O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano II — Agosto de 1859.

(Idioma francês)

Pneumatografia ou escrita direta. n

A pneumatografia é a escrita produzida diretamente pelo Espírito, sem intermediário algum; difere da psicografia, por ser esta a transmissão do pensamento do Espírito, mediante a escrita feita com a mão do médium. Demos essas duas palavras no Vocabulário Espírita, posto no início de nossa Instrução Prática, com a indicação de sua diferença etimológica. Psicografia, do grego psykê, borboleta, alma; e graphus, eu escrevo; Pneumatografia, de pneuma, ar, sopro, vento, Espírito. No médium escrevente a mão é um instrumento, mas a sua alma, ou Espírito encarnado, é o intermediário, o agente ou o intérprete do Espírito estranho que se comunica; na Pneumatografia, é o próprio Espírito estranho que escreve diretamente, sem intermediário.

O fenômeno da escrita direta é, inegavelmente, um dos mais extraordinários do Espiritismo. Por anormal que pareça à primeira vista, é hoje um fato verificado e incontestável. Se dele ainda não falamos, é que esperávamos poder dar-lhe a explicação e já ter procedido às observações necessárias, a fim de tratar a questão com conhecimento de causa. A teoria, sempre necessária para nos inteirarmos da possibilidade dos fenômenos espíritas em geral, talvez ainda se faça mais necessária neste caso que, sem contestação, é um dos mais estranhos que se possam apresentar, deixando, porém, de parecer sobrenatural, desde que se lhe compreenda o princípio.

Da primeira vez que este fenômeno se produziu, a dúvida foi o sentimento dominante que deixou. Logo acudiu aos que o presenciaram a ideia de um embuste. Toda gente, com efeito, conhece a ação das tintas chamadas simpáticas, cujos traços, a princípio completamente invisíveis, aparecem ao cabo de algum tempo. Podia, pois, dar-se que tivessem, por esse meio, abusado da credulidade dos assistentes, e longe nos achamos de afirmar que nunca o tenham feito. Estamos até convencidos de que algumas pessoas, não com propósito mercenário, mas unicamente por amor-próprio e para fazer acreditar nas suas faculdades, hão empregado subterfúgios.

Na terceira das cartas escritas de Montaigne,  †  J. J. Rousseau refere o seguinte fato: “Em 1743 vi em Veneza  †  uma nova espécie de sortilégio, mais estranho que os de Préneste; quem o quisesse consultar entrava numa câmara, ali permanecendo sozinho, caso o desejasse. De um livro de folhas brancas tirava uma de sua escolha; depois, segurando essa folha, pedia mentalmente, e não em voz alta, aquilo que desejava saber; em seguida, dobrava a folha branca, depositava-a num envelope, lacrava-o e o colocava, assim fechado, dentro de um livro. Finalmente e sem perder o livro de vista, depois de haver recitado algumas fórmulas muito extravagantes, verificava se o selo não tinha sido violado, abria o envelope, retirava o papel e encontrava escrita a resposta. O mágico que fazia estas sortes era o primeiro secretário da Embaixada da França e se chamava J. J. Rousseau.”

Duvidamos que Rousseau tenha conhecido a escrita direta, pois, do contrário, teria sabido outras coisas relativas às manifestações espíritas e não teria tratado do assunto com tanta leviandade. Como ele próprio reconheceu quando o interrogamos sobre este fato, é provável que utilizasse um processo que aprendera de um charlatão italiano.

Entretanto, do fato de se poder imitar uma coisa, fora absurdo concluir-se pela sua inexistência. Nestes últimos tempos, não se há encontrado meio de imitar a lucidez sonambúlica, a ponto de causar ilusão? Mas, por que esse processo de saltimbanco se tenha exibido em todas as feiras, dever-se-á concluir que não haja verdadeiros sonâmbulos? Por que certos comerciantes vendem vinho falsificado, será uma razão para que não haja vinho puro? O mesmo sucede com a escrita direta. Bem simples e fáceis eram, aliás, as preocupações a serem tomadas para garantir a realidade do fato e, graças a essas precauções, hoje ele já não pode constituir objeto da mais ligeira dúvida.

