O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano III — Setembro de 1860.

(Idioma francês)

Correspondência.

Ao Sr. Presidente da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
(Sumário)

1. — Sr. Presidente,

Permiti-me alguns esclarecimentos a propósito de Thilorier   †  e suas descobertas (ver a Revista de agosto de 1860). Thilorier era meu amigo; quando me mostrou o plano de seu aparelho em ferro fundido, para liquefazer o gás ácido carbônico, eu lhe havia dito que, malgrado a espessura das paredes, ele explodiria como os canhões, após certo número de experiências; por isso aconselhei-o a envolvê-lo em ferro batido, como se faz hoje com os canhões de ferro fundido, mas ele se limitou a adicionar nervuras.

Jamais um aparelho desse gênero estourou em suas mãos, pois teria sido morto como o jovem Frémy;  †  mas a comissão da Academia se mantinha prudentemente atrás da parede quando ele preparava tranquilamente a sua experiência. Já estava surdo há vários anos, o que o forçara a demitir-se do cargo de inspetor dos correios. A única explosão que o vitimou foi a da coronha de um fuzil de ar, cheio de ácido carbônico, que ele havia posto ao sol, sobre a grama do jardim.

Essa experiência que eu lhe havia sugerido, bem como ao Sr. Galy Cazala, fez-lhe ver a que alta pressão poderia elevar-se o gás ácido carbônico, e o perigo de seu emprego nas armas de guerra. Quanto a Galy, teve a ideia de substituir o hidrogênio pelo ácido carbônico, mas este jamais conseguiu ultrapassar 28 atmosferas. Era muito pouco. Sem isso a pólvora teria sido utilmente suprimida, porque seu mecanismo era dos mais simples e um pequeno cilindro de cobre poderia conter facilmente cem tiros, na medida das necessidades, em consequência do restabelecimento quase instantâneo da pressão, pela decomposição da água, por meio do ácido sulfúrico e da limalha de zinco. Se os nossos químicos encontrassem um gás que pudesse ser produzido sob uma pressão média entre a do ácido carbônico e do hidrogênio, o problema estaria resolvido. Eis o que seria bom perguntar a Lavoisier, Berzélius ou Dalton.

Na véspera de sua morte, Thilorier me dava explicações sobre um novo aparelho, quase terminado, a fim de liquefazer o ar atmosférico por meio de pressões sucessivas, capazes de suportar de 500 a 1.000 atmosferas. Terão vendido esta bela máquina ao ferro velho?

Disse eu que Thilorier era extremamente surdo, de sorte que entrando em seu gabinete na Place Vendôme,  †  semanas antes de sua morte, tive de gritar. Ele tapou os ouvidos com as duas mãos, dizendo que eu lhe restituiria a surdez de que felizmente se havia livrado pelo magnetizador Lafontaine, hoje em Genebra. Saí maravilhado pela cura, que na mesma tarde anunciei aos meus dois amigos Galy Cazala  [Antoine Galy-Cazala, professor de física e inventor] e o Capitão Delvigne,  †  com os quais passeava na Place de la Bourse,  †  quando percebemos Thilorier com o ouvido colado à vitrine de uma loja, onde alguém tocava piano. Parecia em êxtase, por poder desfrutar da música moderna, que há muitos anos não ouvia. Ah! por Deus! disse aos meus dois incrédulos, eis a prova; passai por detrás do nosso homem e pronunciai o seu nome normalmente. Thilorier voltou-se bruscamente, reconheceu os amigos, com eles conversou e passeou, como de ordinário o fazia. Delvigne, que no momento está em meu escritório, lembra-se perfeitamente desse fato, muito interessante para o magnetismo. Por mais que eu tenha tentado convencer nossos acadêmicos no curso dos últimos trinta dias, dizia Thilorier, eles não querem acreditar que eu tenha sido curado sem as drogas de sua farmacopeia, que não curam, pois as empreguei todas sem sucesso, ao passo que os dois dedos de Lafontaine me restabeleceram a audição completamente, em algumas sessões. Lembro-me de que, encantado pelo magnetismo, Thilorier tinha conseguido inverter os pólos de uma barra imantada, que segurava pelo simples esforço da vontade.

A morte desse sábio inventor privou-nos de uma porção de descobertas de que me havia falado e que ele levou para o túmulo. Era tão sagaz quanto este bom Darcet,  †  que eu também tinha visto cheio de saúde na véspera de sua morte, e que me havia mostrado seus livros, mal conservados e manchados, e dizendo estar certo de que me daria mais prazer apresentando-os naquele estado do que bem encadernados e com lombada dourada numa biblioteca. É singular, dizia-me ele, quanto nossas ideias se assemelham, embora não tenhamos sido educados na mesma escola. Depois me contou do pesar que havia sentido por ter sido tão criticado a propósito de sua gelatina nutritiva, e que teria feito melhor, dizia, se a tivesse vendido ao preço de um centavo a libra aos pobres da Pont Neuf,  †  do que a apresentando aos acadêmicos, que pagam 15 francos nas casas de comestíveis e ainda pretendem que ela não alimenta. Evocai, pois, esse bravo tecnologista.

Arago nos ensina que as pretensas manchas do Sol não passam de fragmentos de planetas que vêm enriquecer-se no foco de eletricidade com os fluidos que lhes faltam, para se constituírem num cometa que começará o seu curso dentro de um século. Esses fragmentos, grandes como a Europa, estão a mais de 500.000 léguas do Sol; e, chegados ao limite extremo de sua atração, quando a Terra tiver descrito cerca de um quarto de seu percurso sobre a eclíptica, isto é, cerca de três meses (estamos a 6 de julho), esses fragmentos, inseparáveis de sua constelação, terão desaparecido aos nossos olhos.

