O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

Índice | Página inicial | Continuar

O Livro dos Espíritos — Livro I — Doutrina Espírita.

(1ª edição)
(Idioma francês)

Capítulo IV.


Mundo espiritual ou dos Espíritos.

Criação dos Espíritos. — Natureza e imaterialidade dos Espíritos. — Forma dos Espíritos. — Perispírito. — O mundo espiritual é o mundo normal primitivo. — Os Espíritos habitam o espaço universal. — Dom de ubiquidade atribuído aos Espíritos. — Faculdade de ver, nos Espíritos. — Comunicações mútuas dos Espíritos. — Estado primitivo dos Espíritos: seu aperfeiçoamento progressivo. — Diferentes ordens de Espíritos. — Todos os Espíritos tendem à perfeição. — Queda dos anjos. — Demônios. — Funções e atribuições dos Espíritos. — Faculdades intelectuais dos Espíritos; seus conhecimentos do passado e do Futuro. — Penas e gozos dos Espíritos. — Famílias de Espíritos. (Questões 38 a 79 c.)


38. Os Espíritos tiveram princípio ou existem, como Deus, de toda a eternidade? [Questão 78.]
“Se não tivessem tido princípio, seriam iguais a Deus, ao passo que são criação sua e se acham submetidos à sua vontade. Deus existe de toda a eternidade, é incontestável; quanto, porém, ao modo como Ele nos criou, nada sabemos. Podes dizer que não tivemos princípio se por isto entenderes que, sendo eterno, Deus há de ter criado incessantemente. Mas, quando e como Ele criou cada um de nós, eu te repito, ninguém o sabe: eis o mistério.”


Deus criou os seres inteligentes que povoam o Universo fora do mundo material e que são designados pelo nome de Espíritos.
A origem dos Espíritos, assim como a causa primeira de todas as coisas, é um dos segredos de Deus.
Os próprios Espíritos ignoram de que maneira foram feitos. Sabem apenas que são uma criação de Deus, porque estão submetidos à sua vontade; mas, como sucede com todas as criaturas, também existem mistérios para eles.


39. Os Espíritos são imateriais, ou formados de uma substância qualquer? Podemos conhecer sua natureza íntima? [Questão 78.]
“Como se pode definir uma coisa, quando faltam termos de comparação e com uma linguagem deficiente? Um cego de nascença pode definir a luz? Imaterial não é bem o termo; incorpóreo seria mais exato, pois deves compreender que, sendo uma criação, o Espírito há de ser alguma coisa. É a matéria quintessenciada, mas sem analogia para vós, e tão etérea que não pode ser percebida por vossos sentidos grosseiros.”


A natureza íntima dos Espíritos, bem como sua origem, é um mistério que não nos é dado conhecer neste mundo.
Dizemos que os Espíritos são imateriais porque sua essência difere de tudo que conhecemos sob o nome de matéria.
Um povo de cegos de nascença não teria termos para exprimir a luz e seus efeitos. Do mesmo modo, em relação à essência dos seres sobre-humanos, somos verdadeiros cegos. Não os podemos definir senão por meio de comparações sempre imperfeitas.


40. Os Espíritos são seres distintos da Divindade, ou seriam apenas emanações ou porções da Divindade e, por isto, chamados filhos de Deus? [Questão 77.]
“Meu Deus! São obra sua, exatamente como um homem que faz uma máquina; essa máquina é obra do homem, e não o próprio homem. Sabes que o homem, quando faz alguma coisa bela e útil, chama-lhe sua filha, sua criação. Pois bem! O mesmo se dá com relação a Deus; somos seus filhos, pois somos obra sua.”


Os Espíritos fazem parte da Criação, e, como tais, são considerados filhos de Deus; não obstante, são seres distintos do próprio Deus, assim como a obra é distinta do obreiro. Se fossem apenas emanações ou irradiações da Divindade, participariam de todas as infinitas perfeições divinas.


41. Os Espíritos têm uma forma determinada, limitada e constante? [Questão 88.]
“Aos vossos olhos, não; aos nossos, sim. O Espírito é, se quiserdes, uma chama, um clarão ou uma centelha.”


41 a. Qual a cor dessa chama? [Questão 88 a.]
“Depende do grau de perfeição deles. Quando o Espírito é puro, ela pode comparar-se à do rubi.”


