O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano III — Janeiro de 1860.

(Idioma francês)

Correspondência.

1. — Toulouse,  †  17 de dezembro de 1859.


Meu caro Senhor,

Acabo de ler vossa resposta ao Sr. Oscar Comettant, cujo artigo havia lido. Se esse folhetinista céptico, atoleimado e trocista não se convenceu pelas boas razões que lhe destes, poderia pelo menos reconhecer em vossa resposta a urbanidade do estilo, totalmente ausente da sua prosa. As digressões insossas com que tinha temperado as evocações me pareciam do espírito maligno; os lamentos com que se referia aos dois francos que havia custado a sonata, bem mereciam que a Sociedade lhe votasse um socorro de dois francos. Pensais bem, meu caro senhor Allan Kardec, pois sou um espírita por demais ardente para ter deixado sem resposta um artigo em que era citado e posto em causa. Por minha vez, escrevi também ao Sr. Oscar Comettant; no dia seguinte à recepção de seu jornal ele recebeu a seguinte carta:


Senhor,

Tive o prazer de ler vosso folhetim de quinta-feira: Variedades. Como me põe em causa, já que sou citado nominalmente, peço que me concedais permissão para tecer algumas considerações a respeito, que aceitareis, assim como aceitei as espirituosas digressões com que adornastes o relatório das evocações de Mozart e de Chopin. Que quereis gracejar com esse artigo humorístico? O Espiritismo? Enganar-vos-íeis redondamente se julgásseis causar-lhe o mais leve dano. Na França, a princípio faz-se gracejos, depois se julga e só se concedem as honras das piadas às coisas verdadeiramente grandes e sérias, livres de com elas concordar após o exame que merecem.

Se o Sr. Ledoyen é tão ávido e interesseiro quanto quereis fazer crer, ele vos deve ser extremamente reconhecido por terdes querido, num folhetim de onze colunas, assegurar o sucesso de uma de suas modestas publicações. É a primeira vez que um artigo tão importante sobre o Espiritismo é publicado num grande jornal. Por esse artigo um tanto tumultuado, vejo que o Espiritismo já é levado em consideração por seus próprios inimigos. Dir-vos-ei, confidencialmente, que os Espíritos nos alertaram que também se servem dos inimigos para o triunfo de sua causa. Assim, não tendes senão que vos manter em guarda, se não vos quiserdes transformar em apóstolo, mau grado vosso.

Não vedes no Espiritismo mais que charlatanismo moral e comercial. Nós outros, futuros inquilinos do hospício, nele encontramos a solução de uma porção de problemas contra os quais a Humanidade se debatia há muitos séculos, a saber: o reconhecimento raciocinado de Deus em todas as suas obras materiais e espirituais; a certeza da imortalidade e da individualidade da alma, provada pelas manifestações dos Espíritos; a ciência das leis da justiça divina, estudada nas diversas encarnações dos Espíritos, etc., etc. Se nos déssemos ao trabalho de aprofundar um pouco esses assuntos, poderíamos ver que se acham acima de todos os sarcasmos e de todas as zombarias. Por mais que nos considereis sonhadores e alucinados, todos diremos, em lugar do E pur si muove de Galileu: Todavia, Deus está lá!

Rogo aceiteis, etc.

Brion d'Orgeval.

Primeiro baixo da ópera cômica do teatro de Toulouse, ex-pensionista do Sr. Carvalha.


Observação. – Não é de nosso conhecimento que o Sr. Oscar Comettant tenha publicado esta resposta, bem como a nossa. Ora, atacar sem admitir a defesa não é um combate leal.


2. — Bruxelas,  †  23 de dezembro de 1859.


“Meu caro colega,

Venho submeter-vos algumas reflexões etnográficas sobre o mundo dos Espíritos, com a intenção de corrigir uma opinião assaz generalizada, mas, a meu ver, muito errada no que respeita ao estado do homem após a sua espiritualização.

Imagina-se erroneamente que um imbecil, um ignorante, um bruto, torna-se imediatamente um gênio, um sábio, um profeta, desde que deixou seu casulo. É um erro análogo ao de quem admitisse que um celerado, liberto da camisa de força, iria tornar-se honesto; um tolo ficará esperto e um fanático raciocinará, tão somente porque transpuseram a fronteira do mundo espiritual.

Não é nada disso. Levamos conosco todas as nossas conquistas morais, nosso caráter, nossa ciência, nossos vícios e virtudes, à exceção dos que se prendem à matéria: os coxos, os . zarolhos e os corcundas não mais o são; mas os velhacos, os avarentos e os supersticiosos ainda o são. Não é, pois, de admirar que ouçamos os Espíritos a pedir preces, desejar que façamos as peregrinações que haviam prometido e, mesmo, que se descubra o que haviam escondido, a fim de dá-lo à pessoa a quem o haviam destinado e que a indicam exatamente, estando ela encarnada.

