Há uma coisa ainda mais prejudicial ao Espiritismo do que os ataques apaixonados de seus inimigos: é o que publicam, em seu nome, seus pretensos adeptos. Certas publicações são realmente lamentáveis, porque não podem dar do Espiritismo senão uma ideia falsa e expô-lo ao ridículo. É de se perguntar por que Deus permite essas coisas e não esclarece todos os homens de igual modo. Haverá algum meio de se remediar esse inconveniente, que nos parece um dos maiores escolhos da Doutrina?
Esta questão é grave e exige algumas explicações. Para começar, eu diria que não há uma única ideia, sobretudo quando tem certa importância, que não encontre obstáculos. O próprio Cristianismo não foi ferido na pessoa de seu chefe, tratado como impostor, e na de seus apóstolos? E mesmo entre os seus propagadores não havia criaturas terríveis? Por que, então, o Espiritismo seria privilegiado?
Em seguida eu observaria que o que encarais como um mal é, sem sombra de dúvida, um bem. Para o compreender não basta olhar o presente, mas, sobretudo, o futuro. A Humanidade é afligida por muitos males que a corroem e que têm sua fonte no orgulho e no egoísmo. Esperais curá-la instantaneamente? Acreditais que essas paixões, que reinam soberanamente sobre ela, se deixarão destronar facilmente? Não; elas erguem a cabeça para morder os que a vêm perturbar em sua tranquilidade. Tal é, não duvideis, a causa de certas oposições. A moral do Espiritismo não convém a todo mundo; não ousando atacá-la, atacam sua fonte.
De fato o Espiritismo tem realizado numerosos milagres de reformas morais, mas pensar que essa transformação pudesse ser súbita e universal seria desconhecer a Humanidade. Entre os crentes há os que, como eu disse, só veem do Espiritismo a superfície, que não compreendem o seu objetivo essencial. Quer por falta de julgamento, quer por orgulho, dele aceitam apenas o que os lisonjeia, repelindo o que os humilha. Não é, pois, de admirar que alguns espíritas o tomem em sentido inverso. Isso pode ser lamentável no presente, porém não terá maiores consequências para o futuro.
Perguntais por que Deus não impede os erros. Perguntai-Lhe por que não criou perfeitos os homens, de imediato, em vez de lhes deixar o trabalho e o mérito de se aperfeiçoarem; por que não fez a criança já nascer adulta, dotada de raciocínio, esclarecida, em vez de deixá-la adquirir a experiência pela vivência; por que a árvore só atinge o pleno desenvolvimento após longos anos e o fruto só amadurece quando a estação propícia é chegada? Perguntai-Lhe por que o Cristianismo, que é sua lei e sua obra, sofreu tantas flutuações desde o seu nascimento; por que permitiu que os homens se servissem de seu nome sagrado para cometer tantos abusos, mesmo crimes e derramar tanto sangue? Nada se faz bruscamente em a Natureza; tudo marcha gradualmente conforme as leis imutáveis do Criador e essas leis conduzem sempre ao objetivo que Ele se propôs. Ora, a Humanidade na Terra é ainda jovem, malgrado a pretensão de seus doutores. O Espiritismo, também, mal acaba de nascer; cresce depressa, como vedes, e desfruta de excelente saúde. É preciso, contudo, que lhe deis tempo para atingir a idade viril. Eu vos disse também que os desvios de que vos lamentais têm seu lado bom; são os próprios Espíritos que o vêm explicar. Eis uma passagem de uma comunicação dada a respeito:
“Os espíritas esclarecidos devem felicitar-se pelo fato de as ideias falsas e contraditórias se revelarem agora, porque são combatidas, arruínam-se e se esgotam durante o período da infância do Espiritismo. Uma vez purgado de todas as coisas más, ele luzirá com um brilho mais vivo e marchará com passo mais firme quando tiver alcançado o seu pleno desenvolvimento.”
A essa judiciosa apreciação, acrescento que é como uma criança que, depois de fazer suas diabruras, porta-se bem. Mas, para julgar o efeito dessas dissidências, basta observar o que se passa. Em que se apoiam? Em opiniões individuais, que podem reunir algumas pessoas, uma vez que não há ideia, por mais absurda que seja, que não encontre partidários. Mas, julga-se de seu valor pela preponderância que ela adquire. Ora, onde vedes as de que falamos com a mínima preponderância? Fizeram escola, ameaçaram pelo número de adeptos a bandeira que adotastes? Em parte alguma; longe disso, as ideias divergentes veem incessantemente seus partidários diminuindo, para aderirem à unidade que se faz lei para a imensa maioria, quando não para a unanimidade. De todos os sistemas que surgiram quando da origem das manifestações, quantos permanecem de pé? Entre esses sistemas existe um que, em certa cidade, havia adquirido enormes proporções; contai seus adeptos hoje. Acreditais que se fosse verdadeiro não teria crescido e absorvido seus concorrentes? Em semelhante caso, o assentimento do número é um índice que não pode enganar. Quanto a mim, vos declaro que, se a Doutrina da qual me fiz propagador fosse repelida de maneira unânime; se, em vez de crescer, eu a tivesse visto declinar; se outra teoria mais racional tivesse conquistado mais simpatias e assim demonstrasse, peremptoriamente, o erro do Espiritismo, eu veria como orgulhosa puerilidade aferrar-me a uma ideia falsa, porque, antes de tudo, a verdade não pode ser uma questão pessoal ou de amor-próprio, e eu seria o primeiro a vos dizer: “Meus irmãos: eis a luz; segui-a; eu vos dou o meu próprio exemplo.”