Os Espíritos não têm, por si mesmos, nenhuma forma, nenhuma extensão determinada e constante, no sentido que associamos a estas palavras. Uma chama, um clarão ou uma centelha etérea, variando do escuro ao brilho do rubi, conforme a pureza do Espírito, é a única que poderia nos dar uma ideia deles, embora pálida e incompleta.


42. O Espírito propriamente dito tem alguma cobertura, ou, como pretendem alguns, está envolvida numa substância qualquer? [Questão 93.]
“O Espírito está envolvido numa substância que é vaporosa para ti, mas ainda bastante grosseira para nós; suficientemente vaporosa, no entanto, para poder elevar-se na atmosfera e transportar-se aonde queira.”


42 a. De onde tira o Espírito o seu envoltório? [Questão 94.]
“Do fluido universal de cada globo.”


42 b. Esse envoltório é perceptível e toma formas determinadas? [Questão 95.]
“Sim, a forma que o Espírito queira, e é desta maneira que ele vos aparece algumas vezes.”


Assim como o gérmen de um fruto é envolvido pelo perisperma, o Espírito propriamente dito é revestido por um envoltório que, por comparação, se pode chamar perispírito.
O perispírito é de natureza semimaterial, isto é, de natureza intermediária entre o espírito e a matéria. Toma formas determinadas segundo a vontade do Espírito e pode, em certos casos, impressionar nossos sentidos.
A substância do perispírito é tirada do fluido universal. É mais ou menos etérea, segundo o estado constitutivo de cada globo. Passando de um mundo a outro, o Espírito muda de envoltório ou de perispírito, como nós mudamos de roupa.


43. Os Espíritos têm individualidade?
“Sim; nunca se confundem.”


Os Espíritos têm individualidade e existência própria. Distinguem-se uns dos outros sem jamais se confundirem.


44. Os Espíritos constituem um mundo à parte, fora aquele que vemos? [Questão 84.]
“Sim, o mundo dos Espíritos ou das inteligências incorpóreas.”


Os Espíritos constituem todo um mundo incorpóreo, invisível para nós em nosso estado normal, ao passo que os seres corpóreos constituem o mundo material e visível.


45. Qual dos dois, o mundo espiritual ou o mundo corpóreo é o principal na ordem das coisas? [Questão 85.]
“O mundo espiritual.”


45 a. O mundo espiritual preexiste a tudo?
“Preexiste e sobrevive a tudo.” [Questão 85.]


45 b. O mundo corpóreo poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem que isso alterasse a essência do mundo espiritual? [Questão 86.]
“Sim; eles são independentes.”


O mundo espiritual, ou dos Espíritos, é o mundo normal, primitivo, preexistente e sobrevivente a tudo. O mundo corpóreo é secundário, transitório, passageiro e subordinado; é perecível porque a matéria, em se transformando, produz sem cessar novos seres animados ou inanimados; poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem por isso alterar a essência do mundo espiritual.


46. Os Espíritos ocupam uma região determinada e circunscrita no espaço universal? [Questão 87.]
“Não; eles estão por toda parte.”


46 a. Eles estão à nossa volta, ao nosso lado?
“Sim, e vos observam.”


Os Espíritos não habitam um lugar determinado; estão em toda parte, o Universo é o seu domínio; os espaços infinitos estão cheios deles. Acham-se em torno de nós, ao nosso lado, bem como nas regiões mais distantes e até nas entranhas da Terra.


47. Os Espíritos se transportam instantaneamente de um lugar a outro?
“Sim.”


47 a. Os Espíritos gastam algum tempo para percorrer o espaço? [Questão 89.]
“Sim, mas com a rapidez do pensamento.”


47 b. A matéria oferece obstáculo aos Espíritos? [Questão 91.]
“Não; eles penetram tudo.”


A essência etérea dos Espíritos lhes permite franquear os espaços e transportar-se prontamente de um lugar a outro e de um mundo a outro.
A matéria não lhes oferece qualquer obstáculo; penetram tudo, introduzem-se em qualquer lugar: o ar, a terra, as águas e até mesmo o fogo lhes são igualmente acessíveis.


48. O mesmo Espírito pode dividir-se ou existir em vários pontos ao mesmo tempo? [Questão 92.]
“Não; não pode haver divisão de um mesmo Espírito; mas cada um é um centro que irradia para diferentes lados, e é por isso que parecem estar em muitos lugares ao mesmo tempo. Vês o Sol? É somente um; no entanto, irradia-se em todas as direções e leva muito longe seus raios. Contudo, não se divide.”