Em suma, o Espírito que tinha um desejo, um plano, uma opinião, uma crença na Terra, quer vê-los realizados. Assim, Hahnemann exclamava: “Coragem, meus amigos, minha doutrina triunfa; que satisfação para minha alma!”

Quanto ao Dr. Gall, sabeis o que ele pensa de sua ciência, assim como Lavater, Swedenborg e Fourier, o qual me disse que seus alunos haviam truncado a sua doutrina, querendo ultrapassar a fase do garantismo, que ele me felicita por continuar.

Numa palavra, todos os Espíritos que professam uma religião, uma idolatria ou um cisma, por convicção, persistem nas mesmas crenças, até serem esclarecidos pelo estudo e pela reflexão. Tal é o móvel de minhas preocupações neste momento, e evidentemente é um Espírito lógico que as dita, porque, há uma hora, não pensava senão em recolher-me ao leito e acabar a leitura do excelente opúsculo da Sra. Henry Gaugain, sobre os piedosos preconceitos dos baixo-bretões contra as novas invenções.


Continuando vossos estudos, reconhecereis que o mundo de Além-Túmulo nada mais é que a imagem daguerreotipada  n deste, que, como sabeis, encerra Espíritos malignos como o diabo, e maus como os demônios. Não é de admirar que as pessoas simples se enganem e interditem todo comércio com eles, o que as priva da visita dos bons e grandes Espíritos, menos raros lá em cima do que aqui embaixo, pois os há de todos os tempos e em todos os lugares, e estes só nos querem dar bons conselhos e nos fazer o bem, enquanto sabeis com que repugnância e com que cólera os maus respondem ao apelo forçado. Mas o maior, o mais raro de todos os Espíritos, aquele que vem apenas três vezes durante a vida de um globo, o Espírito Divino, o Espírito Santo, enfim, não obedece às evocações dos pneumatólogos; vem quando quer, spiritus flat ubi vult, ( † ) o que não quer dizer que não envie outros para lhe preparar o caminho.

A hierarquia é uma lei universal, tudo é como tudo, aliás como entre nós. O que mais retarda o progresso das boas doutrinas, que a perseguição não deixa avançar, é o falso respeito humano.

Há muito tempo teria o magnetismo triunfado se o Sr. X. e o Sr. N., em vez de darem o nome e o endereço das pessoas para referências, como dizem os ingleses, houvessem dito: Quem é esse Sr. M., que se esconde? Aparentemente, um mentiroso. E esse Sr. J.? Um farsista, ou, antes, um ser em quem não se deve confiar, porquanto não se oculta nem se mascara senão para fazer mal e mentir.

Hoje, que as academias finalmente já aceitam o magnetismo e o sonambulismo, primos-irmãos do Espiritismo, é necessário que seus partidários se disponham a assumi-lo com todas as letras. O medo do que dirão é um sentimento covarde e mau.

A ação de subscrever aquilo que se viu, que se crê, não deve mais ser considerada como um traço de coragem. Deveis, pois, persuadir vossos adeptos a fazerem o que sempre tenho feito: assinar.

Jobard.


Observação. – Estamos perfeitamente de acordo em todos os pontos com o Sr. Jobard. Inicialmente, suas observações sobre o estado do Espírito são perfeitamente exatas. Quanto ao segundo ponto, como ele, aspiramos ao momento em que a dúvida do que dirão não deterá mais ninguém. Mas, que quereis? É preciso levar em conta a fraqueza humana. Uns começam, e o Sr. Jobard terá o mérito de ter dado o exemplo. Ficai certos de que outros seguirão quando virem que se pode pôr o pé de fora sem ser mordido. Para tudo é preciso tempo. Ora, o tempo chega mais depressa do que pensa o Sr. Jobard. A reserva que temos na publicação dos nomes é motivada por razões de conveniência, pelo que não temos, até o momento, senão que nos felicitar; mas enquanto esperamos, constatamos um progresso muito sensível na coragem de opinião. Diariamente vemos pessoas que, há bem pouco tempo ainda, apenas ousavam confessar-se espíritas; hoje o fazem abertamente nas conversas e sustentam teses sobre a doutrina, sem se preocuparem minimamente com os epítetos grosseiros com que as presenteiam. É um passo imenso: o resto virá. Eu o disse no começo: Mais alguns anos e se verá uma nova mudança. Em pouco tempo dar-se-á com o Espiritismo o que se deu com o magnetismo: até há bem pouco tempo, não era senão entre quatro paredes que se ousava dizer que se era magnetizador; hoje é um título que honra. Quando estiverem perfeitamente convencidos de que o Espiritismo não queima, dir-se-ão espíritas, sem mais receio do que se dizer frenologista, homeopata, etc. Estamos num momento de transição e as transições jamais se fazem bruscamente.


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