sinais materiais e, para isso – que nos permitam a expressão – serve-se de tudo quanto lhe cai à mão, desde que seja nas condições apropriadas à sua natureza. Utiliza uma pena ou lápis, se quer escrever, um objeto qualquer, mesa ou caçarola, se quer bater, sem que por isso seja humilhado. Haverá algo mais vulgar que uma pena de ganso? Não é com isto que os maiores gênios legam as suas obras-primas à posteridade? Tirai-lhes todo meio de escrever; que fazem? Pensam; mas seus pensamentos se perdem, se ninguém os recolher. Suponde um literato maneta: como se arranja? Tem um secretário, que transcreve o seu ditado. Ora, como os Espíritos não podem segurar a pena sem intermediário, fazem-na sustentar por alguém que se chama um médium, que inspiram e dirigem. Algumas vezes esse médium age com conhecimento de causa: é o médium propriamente dito; outras vezes atua de maneira inconsciente da causa que o solicita: é o caso de todos os homens inspirados que, assim, são médiuns sem o saber. Vê-se, pois, que a questão das mesas e pranchetas é inteiramente acessória e não a principal, como creem os que não estão bem informados. Elas foram o prelúdio dos grandes e poderosos meios de comunicação, como o alfabeto é o prelúdio da leitura corrente.

A segunda parte do dilema não é menos fácil de resolver. “Se essas comunicações são úteis – diz o Sr. Jourdan – os Espíritos não devem ter necessidade de ser chamados de maneira misteriosa, de ser evocados…”

Para começar, digamos que não nos cabe regular o que se passa no mundo dos Espíritos; não podemos dizer: As coisas devem ou não devem ser desta ou daquela maneira, pois seria querer reger a obra de Deus. Os Espíritos querem mesmo iniciar-nos em parte no seu mundo, porque esse mundo talvez seja o nosso amanhã. Cabe a nós tomá-lo tal qual é e, se não nos convier, não será nem mais nem menos, porque Deus não o mudará para nós.

Isto posto, apressemo-nos a dizer que jamais há evocação misteriosa e cabalística; tudo se faz simplesmente, em plena luz e sem fórmula obrigatória. Os que julgam tais coisas necessárias ignoram os primeiros elementos da ciência espírita.

Em segundo lugar, se as comunicações espíritas não pudessem existir senão em consequência de uma evocação, seguir-se-ia que elas seriam um privilégio dos que sabem evocar, e que a imensa maioria dos que jamais ouviram falar dessas coisas estaria prejudicada. Ora, isto estaria em contradição com o que dissemos há pouco, a respeito das comunicações ocultas e espontâneas. Essas são para todo o mundo, para o pequeno como para o grande, o rico como o pobre, o ignorante como o sábio. Os Espíritos que nos protegem, os parentes e amigos que perdemos não têm necessidade de ser chamados; estão junto de nós e, conquanto invisíveis, nos cercam com a sua solicitude; só o nosso pensamento basta para os atrair, provando-lhes a nossa afeição, porque, se não pensarmos neles, é muito natural que não pensem em nós.

Perguntareis, então: Evocá-los para quê? Ei-lo. Supondes que estejais na rua, cercado por uma multidão compacta, que fala e murmura aos vossos ouvidos; mas nesse número percebeis ao longe um conhecido a quem quereis falar em particular. Que fazeis, se não puderdes ir a ele? Chamais e ele vem a vós. Dá-se o mesmo com os Espíritos. Ao lado dos que estimamos e que talvez nem sempre lá estejam, existe a multidão dos indiferentes. Se quiserdes fazer falar um determinado Espírito, como não podeis ir até ele, retido que estais pela grilheta corporal, vós o chamais; nisto consiste todo o mistério da evocação, que não tem outro objetivo senão dirigir-vos a quem quiserdes, e não dar ouvidos ao primeiro que se apresente. Nas comunicações ocultas e espontâneas, de que há pouco falamos, os Espíritos que nos assistem nos são desconhecidos; fazem-no sem que o saibamos; por meio das manifestações materiais, escritas ou outras, revelam a sua presença de maneira patente e podem dar-se a conhecer, caso o queiram: é um meio de saber com quem se trata e se temos em nosso redor amigos ou inimigos. Ora, os inimigos não faltam no mundo dos Espíritos, como entre os homens. Lá, como cá, os mais perigosos são os que não conhecemos. O Espiritismo prático dá-nos os meios de conhecê-los.

Em suma, quem só conhece o Espiritismo pelas mesas girantes faz dele uma ideia tão mesquinha e tão pueril quanto aquele que só conhecesse a Física por certos brinquedos infantis. Mas, quanto mais se avança, mais o horizonte se amplia; só então se compreende o seu verdadeiro alcance, porque ele nos desvenda uma das forças mais poderosas da Natureza, força que atua, ao mesmo tempo, sobre o mundo moral e o mundo físico. Ninguém contesta a reação que sobre nós exerce o meio material, visível ou invisível, no qual estamos mergulhados. Se estamos numa multidão, essa multidão de seres também atua sobre nós, moral e fisicamente.

Quando morremos, as nossas almas vão para algum lugar. Aonde vão? Como não há para elas nenhum lugar fechado e circunscrito, o Espiritismo diz e prova pelos fatos que esse algum lugar é o espaço; elas formam em torno de nós uma população inumerável. Ora, como admitir que esse meio inteligente tenha menos ação que o meio ininteligente? Aí está a chave de um grande número de fatos incompreendidos, que o homem interpreta conforme os seus preconceitos e que explora ao sabor das paixões. Quando essas coisas forem compreendias por todos, desaparecerão os preconceitos e o progresso poderá seguir sua marcha sem entraves. O Espiritismo é uma luz que aclara os mais tenebrosos recônditos da sociedade; é, pois, muito natural que aqueles que temem a luz busquem extingui-la. Mas, quando a luz tiver tudo penetrado, será preciso que os que buscam a escuridão se decidam a viver em plena luz; veremos, então, cair muitas máscaras. Todo homem que realmente quer o progresso não pode ficar indiferente a uma das causas que mais devem contribuir para ele e que prepara uma das maiores revoluções morais até agora sofridas pela Humanidade. Como se vê, estamos longe das mesas girante: é que há também a mesma distância deste modesto começo até suas consequências, quanto houve da maçã de Newton para a gravitação universal.



[1] [v. Louis Jourdan.]


[2] 1 vol. In-12; preço 3 fr. Livraria Dentu.


[3] N. do T.: O autor se refere à pluralidade dos mundos habitados, um dos princípios fundamentais da Doutrina dos Espíritos.


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