Cada Espírito é uma unidade indivisível; por conseguinte, não pode estar, ao mesmo tempo, em vários pontos diferentes. Cada um deles é um centro ou foco intelectual que irradia para diferentes lados, como o cérebro irradia o pensamento, sem para isso se dividir. Apenas nesse sentido é que se deve entender o dom da ubiquidade atribuído aos Espíritos.


49. A visão dos Espíritos é circunscrita como a dos seres corpóreos? [Questão 245.]
“Não.”


49 a. Onde ela se localiza?
“Em todo o seu ser.” [Questão 245.]


49 b. Os Espíritos podem ver simultaneamente nos dois hemisférios? [Questão 247.]
“Sim, veem por toda parte; para eles não há trevas.”


Nos Espíritos, a faculdade de ver não é circunscrita como nos seres corpóreos; é uma propriedade inerente à sua natureza e que reside em todo o seu ser, como a luz reside num corpo luminoso. É uma espécie de lucidez universal que se estende a tudo, que abrange simultaneamente o espaço, os tempos e as coisas, lucidez para a qual não há trevas, nem obstáculos materiais.


50. Os Espíritos podem esconder-se uns dos outros? [Questão 283.]
“Não; podem afastar-se uns dos outros, mas sempre se veem.”


A faculdade de ver é ilimitada entre os Espíritos; por conseguinte, eles não podem ocultar-se uns dos outros. Podem até distanciar-se, mas sempre se vendo. Nenhum esconderijo os pode subtrair à vista.


51. Os Espíritos podem ocultar reciprocamente seus pensamentos? [Questão 283.]
“Não; para eles tudo é patente, sobretudo quando são perfeitos.”


Da visão e da penetração indefinidas dos Espíritos decorre o conhecimento recíproco de seus pensamentos. Nada entre eles poderia dissimular-se, principalmente quando são perfeitos.


52. Como os Espíritos se comunicam entre si? [Questão 282.]
“Eles se veem e se compreendem. A palavra é material: é o reflexo do Espírito.”


Da intuição de seus pensamentos recíprocos decorre, para os Espíritos, o modo de suas comunicações; eles se veem e se compreendem, sem necessidade da palavra.


53. Os Espíritos foram criados bons e maus, ou entre eles existem os bons e os maus? [Questão 115.]
“Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, isto é, sem saber. A cada um deu uma missão, com o fim de esclarecê-los e de os fazer chegar progressivamente à perfeição, pelo conhecimento da verdade, para aproximá-los de si. Para eles, a felicidade eterna e sem mescla consiste nessa perfeição.”
“Os Espíritos adquirem aqueles conhecimentos, passando pelas provas que Deus lhes impõe. Uns aceitam essas provas com submissão e chegam mais depressa à meta que lhes foi destinada. Outros só a suportam murmurando e assim, por culpa sua, permanecem afastados da perfeição e da prometida felicidade.” 80


53 a. De acordo com isto, os Espíritos se assemelhariam, na sua origem, a crianças ignorantes e sem experiência, só adquirindo pouco a pouco os conhecimentos que lhes faltam ao percorrerem as diferentes fases da vida? [Questão 115 a.]
“Sim, a comparação é justa; a criança rebelde permanece ignorante e imperfeita; seu maior ou menor aproveitamento vai depender de sua docilidade. Mas a vida do homem tem um termo, ao passo que a dos Espíritos se estende ao infinito.”


54. Todos os Espíritos são iguais entre si? [Questão 96.]
“Não; eles são de diferentes ordens.”


54 a. Em que se baseia a diferença que existe entre eles?
“No grau de perfeição a que chegaram.” [Questão 96.]


54 b. Entre os Espíritos, há quantas ordens ou graus de perfeição? [Questão 97.]
“O número é ilimitado, mas pode ser reduzido a três principais.”


O mundo espiritual se compõe, assim, de Espíritos mais ou menos perfeitos. Essa diferença constitui entre eles uma hierarquia baseada no grau de purificação a que chegaram.
Podemos dividi-los em três ordens principais; mas esse número nada tem de absoluto, considerando-se que cada ordem apresenta uma infinidade de graus.


55. Quais são os Espíritos da primeira ordem? [Questão 112 e 113.]
“Os Espíritos puros, os que atingiram a perfeição.” [Questão 97.]