Aliás, o erro leva consigo, quase sempre, o remédio; e seu reino não pode ser eterno. Mais cedo ou mais tarde, deslumbrado por alguns sucessos efêmeros, é tomado por uma espécie de vertigem e se curva ante as aberrações que precipitam sua queda. Isto é verdadeiro, do maior ao menor. Deplorais as excentricidades de certos escritos publicados sob o manto do Espiritismo. Ao contrário, deveríeis abençoá-los, porquanto é por esses próprios excessos que o erro se perde. O que é que vos choca nesses escritos, que para vós constitui uma causa de repulsa e muitas vezes vos tem impedido de ir até o fim, senão o que fere violentamente o vosso bom senso? Se a falsidade das ideias não fosse tão evidente, tão chocante, talvez não as tivésseis percebido e nem mesmo vos teríeis deixado prender por elas, ao passo que fostes impressionados pelos erros manifestos, que são o seu antídoto.
Esses erros provêm quase sempre de Espíritos levianos, sistemáticos ou pseudo-sábios, que se comprazem vendo editados seus devaneios e utopias pelos homens que conseguiram ludibriar, a ponto de fazê-los aceitar, de olhos fechados, tudo quanto lhes debitam em favor de alguns bons grãos em meio ao joio. Mas, como esses Espíritos nem possuem o verdadeiro saber, nem a verdadeira sabedoria, não podem sustentar por muito tempo o seu papel, e sua ignorância os trai. Deus permite que escapem de suas comunicações erros tão grosseiros, coisas tão absurdas e mesmo tão ridículas, ideias nas quais as mais vulgares noções da Ciência demonstram de tal maneira a sua falsidade que, ao mesmo tempo, matam o sistema e o livro.
Indubitavelmente, seria preferível que só fossem publicados bons livros; mas, desde que não é assim, não temais para o futuro a influência dessas obras; podem, momentaneamente, acender um fogo de palha, mas, quando não se apoiam numa lógica rigorosa, vede em que se transformam, ao cabo de alguns anos e, muitas vezes, depois de poucos meses. Em semelhante caso, os livreiros são um termômetro infalível.
Isto me leva a dizer algumas palavras sobre a publicação das comunicações mediúnicas.
A publicação tanto pode ser útil, se feita com discernimento, quanto perniciosa, em caso contrário. No número dessas comunicações existem as que, por melhores que sejam, só interessam àqueles que as recebem, não oferecendo aos leitores estranhos senão banalidades. Outras apenas têm interesse pelas circunstâncias nas quais foram dadas, e sem o conhecimento das quais são insignificantes. Isto só traria inconvenientes para a bolsa do editor. Mas, ao lado disto, algumas há que são evidentemente más, no conteúdo e no estilo e que, sob nomes respeitáveis e apócrifos, contêm coisas absurdas ou triviais, o que muito naturalmente se presta ao ridículo e dá armas à crítica. É pior ainda quando, sob a proteção desses mesmos nomes, elas formulam sistemas excêntricos, ou grosseiras heresias científicas. Não haveria nenhum inconveniente em publicar essas espécies de comunicações, se as fizessem acompanhar de comentários, seja para refutar os erros, seja para lembrar que são a expressão de uma opinião individual, da qual não se assume a responsabilidade; poderiam mesmo ter um lado instrutivo, mostrando a que aberrações de ideias podem entregar-se certos Espíritos. Mas, publicá-las pura e simplesmente é apresentá-las como expressão da verdade e garantir a autenticidade das assinaturas, que o bom senso não pode admitir; eis o inconveniente.
Como os Espíritos têm seu livre-arbítrio e sua opinião sobre os homens e as coisas, compreender-se-á que há escritos que a prudência e a conveniência mandam afastar. No interesse da Doutrina, convém, pois, fazer uma escolha muito severa em semelhante caso, eliminando com cuidado tudo quanto possa, por uma causa qualquer, produzir má impressão. O médium, conformando-se a esta regra, poderia fazer uma coletânea muito instrutiva, que seria lida com interesse, ao passo que, publicando tudo quanto recebe, sem método e sem discernimento, poderia fazer vários volumes detestáveis, cujo menor inconveniente seria o de não serem lidos.
É preciso que se saiba que o Espiritismo sério patrocina com satisfação e zelo toda obra feita em boas condições, venha de onde vier; mas, por outro lado, repudia todas as publicações excêntricas. Todos os espíritas que se empenham para que a Doutrina não seja comprometida devem, pois, esforçar-se para as condenar, tanto mais porque, se algumas delas são feitas de boa-fé, outras podem sê-lo pelos próprios inimigos do Espiritismo, tendo em vista desacreditá-lo e poder motivar acusações contra ele. Daí por que, repito, é necessário que se conheça o que ele aceita, daquilo que repudia.