Considerando-se que a possibilidade de escrever sem intermediário representa um dos atributos do Espírito; uma vez que os Espíritos sempre existiram desde todos os tempos e que desde todos os tempos se hão produzido os diversos fenômenos que conhecemos, o da escrita direta igualmente se há de ter operado na Antiguidade, tanto quanto nos dias atuais. Deste modo é que se pode explicar o aparecimento das três palavras célebres, na sala do festim de Baltazar.  ( † ) A Idade Média, tão fecunda em prodígios ocultos, mas que eram abafados por meio das fogueiras, também deve ter conhecido a escrita direta; igualmente é possível que, na teoria das modificações por que podem os Espíritos fazer passar a matéria, teoria que desenvolvemos em nosso artigo anterior [Mobiliário de Além-túmulo], se encontre o fundamento da crença na transmutação dos metais. É um ponto que abordaremos qualquer dia.

Um de nossos assinantes ultimamente nos dizia que um de seus tios, cônego, que durante muitos anos havia sido missionário no Paraguai, obtinha, por volta do ano 1800, a escrita direta, juntamente com seu amigo, o célebre Abade Faria. Seu processo, que nosso assinante jamais chegou a conhecer bem, e que de alguma sorte surpreendera casualmente, consistia numa série de anéis pendurados, aos quais eram adaptados lápis, dispostos em posição vertical, cujas pontas apoiavam-se no papel. Esse processo refletia a infância da arte; depois progredimos.

Todavia, quaisquer que tenham sido os resultados obtidos em diversas épocas, só depois de vulgarizadas as manifestações espíritas foi que se tomou a sério a questão da escrita direta. Ao que parece, o primeiro a torná-la conhecida, estes últimos anos, em Paris,  †  foi o barão de Guldenstubbé, que publicou sobre o assunto uma obra muito interessante, com grande número de fac-símiles das escritas que obteve. n O fenômeno já era conhecido na América, havia algum tempo. A posição social do Sr. Guldenstubbé, sua independência, a consideração de que goza nas mais elevadas rodas incontestavelmente afastam toda suspeita de fraude intencional, porquanto não havia nenhum motivo de interesse a que ele obedecesse. Quando muito, o que se poderia supor, é que fora vítima de uma ilusão; a, isto, porém, um fato responde peremptoriamente: o de haverem outras pessoas obtido o mesmo fenômeno, cercadas de todas as precauções necessárias para evitar qualquer embuste e qualquer causa de erro.

A escrita direta é obtida, como em geral a maior parte das manifestações espíritas não espontâneas, por meio da concentração, da prece e da evocação. Tem-se produzido em igrejas, sobre túmulos, no sopé de estátuas, ou imagens de personagens evocadas. Evidentemente, o local não exerce nenhuma outra influência, além da de facultar maior recolhimento espiritual e maior concentração dos pensamentos, porquanto provado está que o fenômeno se obtém, igualmente, sem esses acessórios e nos lugares mais comuns, sobre um simples móvel caseiro, desde que os que desejam obtê-lo se achem nas devidas condições morais e, entre esses, se encontre quem possua a necessária faculdade mediúnica.