55 a. Que são anjos, arcanjos ou serafins? [Questão 113.]
“Espíritos puros.”


55 b. Os anjos são seres de natureza diferente da dos outros Espíritos? [Questão 128.]
“Não; todos percorreram os diferentes graus da escala. Mas, como já dissemos, uns cumpriram sua missão sem murmurar e chegaram mais depressa.” [Questão 129.]


No primeiro posto da hierarquia espírita estão os Espíritos que alcançaram a perfeição. São os Espíritos puros que, não tendo mais provas a sofrer, ficam por toda a eternidade na glória de Deus.
São designados às vezes pelos nomes de anjos, arcanjos ou serafins.
Os anjos não constituem seres de natureza especial; como os demais Espíritos, eles percorreram as diferentes ordens. O homem que adquiriu o máximo de saber e experiência não fica, por isso, dotado de natureza diversa da que possuía na infância.


56. Quais são os Espíritos da segunda ordem? [Questão 107 a 111.]
“Os que chegaram ao meio da escala.”


56 a. Que é que caracteriza os Espíritos da segunda ordem? [Questão 107.]
“O desejo do bem é sua preocupação.”


56 b. Têm apenas o desejo do bem ou terão também o poder de praticá-lo? [Questão 98.]
“Eles têm esse poder conforme seu grau de perfeição; mas todos ainda têm que sofrer provas.”


Os Espíritos da segunda ordem são os que ainda têm provas a sofrer. Estão em plano intermediário, entre os Espíritos puros e os Espíritos inferiores, e se aproximam mais ou menos de uns e de outros, de acordo com seu grau de perfeição.
São bastante aperfeiçoados para só terem o desejo do bem, mas não suficientemente elevados para terem a soberana Ciência, pois a perfeição só é adquirida pelos que hão percorrido todos os graus da vida espiritual.


57. Quais são os Espíritos da terceira ordem? [Questão 101 a 106.]
“Os que ainda se acham na parte inferior da escala: os Espíritos imperfeitos.”


57 a. Que é que caracteriza os Espíritos da terceira ordem? [Questão 101.]
“A ignorância e todas as más paixões que retardam o seu aperfeiçoamento.”


57 b. Os Espíritos da terceira ordem são todos essencialmente maus?
“Não; uns não fazem nem o bem nem o mal; outros, ao contrário, regozijam-se no mal e ficam satisfeitos quando encontram ocasião de praticá-lo.”


57 c. Que se deve entender por duendes?
“Duendes, trasgos e diabretes: tudo é a mesma coisa. São Espíritos levianos, antes trapalhões que maus, que se comprazem mais com a malícia do que com a maldade e que encontram prazer em mistificar e causar pequenas contrariedades.” [Questão 103.]


Os Espíritos da terceira ordem são os Espíritos imperfeitos, isto é, os que ainda têm quase todos os escalões a percorrer. Caracterizam-se pela ignorância, pelo orgulho, pelo egoísmo e por todas as más paixões que lhes são consequentes.
Podem ser divididos em três classes principais:
1º — Espíritos neutros — os que não são nem bastante bons para fazerem o bem, nem bastante maus para fazerem o mal. [Questão 105.]
2º — Espíritos impuros — os que são inclinados ao mal, de que fazem o objeto de suas preocupações. [Questão 102.]
3º — Espíritos travessos — são levianos, maliciosos, inconsequentes, mais turbulentos que maus; intrometem-se em tudo, comprazem-se em causar pequenos desgostos e ligeiras alegrias, em induzir maliciosamente ao erro por meio de mistificações. Também são designados pelos nomes de duendes ou diabretes. [Questão 103.]


58. Os Espíritos são bons ou maus por natureza, ou são eles mesmos que se melhoram? [Questão 114.]
“São os próprios Espíritos que se melhoram.”


58 a. Os Espíritos pertencem perpetuamente à mesma ordem?
“Ao se melhorarem, eles passam de uma ordem inferior para uma ordem superior.” [Questão 114.]


Os Espíritos não são bons ou maus pela própria essência de sua natureza, nem ficam pertencendo perpetuamente à mesma ordem. Todos eles são Espíritos que se melhoram e que, em se purificando, passam de uma ordem inferior para outra superior.