A Academia  †  ocupa-se de nossa memória sobre a catalepsia, que errastes ao lançá-la à cesta das excomunhões. Não importa; a isto voltareis.

Aceitai, etc.

Jobard. n


2. Observação. — Agradecemos ao Sr. Jobard os interessantes detalhes que ele houve por bem nos enviar sobre Thilorier, e que são tanto mais preciosos quanto autênticos. Gosta-se sempre de saber a verdade sobre os homens que se destacaram na vida.

O Sr. Jobard engana-se ao pensar que pusemos na cesta do esquecimento a notícia que o Sr. B… nos enviou sobre a catalepsia. Inicialmente, ela foi lida na Sociedade, como consta nas atas de 4 e 11 de maio, publicadas na Revista de junho de 1860; o original, em vez de ser posto de lado, está cuidadosamente conservado nos arquivos da Sociedade. Não publicamos esse volumoso documento porque, em primeiro lugar, se tivéssemos de publicar tudo quanto nos mandam, talvez nos fossem necessários dez volumes por ano; e, em segundo lugar, porque cada coisa deve vir a seu tempo. Mas, pelo fato de uma coisa não ter sido publicada, nem por isso deve ser considerada perdida. Nada é perdido daquilo que nos comunicam, seja a nós, seja à Sociedade, e nós o encontramos sempre, para aproveitar no momento oportuno. Eis o de que se devem persuadir as pessoas que desejam enviar-nos documentos. Muitas vezes nos falta o tempo material para lhes responder tão prontamente e tão extensamente quanto, sem dúvida, conviria fazê-lo. Como, porém, responder em detalhes a milhares de cartas por ano, quando se é obrigado a fazer tudo pessoalmente e não se tem um secretário para ajudar? Certamente o dia não bastaria para tudo quanto temos de fazer, se não lhe consagrássemos uma parte de nossas noites.

Dito isto, como justificação pessoal, acrescentaremos a respeito da teoria da formação da Terra, contida na memória citada, bem como do estado cataléptico dos seres vivos em sua origem, que a Sociedade foi aconselhada a esperar, antes de prosseguir tais estudos, a fim de que lhe sejam apresentados documentos mais autênticos [v. Sr. Jobard]. “É preciso desconfiar — disseram os seus guias espirituais — das ideias sistemáticas dos Espíritos, tanto quanto dos homens, e não as aceitar levianamente e sem controle, se não nos quisermos expor, mais tarde, a ver desmentido o que tivermos aceito com muita precipitação. É por nos interessarmos pelos vossos trabalhos que queremos vos manter em guarda contra um escolho onde se chocam tantas imaginações ardentes, seduzidas por aparências enganadoras. Lembrai-vos de que somente numa coisa jamais sereis enganados: é naquilo que diz respeito ao melhoramento moral dos homens; aí está a verdadeira missão dos bons Espíritos. Mas não penseis que eles tenham o poder de vos descobrir qual é o segredo de Deus; sobretudo não acrediteis que eles estejam encarregados de vos facilitar o áspero caminho da Ciência, uma vez que esta não é adquirida senão à custa de trabalho e pesquisas assíduas. Quando chegar o momento de revelar uma descoberta útil à Humanidade, procuraremos o homem capaz de conduzi-la a bom termo; inspirar-lhe-emos a ideia de se ocupar com ela e lhe deixamos todo o mérito. Mas, onde estaria o trabalho e o mérito, se lhe bastasse pedir aos Espíritos o meio de adquirir, sem esforço, ciência, honras e riquezas? Sede, pois, prudentes, e não enveredeis por um caminho onde só teríeis decepções e que em nada contribuiria para o vosso adiantamento. Os que nele se deixarem arrastar reconhecerão, um dia, quanto estavam enganados, e lamentarão por não haverem empregado melhor o tempo.”

Tal é o resumo das instruções que tantas vezes os Espíritos têm dado, a nós e à Sociedade. Por experiência, chegamos, mesmo, a lhes reconhecer a sabedoria. Eis por que as comunicações relativas às pesquisas científicas só têm para nós uma importância secundária. Não as repelimos; acolhemos tudo quanto nos é transmitido, porque em tudo há alguma coisa a aprender; mas não o aceitamos senão sob a condição de o verificar previamente, guardando-nos de lhe emprestar uma fé cega e irrefletida: observamos e esperamos. O Sr. Jobard, que é um homem positivo e de grande bom-senso, compreenderá melhor que ninguém que esta é a melhor maneira para nos preservarmos do perigo das utopias. Certamente não seremos nós os acusados de querer ficar na retaguarda, mas queremos evitar pisar em falso e tudo quanto pudesse comprometer o crédito do Espiritismo, dando prematuramente como verdades incontestáveis o que é ainda hipotético.

Pensamos que estas observações serão igualmente apreciadas por outras pessoas que, por certo, compreenderão o inconveniente de antecipar o momento para certas publicações. A experiência lhes mostrará a necessidade de nem sempre levarem em consideração a impaciência de certos Espíritos. Os Espíritos verdadeiramente superiores — e não nos referimos aos que se dão por tais — são muito prudentes, virtude que constitui um dos caracteres pelos quais podemos reconhecê-los.



[1] Jean-Baptiste-Ambroise-Marcellin Jobard. Autor de Le nouvelles inventions — Google Books.


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