Julgou-se, a princípio, ser preciso colocar aqui ou ali um lápis com o papel. O fato então podia, até certo ponto, explicar-se. É sabido que os Espíritos produzem o movimento e a deslocação dos objetos; que, algumas vezes, os tomam e atiram longe. Bem podiam, pois, tomar também do lápis e servir-se dele para traçar letras. Visto que o impulsionam, utilizando-se da mão do médium, de uma prancheta, etc., podiam, do mesmo modo, impulsioná-lo diretamente. Não tardou, porém, se reconhecesse que o lápis era dispensável, que bastava um pedaço de papel, dobrado ou não, para que, ao cabo de alguns minutos, se achassem nele grafadas as letras. Aqui, o fenômeno já muda completamente de aspecto e nos transporta a uma ordem inteiramente nova de coisas. As letras hão de ter sido traçadas com uma substância qualquer. Ora, sendo certo que ninguém forneceu ao Espírito essa substância, segue-se que ele próprio a compôs. Donde a tirou? Esse o problema.

O general russo, Conde de B… mostrou-nos uma estrofe de dez versos alemães obtida dessa maneira por intermédio da irmã do barão de Guldenstubbé, simplesmente colocando uma folha de papel, arrancada de sua própria caderneta, debaixo do pedestal do relógio da chaminé. Tendo-a retirado ao cabo de alguns minutos, nela encontrou versos em caracteres tipográficos alemães muito finos e de perfeita pureza. Através de um médium psicógrafo o Espírito lhe disse que queimasse esse papel; como hesitasse, lamentando sacrificar um espécimen tão precioso, o Espírito acrescentou: “Nada temais; dar-te-ei um outro”. Com essa garantia lançou o papel ao fogo, depois colocou uma segunda folha, igualmente tirada de sua carteira, sobre a qual os versos se achavam reproduzidos, exatamente da mesma maneira. Foi essa segunda edição que vimos e examinamos com o maior cuidado e, coisa bizarra, os caracteres apresentavam um relevo como se tivessem saído do prelo. Não é, pois, apenas o lápis que os Espíritos podem fazer, mas a tinta e os caracteres de imprensa.

Um dos nossos honrados colegas da Sociedade, o Sr. Didier obteve há alguns dias os resultados seguintes, que tivemos oportunidade de constatar, e cuja perfeita identidade podemos garantir. Tendo ido à igreja de Nossa Senhora das Vitórias,  †  com a Sra. Huet, que há pouco obteve sucesso em experiências desse gênero, tomou uma folha de papel de carta com o timbre de sua casa comercial, dobrou-a em quatro e a colocou sobre os degraus de um altar, rogando, em nome de Deus, que um bom Espírito se dignasse escrever alguma coisa. Ao cabo de dez minutos de recolhimento encontrou no interior e numa das partes dobradas da folha a palavra e num dos outros campos a palavra Deus. A seguir, tendo pedido ao Espírito que dissesse quem havia escrito aquilo, recolocou o papel no mesmo lugar e, após dez minutos, encontrou estas palavras: por Fénelon.

Oito dias mais tarde, a 12 de julho, quis repetir a experiência e dirigiu-se ao Louvre,  †  à sala Coyzevox, situada sob o pavilhão do relógio. Sobre a base do busto de Bossuet pôs uma folha de papel, dobrada como a primeira, mas nada obteve. Um menino de cinco anos o acompanhava e seu boné foi deixado no pedestal da estátua de Luís XIV, que se encontrava a alguns passos da primeira. Julgando que a experiência houvesse falhado, já se dispunha a sair quando, ao pegar o boné, percebeu embaixo deste, como se fora escrito a lápis sobre o mármore, a expressão amai a Deus, seguida da letra B. O primeiro pensamento que veio à mente dos assistentes foi o de que tais palavras poderiam ter sido escritas anteriormente por mãos estranhas, que não foram percebidas. Entretanto, quiseram tentar a prova novamente, recolocando a folha dobrada em cima dessas palavras, cobrindo-as com o boné. Decorridos alguns minutos perceberam que a folha continha três letras: a i m. Repuseram o papel e pediram fossem os escritos completados e obtiveram: Amai a Deus, isto é, aquilo que fora escrito no mármore, menos o B. Ficava assim evidente que as primeiras letras traçadas resultavam de escrita direta. Ressaltava, ainda, esse fato curioso: as letras foram grafadas sucessivamente e não de uma vez; quando da primeira inspeção, não houvera tempo de concluir as palavras. Saindo do Louvre, o Sr. D… dirigiu-se à igreja de Saint-Germain l’Auxerrois  †  onde obteve, pelo mesmo processo, as palavras: Sede humildes. Fénelon, escritas de maneira muito clara e muito legível. Estas palavras ainda podem ser vistas no mármore da estátua a que nos referimos.