59. Há Espíritos que permanecerão para sempre nas ordens inferiores? [Questão 116.]
“Não; todos se tornarão perfeitos. Eles mudam de ordem, mas isso demora, porque, como já dissemos de outra vez, um pai justo e misericordioso não pode banir eternamente seus filhos. Pretenderíeis que Deus, tão grande, tão bom, tão justo, fosse pior que vós mesmos?”


59 a. Depende dos Espíritos abreviar o tempo de suas provas? [Questão 117.]
“Certamente. Eles chegam mais ou menos depressa, conforme seu desejo e submissão à vontade de Deus. Uma criança dócil não se instrui mais depressa que uma criança rebelde?”


Não há Espíritos condenados a ficar perpetuamente nas classes inferiores. Ao passarem pelas provas a que são submetidos, todos se melhoram e atingirão o grau superior na vida eterna.
A melhoria sucessiva dos Espíritos faz parte dos desígnios da Providência. Todos progridem em virtude de uma potência que os domina, como o homem passa da infância à idade madura; todos mudam e se transformam em tempo mais ou menos longo, segundo o próprio desejo, pois depende da vontade deles chegar mais depressa ou menos depressa.


60. Os Espíritos podem degenerar? [Questão 118.]
“Não; à medida que avançam, compreendem o que os distanciava da perfeição. Quando o Espírito termina uma prova, fica com o conhecimento que adquiriu e não o esquece mais.”


Os Espíritos que atingiram um grau superior não podem degenerar nem falir novamente; eles têm o conhecimento do bem e do mal; a experiência que adquiriram os impede de retrogradarem.


61. Que pensar então da crença nos Espíritos decaídos?
“Já dissemos que todos os Espíritos foram criados ignorantes e sem experiência; aprendem a verdade mediante as provas a que são submetidos e nas missões que lhes são dadas. Os que cumprem suas missões sem queixumes, avançam; os outros ficam na retaguarda. Não, são, portanto, decaídos; são, se quiseres, Espíritos rebeldes, tal como a criança indócil para com o pai. Deus, porém, não é impiedoso; faculta-lhes incessantemente os meios de se melhorarem; cumpre-lhes aproveitá-los mais ou menos depressa, segundo o desejo de cada um, sendo nisso que consiste o livre-arbítrio.”


A ideia da queda dos Espíritos supõe uma degradação. Ora, tendo todos os Espíritos o mesmo ponto de partida, que é o estado de ignorância e de inexperiência, não poderão senão elevar-se ou ficar estacionários; por conseguinte, não pode haver queda no sentido vulgar ligado a esta palavra. A elevação deles depende do próprio desejo que tenham de progredir e da submissão que manifestem à vontade de Deus; considerando-se, porém, que alguns Espíritos não têm aceitado sem queixumes a missão que lhes cumpre realizar, são punidos por si mesmos, sofrendo por mais tempo as penas inerentes à própria inferioridade; mas tal sofrimento não é eterno, pois cedo ou tarde compreendem a falta que cometeram e avançam progressivamente. Há, pois, no caso simples rebelião, e não queda. Não são anjos rebeldes, visto como os anjos, que são Espíritos chegados à perfeição, não podem degenerar. 81


62. Há demônios no sentido que se dá a esta palavra? [Questão 131.]
“Se houvesse demônios, seriam obra de Deus. E Deus seria justo e bom se tivesse criado seres eternamente votados ao mal e infelizes para sempre? Se há demônios, é em teu mundo grosseiro e em outros semelhantes que eles residem. São esses homens hipócritas que fazem de um Deus justo um Deus mau e vingativo e que julgam agradá-lo pelas abominações que cometem em seu nome.”


Por demônios, segundo a acepção vulgar da palavra, se entendem seres essencialmente e perpetuamente malfazejos; seriam, como todas as coisas, criados por Deus. Ora, Deus, que é soberanamente justo e bom, não pode ter criado seres naturalmente predispostos ao mal e condenados para sempre. Se não fossem obra de Deus, existiriam, como Ele, de toda a eternidade, ou então haveria muitas potências soberanas.


63. Os Espíritos têm outra coisa a fazer, além de se melhorarem pessoalmente? [Questão 558.]
“Concorrem para a harmonia do Universo, executando as vontades de Deus, de quem são ministros.”


63 a. Os Espíritos inferiores e imperfeitos também desempenham função útil no Universo? [Questão 559.]
“Todos têm sua missão útil. O menos qualificado dos pedreiros não concorre para a construção do edifício, tanto como o arquiteto?”


Os Espíritos são os ministros de Deus e os agentes de sua vontade; é por meio deles que Deus governa o mundo. Todos, desde o primeiro até ao último concorrem para a harmonia do Universo; cada qual tem um papel na ordem geral, segundo a classe a que pertence; é nisso que consiste a missão deles, e é desempenhando-a que se aperfeiçoam e adquirem os conhecimentos que um dia os tornarão perfeitos.


64. Cada Espírito tem atribuições especiais? [Questão 560.]
“Vale dizer que temos de habitar todas as regiões e adquirir o conhecimento de todas as coisas, presidindo sucessivamente a todos os componentes do Universo. Mas, como diz o Eclesiastes, ( † ) há tempo para tudo. Assim, tal Espírito cumpre hoje neste mundo o seu destino; tal outro cumprirá ou já cumpriu o seu, em outra época, na terra, na água, no ar, etc.”


Para se instruírem acerca de todas as coisas, os Espíritos têm sucessivamente que percorrer as diferentes fases de ordem física e de ordem moral do Universo. Desta forma, enquanto alguns presidem na Terra os fenômenos geológicos, outros presidem os fenômenos do ar, das águas, da vegetação, do nascimento e da morte dos seres vivos, da produção e da destruição de todas as coisas; é por intermédio deles que se cumprem as revoluções que transformam a face dos mundos.


65. As funções que os Espíritos desempenham na ordem das coisas são permanentes para cada um deles, ou são atribuições exclusivas de certas classes? [Questão 561.]
“Todos têm que percorrer os diferentes graus da escala para se aperfeiçoarem. Deus, que é justo, não poderia ter dado a uns a ciência sem trabalho, enquanto outros só a adquirem com muito esforço.”


As funções exercidas pelos Espíritos não são permanentes para cada um deles, nem exclusivas de certas classes, visto ser preciso que todos cumpram seu destino para alcançar a perfeição. Dá-se a mesma coisa entre os homens, onde ninguém chega ao grau supremo de habilidade numa arte qualquer, sem antes adquirir os conhecimentos necessários na prática das partes mais ínfimas dessa arte.


66. A ideia dos gnomos, dos silfos e de outros gênios criados pela imaginação não pareceria ter sua fonte no conhecimento adquirido ou na intuição das diversas funções dos Espíritos?
“Sem dúvida; naquilo que chamais fábulas há muitas vezes grandes verdades. A maior parte tem sua fonte na revelação das coisas do Alto, mas que foram tomadas ao pé da letra; eis aí o erro.”


A ideia das funções que exercem os Espíritos, como a própria Doutrina Espírita, encontra-se sob formas diversas na crença de todos os povos e em todas as épocas, com a diferença de que fizeram seres distintos daquilo que não passa de um atributo temporário. Foi assim que a imaginação inventou os gnomos, os silfos, as ninfas e toda a falange de gênios.


67. Os Espíritos têm percepções que nos sejam desconhecidas?
“Certamente, pois vossas faculdades são limitadas por vossos órgãos. A inteligência é um atributo do Espírito, mas que se manifesta mais livremente quando este não tem obstáculos a vencer.” [Questão 237.]


A inteligência é um atributo essencial da natureza do Espírito, confundindo-se com ele. A faculdade de conhecer é consequência da inteligência, faculdade que se exerce livremente e sem entraves, quando não está circunscrita pelos órgãos materiais. É por isso que os Espíritos têm percepções que nos são desconhecidas.


68. As percepções e os conhecimentos dos Espíritos são ilimitados? Numa palavra: eles sabem tudo? [Questão 238.]
“Não; entretanto, quanto mais se aproximam da perfeição, tanto mais sabem.”


As percepções e os conhecimentos não são ilimitados para todos os Espíritos, mas proporcionais ao grau de pureza e de perfeição a que tenham chegado.


69. Os Espíritos compreendem a duração, como nós? [Questão 240.]
“Não, e é isso que faz que nem sempre nos compreendeis, quando se trata de determinar datas ou épocas.”


A inteligência dos Espíritos abarca a eternidade. A duração, para eles, anula-se, por assim dizer, e os séculos, para nós tão longos, não passam, aos olhos deles, de breves instantes.


70. Os Espíritos fazem do presente ideia mais precisa e mais justa que nós? [Questão 241.]
“Mais ou menos como aquele que vê claramente faz ideia mais exata das coisas que o cego. Os Espíritos veem o que não vedes; julgam, pois, de modo diverso do vosso. Mas, ainda uma vez, isso depende da elevação deles.”