A substância de que são feitos esses caracteres tem toda a aparência da grafita do lápis e é facilmente apagada com a borracha. Examinamo-la ao microscópio e constatamos que não é incorporada ao papel, mas simplesmente depositada na superfície, de maneira irregular, sobre as suas asperezas, formando arborescências muito semelhantes às de certas cristalizações. A parte apagada pela borracha deixa à mostra as camadas de matéria negra introduzida nas pequenas cavidades das rugosidades do papel. Destacadas e retiradas com cuidado, essas camadas são a própria matéria que se produz durante a operação. Lamentamos que a pequena quantidade recolhida não nos tenha permitido fazer a sua análise química; mas não perdemos a esperança de o conseguir um dia.

Quem quiser reportar-se às explicações que foram dadas em nosso artigo anterior encontrará completa a teoria do fenômeno. Para escrever dessa maneira, o Espírito não se serve das nossas substâncias, nem dos nossos instrumentos. Ele próprio fabrica a matéria e os instrumentos de que há mister, tirando, para isso, os materiais preciosos, do elemento primitivo universal que, pela ação da sua vontade, sofre as modificações necessárias à produção do efeito desejado. Possível lhe é, portanto, fabricar tanto o lápis vermelho, a tinta de imprimir, a tinta comum, como o lápis preto, ou, até, caracteres tipográficos bastante resistentes para darem relevo à escrita.

Tal o resultado a que nos conduziu o fenômeno da tabaqueira, descrito em nosso número anterior, e sobre o qual nos estendemos longamente, porque nele percebemos oportunidade para perscrutarmos uma das importantes leis do Espiritismo, lei cujo conhecimento pode esclarecer mais de um mistério, mesmo do mundo visível. Assim é que, de um fato aparentemente vulgar, pode sair a luz. Tudo está em observar com cuidado e isso todos podem fazer como nós, desde que se não limitem a observar efeitos, sem lhes procurarem as causas. Se a nossa fé se fortalece de dia para dia, é porque compreendemos. Tratai, pois, de compreender, se quiserdes fazer prosélitos sérios. Ainda outro resultado decorre da compreensão das causas: o de deixar riscada uma linha divisória entre a verdade e a superstição.

Considerando a escrita direta do ponto de vista das vantagens que possa oferecer, diremos que, até o presente, sua principal utilidade há consistido na comprovação material de um fato sério: a intervenção de um poder oculto que, nesse fenômeno, tem mais um meio de se manifestar. Todavia, raramente são extensas as comunicações que por essa forma se obtêm. Em geral espontâneas, elas se reduzem a algumas palavras ou proposições e, às vezes, a sinais ininteligíveis. Têm sido dadas em todas as línguas: em grego, em latim, em sírio, em caracteres hieroglíficos, etc., mas ainda se não prestaram às dissertações seguidas e rápidas, como permite a psicografia ou a escrita pela mão do médium. [v. também na Revista de maio de 1860: Pneumatografia ou escrita direta.]



[1] N. do T.: Vide O Livro dos Médiuns – Segunda Parte – capítulo XII.


[2] La realité des Esprits et de leurs manifestations, démontrée par le phenomène de l'écriture directe, pelo barão de Guldenstubbé, 1 vol. in-8º, com 15 estampas e 93 fac-símiles. Preço 8 fr. Casa Frank, rua Richelieu. Encontra-se também nas Casas Dentu e Ledoyen.


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