A faculdade de ver tudo, junto à amplitude das percepções intelectuais e à penetração do pensamento, faculta aos Espíritos um conhecimento absoluto do presente, permitindo-lhes abarcar, num golpe de vista, todos os eventos contemporâneos. É por isso que julgam as coisas com mais sensatez do que nós mesmos o faríamos, tolhidos que estamos por nosso envoltório terrestre.


71. Como é que os Espíritos têm conhecimento do passado? [Questão 242.]
“O passado, quando com ele nos ocupamos, é presente, exatamente como te lembras de uma coisa que te impressionou no curso de teu exílio. Simplesmente, como já não temos o véu material que obscurece tua inteligência, lembramo-nos de coisas que para ti estão apagadas.”


71 a. Esse conhecimento é ilimitado para eles? [Questão 242.]
“Não; nem tudo os Espíritos sabem, a começar por sua própria criação.”


Em se apagando a duração do tempo, o passado vem à memória dos Espíritos e lhes mostra, como presente, os acontecimentos mais distantes de nós. Conhecem, pois, o passado, salvo a origem e o princípio das coisas que, para eles como para nós, ficam envoltos num véu misterioso, até que hajam atingido a perfeição suprema.
Como a amplitude das percepções dos Espíritos está subordinada ao grau de elevação deles, o conhecimento que têm do passado, mesmo para as coisas vulgares, vai depender dessa elevação.


72. Os Espíritos conhecem o futuro? [Questão 243.]
“Isto também depende da perfeição deles. Muitas vezes, apenas o entreveem, mas nem sempre lhes é permitido revelá-lo. Quando o veem, o futuro lhes parece presente.”


72 a. Os Espíritos que alcançaram a perfeição absoluta têm conhecimento completo do futuro? [Questão 243 a.]
“Completo não é bem o termo, pois só Deus é soberano Senhor e ninguém o pode igualar.”


O conhecimento do futuro tem, para os Espíritos, limites que não lhes é permitido ultrapassar. Eles o conhecem de acordo com seu grau de perfeição. Segundo esse grau, prejulgam-no com maior ou menor exatidão, como consequência do presente; entreveem-no e podem, se estiver nos desígnios da Providência, fazer uma revelação parcial. O futuro, então, se desdobra diante deles: veem-no como veem o passado e o presente.


73. Os Espíritos experimentam nossas necessidades e sofrimentos físicos? Sentem fadiga e necessidade de repouso? [Questão 253 e 254.]
“Não; eles são Espíritos. É certo que os conhecem, porque já os sofreram, mas não os sentem como vós, materialmente.”


Em virtude de sua essência espiritual, os Espíritos não podem ficar sujeitos às influências que afetam a matéria. Não sentem nossas necessidades, nem nossos sofrimentos físicos, nem fadiga, nem precisam de repouso, embora os compreendam. 82


74. Os Espíritos são felizes ou infelizes?
“Felizes ou infelizes, conforme seu grau de perfeição.”


74 a. Existem os que gozam de inalterável felicidade?
“Sim, os Espíritos puros. Todos a alcançarão; depende deles.”


As penas e gozos dos Espíritos são inerentes à natureza deles e ao grau de perfeição que alcançaram.
A felicidade perfeita e sem mescla é apanágio dos Espíritos puros; até lá, eles não desfrutam senão de uma felicidade incompleta.


75. Podemos compreender a natureza das penas e gozos dos Espíritos, comparando-os aos que experimentamos na Terra?
“Não; suas penas e gozos nada têm de carnal.”


As penas e os gozos dos Espíritos nada têm das sensações corpóreas e, no entanto, são mil vezes mais vivazes do que esses que experimentamos na Terra, tanto no bem como no mal.


76. Os Espíritos de diferentes ordens estão misturados uns com os outros? [Questão 278.]
“Sim e não; eles se veem, mas se distinguem uns dos outros.”


76 a. Há Espíritos que se atraem e outros que se repelem?
“Sem dúvida, de acordo com a analogia ou a antipatia de seus sentimentos, como acontece entre vós. Os Espíritos desprendidos da matéria repelem-se ou se atraem, tal como sucede entre os encarnados. É todo um mundo do qual o vosso é pálido reflexo.”


Embora os Espíritos estejam por toda parte, as diferentes ordens não se misturam; eles se veem a distância. Os da mesma categoria reúnem-se por uma espécie de afinidade e formam grupos ou famílias de Espíritos unidos pelos laços da simpatia.
Tal uma grande cidade, onde os homens de todas as classes e condições se veem e se encontram, sem se confundirem; onde as sociedades se formam pela analogia dos gostos; onde o vício e a virtude convivem lado a lado sem se falarem.


77. Qual o móvel que atrai os Espíritos bons?
“O desejo de fazer o bem; simpatia. Os semelhantes se atraem.”


77 a. Quais são as ocupações dos Espíritos bons?
“Velar pelo cumprimento do bem; ocupar-se com a Humanidade e com os meios de melhorá-la.”


77 b. Qual a natureza das relações entre os Espíritos bons e os maus? [Questão 280.]
“Os bons se empenham em combater as más inclinações dos outros, a fim de ajudá-los a subir. É sua missão.”


Os Espíritos bons se atraem pela similitude dos gozos, pela comunhão de sentimentos e pensamentos e pelo desejo de fazer o bem. Os sentimentos de amor e benevolência são atributos exclusivos dos Espíritos bons. A ocupação deles consiste em velar pelo exato cumprimento de tudo o que é bom e lutar contra as más inclinações dos Espíritos inferiores, a fim de ajudá-los a subir.
É assim que ouvimos os Espíritos bons pela voz da consciência, à qual tapamos tantas vezes os ouvidos.


78. Qual o móvel que atrai os Espíritos maus?
“O desejo de fazer o mal; vergonha de suas faltas e necessidade de permanecer no meio de seres que lhes são semelhantes.”


78 a. Por que os Espíritos inferiores se comprazem no mal?
“Pelo despeito de não terem merecido estar entre os bons.” [Questão 281.]


78 b. Os Espíritos têm paixões especiais de que está isenta a Humanidade? [Questão 363.]
“Não; do contrário vo-las teriam comunicado.”


78 c. Os Espíritos exercem influência uns sobre os outros? “Sim, os superiores sobre os inferiores.”


Os Espíritos inferiores se atraem pela similitude de suas más tendências e pelo desejo de fazer o mal.
A inveja, o ciúme, o orgulho, o egoísmo e todas as paixões más são peculiares aos Espíritos imperfeitos, que se acham, por sua inferioridade moral e ignorância, sob a influência dos Espíritos superiores. Eles se comprazem no mal por inveja e ciúme que sentem da felicidade dos bons; é desejo deles impedir, tanto quanto possam, que os Espíritos ainda imperfeitos alcancem o supremo bem; querem que os outros sintam o que eles próprios experimentam.


79 Os Espíritos se consagram afeições particulares? [Questão 291.]
“Sim, como entre os homens.”


79 a. Os Espíritos guardam ódio entre si? [Questão 292.]
“Sim, os Espíritos impuros.”


79 b. As afeições dos Espíritas são mais puras que as dos homens?
“Quanto mais perfeito o Espírito, tanto mais pura é a afeição que guardam entre si.”


79 c. As afeições recíprocas dos Espíritos são passíveis de alterações? [Questão 296.]
“Não, pois todos os sentimentos ficam a descoberto; eles não podem enganar-se.”


Além da similitude de pensamentos que une os Espíritos da mesma ordem, há entre eles afeições individuais fundadas em simpatias especiais. Quanto mais perfeitos são, tanto mais puras são essas afeições; para eles, o amor que os une é fonte de suprema felicidade. Só existe ódio entre os Espíritos impuros.
Como os Espíritos não podem dissimular seus pensamentos, a hipocrisia é impossível entre eles; é por isso que suas afeições são inalteráveis.



[80] N. T.: Em respeito ao original, não aspamos a resposta da questão 53. Ver nota de rodapé nº 74, à p. 73.


[81] N. T.: Para maiores detalhes sobre o assunto, ver Revista Espírita, janeiro de 1862: “Ensaio de interpretação sobre a doutrina dos anjos decaídos”; A gênese, capítulo XI, item 43 e seguintes: “Doutrina dos anjos decaídos e da perda do paraíso” (Edições FEB).


[82] N. T.: Ver, na edição definitiva de O Livro dos Espíritos, a resposta à questão nº 256, bem como a dissertação de Kardec (item 257), intitulada “Ensaio teórico sobre a sensação dos Espíritos”.


Abrir